Israel diz que acusação de África do Sul está desconectada dos fatos
Ofensiva em Rafah foi pontapé para protocolização de novas solicitações de medidas provisórias por Pretória, embora Tel Aviv afirme que tenha realizado "operações específicas e localizadas" na cidade
Após ser acusado pela África do Sul de escalar o "genocídio" na Faixa de Gaza, Israel afirmou nesta sexta-feira (17), em audiência na Corte Internacional de Justiça (CIJ), com sede em Haia, que a denúncia de Pretória está "desconectada" da realidade, reconhecendo que está "em curso uma guerra trágica", mas que "não há genocídio". Em sete meses de conflito, iniciado após o ataque terrorista do Hamas ao sul israelense — que deixou 1,2 mil mortos e fez mais de 240 reféns — em outubro passado, já são mais de 35 mil palestinos mortos, a maioria mulheres e menores de idade.
"A África do Sul apresenta ao tribunal pela quarta vez uma imagem que é totalmente desconectada dos fatos e das circunstâncias" disse o advogado Gilad Noam, que representa o Estado de Israel, na máxima instância judicial da ONU. "Está em curso uma guerra trágica, mas não há genocídio".
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Em seu quarto pedido para medidas provisórias, protocolado há uma semana, os advogados da África do Sul recorreram ao principal tribunal da ONU para pedir a interrupção do ataque contra a cidade de Rafah, no sul de Gaza, considerada por Israel como reduto dos últimos batalhões do Hamas, que governa o território desde 2007. A cidade abrigava 1,5 milhão — mais da metade de toda a população do enclave — de palestinos deslocados pela guerra, além de ser um ponto de acesso fundamental para a escassa ajuda humanitária que entrava no enclave.
— Israel está perfeitamente consciente do grande número de civis concentrados em Rafah. E também está perfeitamente consciente dos esforços do Hamas para utilizar civis como escudos — disse Noam, afirmando que até agora não houve nenhum ataque em "larga escala" em Rafah, e sim "operações específicas e localizadas precedidas de esforços de deslocamento e apoio a atividades humanitárias".
Desde a primeira ordem para deslocamento do Exército, em 6 de maio, a Agência da ONU para Refugiados da Palestina no Oriente Médio (UNRWA, na sigla em inglês) afirmou que mais de 630 mil pessoas fugiram da cidade. Muitas seguiram para a cidade Deir al-Balah, no centro do enclave, que a agência disse estar agora "insuportavelmente superlotada e em condições terríveis". Diretores de agências da ONU e autoridades da União Europeia (UE) afirmaram no último fim de semana que não há "lugar seguro" em Gaza.
As Forças Armadas também tomaram o posto fronteiriço de Rafah. A operação fechou a passagem, uma das principais rotas para a entrada de suprimentos no enclave, restringindo ainda mais uma ajuda humanitária que já entrava à conta gotas desde o início do conflito. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou nesta sexta-feira que desde o dia 6 de maio não conseguiu levar quaisquer suprimentos médicos ao enclave.
— Não temos combustível. Temos hospitais sob ordem de deslocamento. Temos uma situação em que não podemos nos movimentar fisicamente — afirmou o porta-voz da OMS, Tarik Jasarevic, citado pela agência catari al-Jazeera, durante uma conferência de imprensa da ONU.
As forças israelenses também parecem estar se aproximando do centro de Rafah, segundo imagens de satélite analisadas pelo New York Times, que mostram os veículos militares e a destruição generalizada de bairros vizinhos a cerca de 4 km. As imagens aéreas também mostram que alguns palestinos fugiram até mesmo das áreas que não estavam sob ordens para deslocamento.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, ordenou a ofensiva de Rafah apesar da oposição dos EUA, seu principal aliado. Washington chegou a anunciar a suspensão do envio de determinadas armas a Israel, mas na quarta-feira o presidente Joe Biden comunicou oficialmente ao Congresso a intenção de concluir um novo pacote militar para Israel, estimado em US$ 1 bilhão (R$ 5,13 bilhões), composto por armas, veículos e munições.
No mesmo dia do anúncio, Netanyahu defendeu a necessidade da operação e afirmou que meio milhão de civis já fugiram de Rafah, o que evitaria uma "catástrofe humanitária". O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, garantiu no dia seguinte que "mais tropas entrarão" em Rafah e que "a atividade (militar) será mais intensa".
A audiência desta sexta-feira foi interrompida por alguns minutos, quando uma mulher gritou "mentirosos", no momento em que a representação israelense encerrava sua apresentação. No fim, um juiz alemão fez uma pergunta adicional a Israel, pedindo para que explicasse o que está acontecendo nas chamadas zonas de deslocamento, especificamente em relação à zona humanitária expandida de al-Mawasi. O tribunal ordenou que Israel responda a questão neste sábado.
