Ministro israelense diz que militares permanecerão em Gaza "por anos"
Fala de Avi Dichter, do Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar, ocorre em meio à consolidação da presença militar de Israel no enclave e à falta de planos para o pós-guerra
O ministro da Agricultura e Segurança Alimentar de Israel, Avi Dichter, disse que os militares israelenses permanecerão na Faixa de Gaza por muitos anos, eliminando novos recrutas do Hamas e podendo eventualmente ajudar nas entregas de ajuda humanitária.
A declaração, citada pelo jornal britânico The Guardian, foi dada em meio ao aumento da presença militar israelense na região e à opacidade do governo quanto aos planos concretos para o pós-guerra no enclave - embora a ala mais extremista da coalizão não esconda seu desejo de reocupar o território palestino.
"Acho que a maioria das pessoas entende que [Israel] ficará anos em algum tipo de situação da Cisjordânia, onde você entra e sai, e talvez permaneça ao longo do [corredor] Netzarim", disse Dichter, em referência ao corredor de 6,4 km que divide Gaza ao meio e tem importância tática para os militares na região.
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Ditcher também argumentou que o Hamas ainda tem algumas capacidades militares porque Israel ainda não "alcançou todos os lugares em Gaza" e que o grupo "têm novas pessoas". Em junho, o porta-voz do Exército, o contra-almirante Daniel Hagari, disse que não é possível eliminar o Hamas por meio de guerra, porque se trata de uma ideologia. Prometer algo dessa magnitude seria como "jogar areia nos olhos das pessoas".
No caso da entrega de ajuda humanitária, o ministro disse que Israel estava considerando contratar empreiteiros privados para proteger os comboios de ajuda humanitária contra saqueadores, mas também sugeriu que as Forças Armadas israelenses poderiam assumir esse papel. As soluções podem variar para cada parte de Gaza, observou.
"Até agora não encontramos as respostas, mas acredito que deveríamos encontrar uma maneira […] de garantir que haja comida suficiente para todos os cidadãos de Gaza […] e não permitir que o Hamas seja o governador não-oficia", afirmou, acrescentando: "Você não precisa usar o mesmo sistema em toda Gaza, [mas] o Hamas não governará Gaza, então quem governará, não sei dizer agora".
Trabalhadores humanitários e moradores locais contaram à rede BBC que roubos violentos por gangues criminosas são agora o principal obstáculo para a distribuição de suprimentos no sul do enclave. Esses grupos, afirmaram, operam à vista de soldados das Forças Armadas de Israel ou de drones de vigilância, sem intervenção do Exército.
Dias antes, 29 ONGs denunciaram que os militares israelenses estavam facilitando o saque de ajuda humanitária em Gaza, especialmente ao atacar as forças policiais palestinas que tentavam combatê-lo.
Presença militar
Batizado em referência ao antigo assentamento israelense de mesmo nome em Gaza, o Corredor Netzarim está localizado poucos quilômetros ao sul da Cidade de Gaza (norte), indo da fronteira israelense à costa do Mediterrâneo. Trecho que, como descreveu um ministro israelense à CNN, tornaria possível viajar do Kibutz Be'eri até a praia em sete minutos.
O corredor permite ao Exército israelense uma rápida mobilidade e a fiscalização do fluxo de ajuda e do movimento dos palestinos deslocados, o que Israel considera fundamental para impedir o reagrupamento dos combatentes do Hamas. Além de sugerir uma presença militar israelense cada vez maior, o trecho dá indícios de que parte do plano para o pós-guerra pode consistir na consolidação dessa presença, que ajudaria a monitorar uma futura zona de proteção, observou em maio o jornal Washington Post.
O Guardian disse que reservistas que serviram recentemente em Gaza descreveram a escala da nova infraestrutura militar, incluindo novos acampamentos e estradas extensivas em uma região do norte e do centro do enclave. Outros reservistas afirmaram que foram usados tantos explosivos nessas destruições que algumas unidades acabaram ficando sem.
Um oficial recentemente desmobilizado, continuou o jornal britânico, disse que passou boa parte dos 70 dias que esteve em serviço demolindo casas para abrir mais espaço para novas bases militares. Segundo o oficial, que não foi identificado, essa era sua "única missão".
"Não havia uma única construção que passasse da minha cintura em lugar nenhum [no corredor], com exceção das nossas bases e torres de observação", descreveu ao Guardian.
Ex-chefe do serviço da agência de inteligência Shin Bet, o ministro disse em entrevista coletiva no domingo que "ainda há muito trabalho a fazer".
Destruição de estruturas civis
O WP informou em maio que as tropas israelenses tomaram estruturas civis e as transformaram em postos militares. Barreiras de areias protetoras surgiram e uma vila inteira foi destruída. Segundo especialistas, ao menos 750 prédios teriam sido demolidos até maio para criar uma "zona de segurança" de cerca de 450 metros de cada lado da estrada. Outros 250 edifícios foram demolidos na área do cais no Mediterrâneo.
De acordo com o jornal israelense Haaretz, o corredor começou a ser construído após o ataque terrorista do Hamas em outubro — que matou cerca de 1.200 pessoas e fez 251 reféns e deu início à retaliação israelense em Gaza, onde mais de 44 mil pessoas foram mortas. Assim com o Corredor Filadélfia, zona fronteiriça entre Gaza e o Egito, o Corredor Netzarim foi por vezes um dos entraves a um acordo de cessar-fogo com o Hamas, que exige a retirada total das tropas israelenses de Gaza.
Apesar de não debater abertamente sobre o pós-guerra em Gaza, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, já prometeu manter controle de segurança por tempo "indefinido" sobre o enclave e afirmou que as tropas israelenses podem precisar "estar dentro" de Gaza para desmilitarizar o Hamas.
Os ministros Itamar Ben Gvir e Bezalel Smotrich, da Segurança Nacional e das Finanças, respectivamente, defendem abertamente a guerra como uma oportunidade de retomar Gaza e reconstruir assentamentos judaicos na região. Há poucos dias, Smotrich (ele mesmo um colono) defendeu que Israel deveria ocupar Gaza e reduzir pela metade sua população de 2,2 milhões de palestinos, por meio de uma estratégia de encorajamento de "emigração voluntária". Na visão de analistas, um eufemismo para deslocamento forçado.