Líder da oposição na Coreia do Sul diz ter pensado que anúncio de lei marcial era um deepfake
Lee Jae-myung diz ter pensado que vídeo do mandatário sul-coreano havia sido manipulado por inteligência artificial
O líder do principal partido de oposição da Coreia do Sul, Lee Jae-myung, pensou que o anúncio de lei marcial feito pelo presidente na noite de terça-feira era um deepfake quando o viu pela primeira vez, publicou a rede americana CNN nesta quinta-feira. Yoon Suk-yeol anunciou a medida em discurso televisionado, mas ela durou apenas algumas horas antes de ser derrubada pela Assembleia Nacional, inclusive com votos de seu próprio partido.
— Eu estava deitado na cama com minha esposa em nossa casa quando ela de repente me mostrou um vídeo no YouTube e disse: ‘O presidente está declarando lei marcial’ — relatou Lee, líder do Partido Democrático (DP), à CNN. — Respondi: ‘Isso é um deepfake. Tem que ser. Não há como isso ser real’ — acrescentou ele, referindo-se ao termo usado para descrever áudio e vídeo falsos criados com inteligência artificial.
Lee, que foi esfaqueado no pescoço no começo do ano por um homem que fingiu ser um apoiador, perdeu por poucos votos para Yoon na eleição presidencial de 2022, quando vários escândalos de corrupção prejudicaram sua campanha. Ele denunciou a aplicação da lei marcial, uma medida destinada a enfrentar ameaças existenciais à sociedade sul-coreana, como “ilegal” e pediu ao povo para que se reunisse no Parlamento em protesto — algo que de fato ocorreu.
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— A ordem presidencial após a declaração ilegal da lei marcial é uma ordem que viola a Constituição e a lei, e segui-la é em si ilegal. Por favor, venham à Assembleia Nacional agora. Estou indo para lá também — afirmou Lee, pedindo que as tropas retornassem aos quartéis. — Quem comanda vocês não é a pessoa que declarou a lei marcial ilegal, inconstitucional e inválida. Vocês devem seguir as ordens do povo.
Ao chegar à Assembleia Nacional, ele viu membros do Parlamento sendo impedidos de acessar o local por tropas que bloqueavam o edifício. Ele decidiu escalar uma cerca para entrar no prédio — e transmitiu tudo ao vivo, em um vídeo que viralizou no X. Ao todo, 180 parlamentares (a maior parte da oposição, mas também do partido de Yoon) conseguiram entrar no local e votar contra o decreto, que foi então derrubado.
Yoon não fez nenhuma declaração pública desde então, apesar de a pressão sobre ele ter aumentado, com manifestantes e membros da oposição exigindo seu impeachment. A polícia nacional iniciou uma investigação contra Yoon e outros altos funcionários por acusações de traição. Enquanto isso, o Partido Democrático de Lee anunciou ter apresentado acusações contra Yoon e outros oficiais por “insurreição”, crime que pode levar à prisão perpétua ou até mesmo à pena de morte.
Pressão por impeachment
A oposição introduziu medidas de impeachment no Parlamento, que pode votar sobre o tema já no sábado. Para ser aprovado, são necessários os votos de dois terços dos parlamentares (200 pessoas). Se isso ocorrer, os poderes e deveres de Yoon serão suspensos imediatamente, e o primeiro-ministro se torna presidente interino. Depois, a Corte Constitucional tem de aprovar a decisão por pelo menos seis dos nove juízes. Nesse caso, uma eleição tem de ocorrer no prazo de 60 dias. Se a corte rejeitar o impeachment, o presidente pode continuar no cargo.
O partido governista de Yoon, o Partido do Poder do Povo (PPP), está trabalhando para bloquear a iniciativa. O líder da sigla, Han Dong-hoon, disse em entrevista coletiva também nesta quinta-feira que se opõe ao impeachment porque isso poderia causar “um caos” no país, embora também tenha enfatizado que não estava “defendendo a lei marcial inconstitucional do presidente Yoon”.
Vários membros do governo renunciaram — incluindo o ministro da Defesa, que enfrentou fortes críticas por liderar a implementação da lei marcial. Enquanto isso, figuras de destaque nas Forças Armadas se distanciaram do decreto ou indicaram que também foram pegas de surpresa, publicou a rede americana.
O vice-ministro da Defesa, Kim Seon-ho, que assumiu o cargo interinamente, disse que só soube da ordem de lei marcial pela mídia. Ele pediu desculpas ao público nesta quinta-feira, dizendo que o ex-ministro da Defesa havia ordenado o envio de tropas ao parlamento sem aviso. E o chefe do comando de lei marcial do país, Park An-su, disse aos parlamentares que não escreveu o decreto anunciado por Yoon e não tinha conhecimento dos movimentos das tropas naquele dia.