Acusações da África do Sul
Pretória deu início a dois dias de audiências no alto tribunal das Nações Unidas, que está sendo solicitada a ordenar um cessar-fogo em Gaza, devastada por mais de sete meses de conflito entre Israel e Hamas. “Como as evidências demonstram de forma esmagadora, a maneira pela qual Israel está implantando suas operações militares em Rafah e no restante de Gaza é genocida”, disse a África do Sul em sua petição, acrescentando que "deve-se ordenar que parem”.
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O país africano solicitou à corte três medidas provisórias enquanto seus juízes consideram a acusação de que Israel está violando a Convenção de Genocídio da ONU de 1948, levada à corte pelo país em dezembro. Pretória pede que o tribunal ordene que Israel “se retire imediatamente e pare sua ofensiva militar” em Rafah, tome "medidas efetivas" para permitir “acesso desimpedido” a Gaza para trabalhadores humanitários, jornalistas e pesquisadores, e exige que o tribunal garanta que Israel informe sobre as medidas tomadas para cumprir essas ordens.
— A África do Sul esperava, na última vez que compareceu a este tribunal, que este processo genocida fosse interrompido para preservar a Palestina e seu povo — disse Vusimuzi Madonsela, embaixador sul-africano na Holanda. — Em vez disso, o genocídio de Israel continuou e atingiu uma fase nova e horrível.
Em fevereiro, a máxima instância judicial da ONU rejeitou um pedido da África do Sul que buscava pressionar legalmente Israel — que defende seu compromisso “inabalável” com a lei internacional e diz que as alegações sul-africanas são “totalmente infundadas” e “moralmente repugnantes” — a não lançar uma ofensiva terrestre em Rafah. Pretória enfatizou que a única maneira de implementar as ordens já emitidas pelo tribunal internacional é um “cessar-fogo permanente em Gaza”.
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Em janeiro, em um caso que também foi apresentado pela África do Sul, a corte ordenou a Israel que fizesse todo o possível para evitar atos de genocídio e permitir o acesso da ajuda humanitária a Gaza. Mas o tribunal não chegou a ordenar um cessar-fogo, e o argumento da África do Sul é que a situação no enclave palestino — especialmente a operação na cidade lotada de Rafah — exige uma nova ação da CIJ. Para o advogado da África do Sul, Vaughan Lowe, a campanha na região localizada no extremo sul do enclave "é o último passo na destruição de Gaza e de seu povo palestino".
— Foi Rafah que levou a África do Sul ao tribunal. Mas são todos os palestinos, como um grupo nacional, étnico e racial, que precisam da proteção contra o genocídio que o tribunal pode ordenar — afirmou.
As decisões da CIJ são juridicamente vinculantes, mas a corte não tem mecanismos para aplicá-las. Por exemplo, a jurisdição exigiu em vão que a Rússia parasse sua invasão da Ucrânia.
Gaza no tribunal
A CIJ foi criada para resolver disputas entre países e se tornou uma figura central na guerra entre Israel e o Hamas. Em fevereiro, o tribunal também assumiu um caso solicitado pela Assembleia Geral da ONU sobre a legalidade da ocupação dos territórios palestinos por Israel. As audiências, planejadas muito antes da guerra, contaram com a participação de mais de 50 países, a maioria dos quais expressou raiva e frustração com os ataques de Israel a Gaza e com o aumento do número de mortes de civis.
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Além do caso em dezembro, Pretória também fez uma petição à CIJ sobre a fome em Gaza e obteve uma nova decisão ordenando que Israel permita a entrega de alimentos, água e outros suprimentos vitais "sem demora". Israel negou veementemente ambas as acusações.
Em fevereiro, o tribunal também assumiu um caso solicitado pela Assembleia Geral da ONU sobre a legalidade da ocupação dos territórios palestinos por Israel. As audiências, planejadas muito antes da guerra, contaram com a participação de mais de 50 países, a maioria dos quais expressou raiva e frustração com os ataques de Israel a Gaza e com o aumento do número de mortes de civis.
Em abril, a Nicarágua também levou o conflito no Oriente Médio ao tribunal, mas, desta vez, acusando a Alemanha de ser cúmplice no que descreveu como "genocídio" ao enviar armas a Israel. Berlim negou as acusações. A CIJ r ejeitou uma solicitação de Manágua para que o país europeu suspendesse o envio de armas a Tel Aviv. Apesar da decisão, o caso não foi totalmente rejeitado. A Corte ainda não comentou o mérito do caso apresentado, o que pode levar meses ou mesmo anos.