Justiça manda Estado indenizar em R$ 500 mil casal que teve imóvel ocupado pelo Bope
Por oito meses, casa serviu como posto de observação e chegou a ter bandeira da tropa de elite da PM hasteada no local
Depois de uma batalha jurídica que durou 17 anos, a 15ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) determinou, no último dia 25 de março, a expedição de precatórios para complementar o pagamento de uma indenização de danos morais, cujo valor total é estimado em torno de R$ 500 mil, a um casal de moradores da Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio. Eles tiveram a casa em que moravam ocupada indevidamente, por oito meses, por policiais do Batalhão de Operações Especiais(Bope). A decisão já transitou em julgado e não há mais a possibilidade de recurso.
Em novembro, outra parte da indenização já havia sido depositada pelo estado também por determinação judicial. Segundo documentos que constam no processo, a ocupação aconteceu a partir de abril de 2008, quando o imóvel chegou a ser transformado em uma espécie de posto de observação da PM.
Com a desculpa de dar apoio a uma operação que seria feita na Vila Cruzeiro, policiais da tropa de elite da Polícia Militar decidiram usar a residência como base, obrigando um padeiro e uma técnica em enfermagem, que moravam no local, a irem para casa de parentes com a filha que, na época, tinha apenas dois anos. Segundo dados da decisão, os PMs hastearam uma bandeira do Bope na laje da casa, o que teria dado a entender ter ocorrido colaboração do casal, colocando-os em risco frente aos traficantes de drogas que dominam a região.
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Durante a permanência de oito meses no terraço, de onde trocavam tiros com os bandidos, os policiais danificaram o banheiro, quebrando uma porta, e promoveram barulho, como, por exemplo, uma televisão ligada o tempo todo em volume altíssimo.
Por conta da ocupação, ainda da segundo dados do processo, os moradores tiveram de alugar outro imóvel, pagando valor mensal de R$ 400 de aluguel. Em primeira instância, o Estado do Rio de Janeiro chegou a ter uma vitória alegando que seus agentes apenas exerciam o dever legal de combater o crime. E que o imóvel foi ocupado por conta da sua localização estratégica. Na ocasião, um primeiro pedido de indenização, que serviria para comprar uma nova casa, foi negado.
A defesa dos moradores entrou com recurso em segunda instância e os desembargadores da 3ª Câmara Cível decidiu a favor do casal, condenando o estado a pagar uma indenização."… Equivoca-se a sentença ao dizer que a ocupação foi apenas da laje porque, há de convir, soldadesca que se posicione em toda a morada ou em parte dela, nem se diga por oito meses, mas por um dia uma hora ou qualquer fração de tempo, viola o direito à vida privada e à intimidade, que são fundamentais, haja vista a garantia passiva que lhes reserva o art. 5. 00X, da Constituição da República: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a Imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Por outro lado, não está o Estado do Rio de Janeiro isento de responsabilidade…" escreveu, em 2012, o desembargador Fernando Foch, em seu parecer em um trecho da decisão.
O governo estadual recorreu da decisão, mas o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso e confirmou, em 2015, a decisão do dos desembargadores do TJRJ. O Globo não conseguiu contato com o casal. No dia 25 de março, o juízo da 15ª Vara de Fazenda Pública determinou a expedição de precatórios. Seis dias depois, no dia 31, a Justiça pediu que a defesa dos moradores apresentem os documentos obrigatórios para o respectivo procedimento de indenização.
O Globo procurou a PM e o governo estadual para comentar o assunto. Até agora, no entanto, as instituições ainda não se pronunciaram sobre o caso.