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Guerra

"Israel não pode ditar o destino de uma missão que a comunidade internacional deseja", diz porta-voz

Andrea Tenenti sugere que ataques israelenses às forças da ONU fazem parte da campanha de Netanyahu para forçar retirada e que as suas tropas usaram posições dos capacetes azuis como escudos humanos

Porta-voz da Unifil, Andrea Tenenti dá entrevista na sede da missão em Baabda, a leste de Beirute, Líbano Porta-voz da Unifil, Andrea Tenenti dá entrevista na sede da missão em Baabda, a leste de Beirute, Líbano  - Foto: Anwar Amro/AFP

Andrea Tenenti, porta-voz da missão da ONU no sul do Líbano (Unifil), recebeu o El País em uma pequena sede localizada ao lado da Embaixada da Ucrânia em Baabda, cidade a sudeste de Beirute, longe da principal base dos capacetes azuis perto da Linha Azul, uma fronteira informal entre os dois que a missão monitora.

A força da ONU vive o momento mais delicado desde a guerra anterior entre Israel e o Hezbollah, em 2006, quando as tropas permaneceram nos seus postos.

Tenenti defende que também mantenham a posição agora, entre outras razões porque Israel “não pode ditar o destino” de uma missão que o Conselho de Segurança renova anualmente, e sugere que foram as forças israelenses, e não o Hezbollah, que usaram posições da Unifil como escudos humanos — contrariando o que o premier de Israel alegou em uma declaração recente.

Israel solicitou formalmente a retirada da Unifil do Líbano. O que teria que acontecer para que as tropas abandonassem as suas posições?
Fomos muito claros há alguns dias, e no domingo o secretário-geral [da ONU, António Guterres] respondeu de certa forma ao pedido do [premier de Israel, Benjamin] Netanyahu. Além disso, quando o Exército israelense nos pediu para sairmos de algumas posições próximas da Linha Azul, houve uma mensagem clara para ficarmos. Foi uma decisão unânime de todos os 50 países que contribuem com tropas: que era importante manter uma presença internacional no sul. Estamos aqui a pedido do Conselho de Segurança e das autoridades libanesas. Decidimos ficar não só porque faz parte do mandato, mas porque é necessária uma presença internacional para monitorar o que está acontecendo, mesmo que neste momento nossas capacidades de monitoramento sejam muito limitadas. Nos últimos dias houve vários ataques, alguns por parte de Israel, nos quais os capacetes azuis ficaram feridos.

Se a capacidade de monitorar e ajudar a população é tão limitada, existe um elemento simbólico na permanência?
É importante porque não pode ser que um Estado-membro dite o destino de uma missão que a comunidade internacional deseja. Se o Líbano decidisse, nós sairíamos, porque estamos aqui a pedido do governo libanês. Mas não estamos a pedido das autoridades israelenses. E o monitoramento é importante porque, embora tenhamos uma capacidade muito limitada, ainda temos 10 mil militares em 50 postos ao longo da Linha Azul e dentro da área de operações. Ainda podemos ver o que está acontecendo e temos radares que reportam bombardeios. Portanto, continua sendo uma missão relevante e estaremos lá até que as condições de segurança não estejam reunidas.

Que condições são essas?
Teria que ser feita uma avaliação de risco se não pudéssemos monitorar nada e fôssemos constantemente atacados. Então o Conselho de Segurança teria que decidir. Em 2006, o conflito entre Hezbollah e Israel continuou durante 34 dias e não saímos, embora Israel tenha entrado em território libanês.

Israel argumenta que a Unifil tem sido completamente ineficiente e agora, com a invasão, publicou vídeos dos túneis do Hezbollah perto das suas bases...
Não podemos verificar de forma independente esses números ou túneis, mas sempre fomos transparentes. Temos informado o Conselho de Segurança sobre tudo que monitoramos. Existem áreas que não podemos adentrar. A propriedade privada está fora de questão para nós. O mandato não permite que forças entrem em casas para revistá-las. Estamos aqui para apoiar o Exército libanês nesse sentido. Portanto, definitivamente podemos fazer parte [da solução], mas não tudo. Ao mesmo tempo, o problema das armas é real. Tem havido negociação e mediação com as partes e nos últimos 18 anos temos tentado trabalhar nisso. Então chegou outubro de 2023 e não conseguimos avançar. Mas a implementação, repito, não é um fracasso da Unifil. Reconhecemos que muitas coisas não foram feitas porque nem sequer tínhamos as capacidades.

Será que mudar a missão para o capítulo sete [da Carta das Nações Unidas, que autoriza o uso da força] seria uma opção, como propõe Israel?
Tem de ser decidido pelo Conselho de Segurança, mas significaria utilizar todos os meios necessários para restaurar a estabilidade em um país, por isso precisa da aprovação do Líbano. Acho que seria muito difícil.

Você precisa de uma resolução que seja pragmática. E se você fizer isso, também precisará de tropas. Itália, França, Espanha, quem quer que seja, estariam dispostos a colocar aqui tropas que tenham de usar a força? Quais seriam os resultados? É como agir em legítima defesa. Iria desencadear ainda mais violência do que tentar encontrar uma solução através de meios pacíficos?

O Capítulo 6, no qual a missão está enquadrada hoje, permite a autodefesa. Os ataques que a Unifil recebeu nos últimos dias não se enquadram nessa categoria? Por que eles não recorreram a isso?
Sim, está enquadrado. Mas é algo que pode ser usado quando há uma ameaça séria contra as nossas forças de manutenção da paz.

Não me refiro ao último, mas aos ataques que a Unifil declarou como intencionais.

Sim, com certeza. O comandante no terreno tem de decidir se é o caso de responder, perceber se a resposta só provocaria mais violência e mais pessoas mortas ou feridas. Você tem que ser muito pragmático sobre como usar a autodefesa. Não queremos fazer parte do conflito. Provocar mais violência não é o papel da força de manutenção da paz. Ela pode ser utilizada, mas temos de analisá-la caso a caso.

Netanyahu acusa tropas da Unifil de se tornarem o escudo humano do Hezbollah...
O que temos visto nestes dias é que as tropas israelenses entraram na nossa base. É muito perigoso para as forças de manutenção da paz ter um dos grupos combatentes na sua área? Eles podem ser atacados. Por quê? Porque há tropas israelenses lá dentro. Não vou julgar, não vou analisar, porque não é meu papel. Mas eu pediria simplesmente às pessoas que olhassem para o que está acontecendo nestes dias e se os argumentos dos israelenses fazem sentido ou não.

E você identificou alguma situação em que o Hezbollah estava atirando perto das tropas da Unifil?
Não nos últimos dias. Neste momento, o Exército israelense está dentro do território libanês. Antes, o Hezbollah atirava contra Israel. Agora, contra as forças israelenses dentro do Líbano, onde estamos. Então é claro que se tornou mais difícil e perigoso.

Você vê uma intenção clara de atacar as tropas da Unifil como uma mensagem para que as tropas partam?
Bem, eles nos disseram para sair, então a mensagem foi clara.

Sim, mas é diferente dizer “gostaríamos que isso acontecesse” do que atacar as tropas...
As palavras eram: “você tem que ir”. As ações são que houve ataques contra nossas tropas por parte deles. O porta-voz [do Exército israelense] disse ontem [no domingo] que eles estavam realmente investigando esses incidentes para ver o que aconteceu. Vamos dar-lhe o benefício da dúvida: alguns soldados não sabiam o que estavam fazendo. Mas, não sei. Não ter ninguém ali é melhor para alguém?

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