"Povo está sendo destruído", afirma homem que viajou do Recife ao Líbano para resgatar família
Rami Rkain acompanha de perto o sofrimento dos libaneses e compartilha o desespero nas redes sociais
“O povo libanês está sendo massacrado, está sendo destruído, estão matando a gente. Não temos nada a ver. Quero mostrar para o mundo que nós não somos terroristas”.
As palavras de apelo são do libanês naturalizado brasileiro Rami Rkein, que viajou do Recife para o país alvo de ataque de Israel para resgatar os pais idosos e acabou não conseguindo sair do Líbano.
Agora, ele, que só consegue notícias por meio de grupos no WhatsApp e acompanha de perto o sentimento de comoção dos libaneses, tanta voltar ao Brasil e compartilha o desespero nas redes sociais.
“Nós temos que nos juntar para enfrentar essa crise”, afirmou, em entrevista à Folha de Pernambuco.
Rami Rkain, de 40 anos, saiu do Líbano em 2006, durante um cenário de confronto, e viajou sozinho ao Brasil para trabalhar em uma fábrica de roupas do tio, na cidade de Paulista, na Região Metropolitana do Recife.
Ao longo de quase duas décadas no País, atuou em diversas áreas, constituiu família, casou com uma brasileira e teve um filho, atualmente com 15 anos.
Também estudou e se tornou síndico profissional, área em que atua nos dias atuais, gerenciando condomínios em Paulista, onde reside.
“Trabalhei muito. Ralei do zero. Eu não tinha nem um centavo. Comecei a fabricar roupa, vender camiseta. Aí surgiu a oportunidade e eu comecei a trabalhar como síndico”, afirmou.
No último dia 19 de setembro, Rami deixou a esposa, Daiane, e o filho, Rayan, ambos brasileiros, em Paulista, para resgatar seu pai, de 87 anos, e sua mãe, de 70, da cidade de Dahiye, no Líbano. A ideia era trazê-los para Pernambuco.
Atualmente, está escondido com familiares no estacionamento subterrâneo do prédio onde sua irmã gêmea mora, na cidade de Khalde, 10 minutos distante de Beirute, alvo de ataques.
Para chegar até o Líbano, Rami saiu no dia 19 de setembro, do Aeroporto do Recife, em um voo em direção a São Paulo. De lá, seguiu em um avião para Turquia, onde recebeu o comunicado de bombardeios mais constantes.
“Meu pai está muito debilitado. Eu não podia voltar para o Brasil diante dessa guerra e tomei a decisão de ficar. Peguei um voo da Turquia para a Jordânia e atravessei, por via terrestre, a fronteira entre a Síria e o Líbano. Enfrentei o Estado Islâmico e tive que pagar para conseguir acessar a fronteira”, detalhou.
Ao entrar no país, no dia 21 de setembro, um ataque mais forte foi iniciado na cidade de Dahiye, onde os pais moravam, próximo a Beirute, e os idosos prontamente foram se abrigar no prédio da filha, em Khalde, para onde Rami também foi, levando medicamentos, água e comida.
“A região foi atacada praticamente diariamente. Mais de 300 mísseis derrubando prédios e condomínios, e, infelizmente, um desses prédios foi o do meu pai”, contou.
Durante o dia, o brasileiro naturalizado voltou ao local onde os pais moravam e gravou um vídeo diante dos destroços da estrutura.
“Era um apartamento pequeno, mas era de vida. Imagina voltar na casa dos seus pais, no bairro de infância e encontrar tudo destruído, no chão. Acaba com qualquer ser humano”, relatou.
Agora, Rami permanece abrigado no prédio da irmã com ela, os pais, o cunhado, uma sobrinha e cinco gatinhos. Ele relatou que, durante o dia, todos sobem para preparar alimentos e, à noite e madrugada, período em que os ataques se intensificam, eles se escondem no subsolo do condomínio.
“Comprei várias garrafas de água e farinha para fazer pão, mas está muito difícil. A gente cozinha arroz, come pouco para sobrar, porque está intensificando muito, está piorando muito. Nesta madrugada, bombardearam a fronteira entre Síria e Líbano, onde os alimentos entram”, afirmou, preocupado.
Questionado se havia lugar para comprar comida, Rami disse que todos estão isolados. “Não tem cliente para comprar e nem mercadoria para vender”.
Rami lembrou que tem um sobrinho universitário preso em uma faculdade na capital e que perdeu quatro primos, mortos devido à guerra no Oriente Médio.
“O sentimento da gente é terrível, estou praticamente preso. Eu não consigo sair, não consigo tirar os documentos do meu pai, para trazê-lo para o Brasil, porque fechou todos os lugares públicos aqui. Estou aguardando o avião do Brasil”, relatou.
Ainda em entrevista, Rami relata que encontrou diversos brasileiros e chegou a abrigar uma família no estacionamento subterrâneo. “Vários brasileiros morreram no ataque de ontem”, disse.
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O brasileiro naturalizado ainda relatou que, diante dos bombardeios, se sentiu, inicialmente, abandonado, mas tem expectativa de ser repatriado.
“A gente não estava entendendo que o Governo do Brasil estava estudando a melhor maneira para retirar a gente daqui. Agradeço ao meu Deus e ao meu presidente Lula. Queria encontrá-lo para agradecer por tudo que tem feito. O consulado mandou formulários para os brasileiros preencherem. São 3,5 mil brasileiros em áreas de conflito pedindo misericórdia [para sair]”, afirmou o síndico.
Diante da dificuldade de resgate aéreo, Rami acredita que o Governo do Brasil precisa adotar um “plano B”.
“Que possam utilizar um navio ou alguma outra coisa que possa retirar o povo brasileiro daqui e colocar um em outro país próximo, como Turquia, para, depois, retirar de avião. O mais importante da missão é tirar o povo do sofrimento, dessa guerra, dessas bombas”, afirmou.
Agora, Rami, que pretendia voltar ao Brasil no último dia 30 de setembro, vive entre a expectativa de sair do Líbano e a decisão de deixar os pais idosos e demais familiares, que não possuem nacionalidade brasileira e nem documentos, no país em guerra.
“O governo brasileiro vai me chamar e eu ter que partir, mesmo vendo minha família desse jeito. Isso dói muito, ver famílias morrendo. Eu fico pensando o que fazer. Tenho filho e esposa no Brasil e meus pais aqui, penso ‘o que eu faço’?”, afirmou, emocionado, agradecendo aos vizinhos e amigos de Paulista pelas mensagens de força.
Avião para repatriar brasileiros
A Operação Raízes do Cedro, que vai repatriar brasileiros que estão no Líbano, e começaria nesta sexta-feira (4), será adiada. O motivo é a falta de segurança para transporte até o aeroporto.
"Em consequência da necessidade de medidas adicionais de segurança para os comboios terrestres que se dirigirão ao aeroporto da capital libanesa, a operação do primeiro voo brasileiro de repatriação não ocorrerá no dia de hoje. Novas informações sobre o voo serão prestadas ao longo do dia", informou nota do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Na madrugada desta sexta-feira, um ataque israelense atingiu as proximidades do perímetro do aeroporto internacional de Beirute.
O objetivo do governo brasileiro é repatriar cerca de 500 pessoas por semana, com prioridade de embarque para idosos, mulheres, crianças e pessoas com necessidades médicas.
Ao todo, cerca de 21 mil brasileiros residem no Líbano e pelo menos 3 mil já procuraram a Embaixada em Beirute com pedido de repatriação.