Israel usou diretriz militar que pôs em risco vida de civis durante ataque do Hamas
Controversa política das Forças Armadas de Israel estipula o uso da força máxima a fim de evitar o sequestro de seus soldados, independente das consequências
As Forças Armadas de Israel (IDF, na sigla original) acionaram o Protocolo Hannibal durante o ataque terrorista do grupo armado palestino Hamas em 7 de outubro do ano passado, revelou uma investigação do jornal israelense Haaretz.
A controversa política militar do Estado judeu estipula o uso da força máxima a fim de evitar o sequestro de seus soldados, mesmo à custa da vida de civis. Ainda segundo a publicação, a decisão foi tomada com base em informações limitadas e não verificadas durante as primeiras horas da ofensiva.
O protocolo foi usado em três instalações militares atacadas pelo Hamas, potencialmente colocando em risco também os civis, disse o Haaretz no domingo. Ainda segundo o jornal, durante o ataque, as redes de comunicação israelenses não conseguiam acompanhar o fluxo de informações alimentado por soldados que enviavam relatórios.
Leia também
• Presidente eleito do Irã expressa apoio ao Hezbollah contra Israel
• Israel bombardeia Gaza e mediadores intensificam pressão para obter trégua
No entanto, a mensagem transmitida às 11h22 pela Divisão de Gaza foi compreendida por todos. "Nenhum veículo pode retornar a Gaza", era a ordem.
"Nesse momento, o [exército israelense] não tinha conhecimento da extensão dos sequestros ao longo da fronteira de Gaza, mas sabia que muitas pessoas estavam envolvidas. Portanto, estava totalmente claro o significado daquela mensagem e qual seria o destino de algumas das pessoas sequestradas", disse a reportagem.
De acordo com o Haaretz, ainda não estava claro se, ou quantos, civis e militares foram feridos como resultado dessas ordens, mas documentos e testemunhos de soldados, bem como de oficiais de nível médio e sênior das Forças Armadas de Israel, sugeriram que a prática foi usada de forma "generalizada" em 7 de outubro, em meio à falta de informações claras, já que as IDF tiveram dificuldade para responder ao ataque do Hamas.
Segundo as autoridades israelenses, 1.139 pessoas foram mortas e outras 250 foram capturadas e levadas para a Faixa de Gaza em 7 de outubro. Já a contraofensiva de Israel deixou mais de 38 mil mortos nos últimos nove meses, de acordo com o ministério da saúde local, controlado pelo Hamas, e quase toda a população de 2,3 milhões de pessoas foi deslocada de suas casas em uma crise humanitária catastrófica.
“Os dados cumulativos indicam que muitas das pessoas sequestradas estavam em risco, expostas a tiros israelenses, mesmo que não fossem o alvo", disse o Haaretz. Ainda segundo o jornal, o protocolo Hannibal "foi empregado em três instalações do exército infiltradas pelo Hamas", mas isso "não impediu o sequestro de sete [soldados] ou a morte de 15 outros observadores, bem como de 38 outros soldados".
Um porta-voz não identificado das IDF disse ao Haaretz que o exército "começou a conduzir investigações internas sobre o que aconteceu em 7 de outubro e no período anterior".
— O objetivo dessas investigações é aprender e tirar lições que possam ser usadas para continuar a batalha. Quando essas investigações forem concluídas, os resultados serão apresentados ao público com transparência" — afirmou.
Em janeiro, surgiram as primeiras alegações de que as IDF poderiam ter usado o protocolo Hannibal para impedir que os combatentes do Hamas retornassem a Gaza com reféns. Embora a diretriz se aplique apenas a militares, muitos dos capturados eram civis. Segundo uma investigação da ONU realizada no mês passado, os militares israelenses provavelmente mataram mais de uma dúzia de seus próprios cidadãos durante o ataque de 7 de outubro.
A última vez que Israel invocou o Protocolo Hannibal foi em 2014, durante uma guerra em Gaza, de acordo com gravações de áudio militares vazadas, embora o exército israelense negue que tenha usado a doutrina. Dezenas de palestinos foram mortos no bombardeio israelense que se seguiu, provocando acusações de crimes de guerra contra as IDF.
Acredita-se que a diretriz tenha sido revogada em 2016, embora não esteja claro o que levou à sua anulação. Um relatório do controlador do Estado de Israel também recomendou que as IDF abolissem a diretriz por causa das críticas que recebeu, bem como por causa de suas várias interpretações pelos militares, disse o Haaretz.