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Líder quilombola critica repactuação do caso Mariana

Simone Silva, moradora da comunidade de Gesteira, reclama da falta de participação popular nas negociações

Tragédia de MarianaTragédia de Mariana - Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

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A nova proposta de R$170 bilhões para a repactuação do acordo de reparação pelos danos da tragédia de Mariana (MG), em 2015, não foi bem recebida pelos moradores da bacia do Rio Doce.

Liderança quilombola de Gesteira, uma das comunidades devastadas pela lama tóxica liberada com o rompimento da barragem, Simone Silva critica o valor médio de R$30 mil previsto para as indenizações individuais e diz que a população foi "traída" pelo governo Lula.

Uma das principais queixas, assim como do Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB) é a falta de participação popular nas negociações, que se iniciaram há dois anos.

Silva usa o termo "reparação fake news" para se referir à proposta divulgada na última sexta. Como mostrou O Globo, o acordo está próximo de ser assinado e prevê pagamentos da BHP e da Vale de R$100 bilhões, divididos em ações diversas de reparação, como programa de transferência de renda a pescadores e agricultores, indenizações individuais e foco em ações de saúde.

O dinheiro se soma ao montante entre R$67 e R$70 bilhões já pagos nos últimos anos ou em curso na região.

— A proposta só é boa para os governos. Para quem sofreu danos, perdeu entes queridos, está doente, recebendo laudo de câncer, está endividado, é um golpe. Reparação fake news. Uso essas palavras porque o governo federal gosta muito de usar. — reclama a líder quilombola, que diz que a postura do governo "não será esquecida em 2026.

— Nos organizamos para que o Lula fosse eleito, porque a campanha dele era estar do lado dos atingidos, mas fomos enganados com fake news. Nos sentimos traídos.

Assim como muitos moradores da região, Silva critica, há anos, a falta de participação popular nas negociações por acordos. Ela diz que foram enviados diversos ofícios a deputados federais e ministros, pedindo uma audiência com o presidente Lula.

A última tentativa, afirma, foi durante a posse da nova ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, a quem foi entregue uma carta com o pleito.

— A esperança era o governo federal assumir e garantir nossa presença na mesa de repactuação, mas continuou a portas fechadas. Não aceitamos que pessoas que não vivem no território, que não comem lama todo dia, que não passaram pelo processo da perda de território de entes queridos, venham a decidir a nossa vida. Não é quem está no ar condicionado que tem que decidir a vida dos atingidos.

A mesa de negociação foi aberta pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) em 2022, após insatisfações, da população e dos governos, com a lentidão na execução das reparações previstas no primeiro acordo extra judicial de reparação.

Procurada, a AGU, que representou o governo federal nas negociações, afirmou que "solicitou ao coordenador da mesa de repactuação do TRF6, desembargador Ricardo Machado Rabelo, que incluísse os movimentos populares e a comunidade nas negociações". Procurado, o TRF6 não respondeu.

Segundo pessoas que acompanharam as negociações, representantes da BHP e da Vale eram contra a participação popular. Posição que não deveria prosperar, na visão de Simone Silva.

— Se a empresa não aceitasse, o governo deveria levantar da mesa e deixar eles sozinhos lá. Por aí você vê o quanto somos excluídos do processo. As empresas mandam no governo e nas instituições da justiça? - questiona. — O problema é que (nos acordos propostos) é falado uma coisa, mas se escreve outra no papel.

Movimento dos Atingidos por Barragens também critica
Na última sexta, o governo federal, através da Advocacia Geral da União (AGU) apresentou a nova proposta negociada com as empresas ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Em seguida, líderes do MAB criticaram os termos, em especial o que consideraram um baixo valor previsto para indenizações individuais e a falta de critérios claros sobre os programas a serem executados.

— Da forma em que ela está apresentada no acordo, ela (a proposta) atende a estratégia das empresas. R$ 30 mil por pessoa com quitação final. Precisamos de um bloco específico desse tipo de negociação sobre indenização individual, tendo como piso o que já foi pago no Novel (modelo criado em 2020 para cálculo das indenizações), por exemplo. Essa é uma pauta básica — disse Thiago Alves, integrante da coordenação nacional do MAB.

De Londres, Simone Silva acompanha o julgamento da ação popular movida contra a BHP, pelos danos no caso Mariana. Ela acredita que a divulgação da nova proposta nesse momento serviu como uma tentativa de esvaziar o processo judicial da Inglaterra. No entanto, diz que agora o julgamento passa a ser ainda mais importante.

— Os governos e a justiça provaram que o Brasil não é capaz de fazer reparação pelos crimes das empresas. Provaram que não tem competência para julgar o caso Rio Doce — afirma.

Filha tem problemas de saúde por contaminação
Com o rompimento da barragem do Fundão em 2015, que matou 19 pessoas e contaminou o Rio Doce, três comunidades foram devastadas pelos rejeitos: Paracatu de Baixo, Bento Rodrigues e a comunidade quilombola de Gesteira, onde vive Simone Silva.

Ela explica que um acordo extra judicial foi feito para garantir o reassentamento de 27 famílias atingidas no local, mas agora a luta é para que os direitos sejam reconhecidos aos demais moradores da comunidade quilombola, assim como de núcleos vizinhos que até hoje convivem com a falta de saneamento básico e de água potável.

Além disso, Silva luta pela saúde da filha de nove anos, que sofre com uma inflamação no intestino e no cérebro, resultante da contaminação por metais tóxicos e que, se não for tratada, pode acarretar em um câncer, explica.

Apesar da nova proposta ter criado mais ações focadas na saúde, como aquisição de equipamentos e criação de um fundo para auxílio no custeio do SUS, a líder quilombola afirma que a pauta foi negligenciada nos últimos anos.

— Em qual território vieram fazer escuta para saber o real problema de saúde? Como eles sabem o valor a ser pago se nove anos depois do crime, não existe um protocolo para as pessoas procurarem tratamento? Não tem clínica, encaminhamento para casos de contaminação. O governo não sabe como está a saúde da população atingida.

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