LGBTQIA+ Guarani Kaiowá elaboram propostas para enfrentar violações
Encontro buscou fortalecer identidade e auto-organização da etnia
O 1º Encontro LGBTQIA+ Indígena Guarani Kaiowá, realizado no último fim de semana, indicou cinco encaminhamentos para enfrentar as violações de direitos contra essa população.
Eles envolvem a criação de oficinas de diálogo com os jovens nas próprias comunidades, a formação de agentes de saúde e de professores que atuam dentro das aldeias, o fortalecimento da rede de proteção abrangendo diferentes órgãos e instituições públicas, a elaboração de materiais informativos para distribuição nas aldeias e a construção de uma casa de acolhimento.
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O encontro, que ocorreu entre a última quinta-feira (20) e domingo (23) na cidade de Sidrolândia, em Mato Grosso do Sul, buscou fortalecer a identidade e a auto-organização da etnia, promover a visibilidade e a valorização da diversidade sexual e de gênero dentro das aldeias, construir estratégias de autoproteção contra a homofobia e a transfobia e discutir políticas públicas para garantir de direitos dessa população.
O balanço é positivo na avaliação de Alessandro Santos Mariano, chefe de gabinete da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).
"Foi um espaço de muita escuta sobre as violações de direitos e também um espaço de formação dos sujeitos em relação aos seus direitos. O encontro esteve também muito conectado à cultura e organização dos indígenas. Todas as mesas começavam com as falas dos indígenas", disse, em entrevista à Agência Brasil, na qual abordou os resultados do evento. Ele acrescentou os momentos ligados à espiritualidade das comunidades, na abertura e no encerramento dos trabalhos.
A organização do encontro foi uma demanda que partiu da população Guarani Kaiowá, etnia que se concentra principalmente em Mato Grosso do Sul.
Os indígenas, alinhados à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), conseguiram viabilizar o encontro em articulação com o MDHC, com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e com o coletivo Distrito Drag.
Igualdade
"O evento se configura como um marco na luta pela igualdade e pela visibilidade dos indígenas LGBTQIA+ Guarani Kaiowá, através do diálogo intercultural, da construção de redes de apoio e da incidência política, buscando garantir os direitos e a dignidade da comunidade.
A união e a mobilização social são essenciais para construir um futuro mais justo e inclusivo para todos os povos indígenas", avaliou a Apib em nota divulgada em seu portal.
O texto aponta o encontro como um espaço seguro para diálogo e troca de experiências, com vistas à construção de estratégias de autoproteção contra discriminação.
Durante o encontro, o MDHC coordenou mesas para discutir questões relacionadas ao direito das populações LGBTQIA+ no Brasil, como o casamento homoafetivo e o nome social.
Também promoveu debates em torno da compreensão em relação à identidade de gênero e orientação sexual.
A pasta realizou ainda uma apresentação do serviço do Disque 100, responsável pelo recebimento de denúncias envolvendo violações de direitos humanos.
Outros órgãos do poder público também foram envolvidos.
O Ministério da Saúde realizou oficinas sobre as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e sobre o funcionamento dos serviços de atendimento. A Defensoria Pública da União (DPU) abordou a questão das violências e o Conselho Federal de Psicologia (CFP) promoveu conversas sobre saúde mental.
Houve ainda diferentes espaços de escuta, nos quais os indígenas puderam apresentar queixas e relatos envolvendo todos esses temas.
Alessandro indica que o direito ao território foi um tema bastante abordado pelos participantes.
"Uma das questões que a gente pode apontar a partir desse encontro é a necessidade dessa população ter o seu direito de ser LGBT na sua comunidade", afirmou.
Ele lembra que, nos últimos três anos, houve três homicídios de indígenas LGBTQIA+ em aldeias guarani kaiowá ou próximas a elas.
De acordo com Alessandro, como são crimes ainda não solucionados, não se sabe se os autores pertencem à comunidade ou se são invasores.
Ele disse também que, além dos assassinatos, há outros casos registrados de violência contra indígenas LGBTQIA+ e os alvos são majoritariamente jovens.
"Possuem 15, 17, 18 anos. Como não se encaixam naquilo que é tido como padrão, pois têm uma característica de expressão de gênero que é diversa e que se manifesta por exemplo no cabelo, nos gostos, no jeito de se vestir, se tornam vítimas de violência. No encontro, a gente pôde escutar isso. Há uma dificuldade da família e da comunidade em entender e também quando saem da aldeia são alvos de violência na cidade, nas escolas e em outros espaços", especificou.
Encaminhamentos
De acordo com Alessandro, o MDHC está comprometido em promover articulações com outros órgãos e instituições para levar os cinco encaminhamentos adiante.
Ele explicou, por exemplo, que o fortalecimento da rede de proteção precisa envolver o Ministério Público e estruturas municipais, as quais devem ser capazes de dar atenção às denúncias e acompanhar os casos.
Em relação à casa de acolhimento, Alessandro disse que a ideia é que ela possa receber, abrigar e dar suporte às pessoas em situação de vulnerabilidade, que inclui LGBTQIA+ que saíram de casa ou que sofrem algum tipo de perseguição na aldeia.
Ele avaliou, porém, ser preciso uma união de esforços que permita não apenas tirar o projeto do papel, mas também pensar a gestão do espaço.
Em sua visão, uma estrutura como essa deveria contar com a participação, por exemplo, do Ministério da Saúde, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do governo estadual.
O encontro também marcou a inauguração do programa Bem Viver+, criado pelo MDHC para enfrentar a violência e promover os direitos das pessoas LGBTQIA+ nos territórios do campo, das águas e das florestas.
"Estamos iniciando nesse ano com foco nas populações indígenas. O objetivo é dar sequência a um processo de formação", contou Alessandro.
Está prevista para setembro a realização de um encontro com indígenas LGBTQIA+ em Salvador.
Todas as ações no âmbito do programa são planejadas em diálogo com as comunidades e entidades indígenas e com outras estruturas do poder público.