INTERNACIONAL

Lutando contra a extradição, Assange virou pesadelo para os EUA

Criador do site Wikileaks pode ser julgado por 18 acusações nos Estados Unidos, incluindo espionagem, e sua defesa alega que processo é ameaça "a todos os jornalistas"

Julian Assange, criador do site Wikileaks, chega para uma audiência em um tribunal de LondresJulian Assange, criador do site Wikileaks, chega para uma audiência em um tribunal de Londres - Foto: Daniel Leal / AFP

Julian Assange, detido no Reino Unido há quase cinco anos, tornou-se um pesadelo para Washington e ao mesmo tempo um símbolo da liberdade de informação para muitos. O governo dos Estados Unidos o acusa de espionagem e considera Assange uma ameaça — alegações associadas à publicação de material confidencial de inteligência e de defesa no site Wikileaks. Agora, Assange terá pela frente, nos próximos dois dias, o julgamento do último recurso na Justiça britânica para evitar sua extradição para os EUA.

O australiano de 52 anos criou em 2006 um veículo de comunicação sem fins lucrativos chamado WikiLeaks, que publicou, segundo o próprio site, mais de 10 milhões de documentos confidenciais, fornecidos por fontes anônimas. Entre suas maiores revelações está um ataque aéreo, no dia 12 de julho de 2007 em Bagdá, quando jornalistas iraquianos e vários civis foram mortos por disparos feitos por militares americanos, a bordo de um helicóptero.

Os Estados Unidos depararam-se subitamente com um veículo de comunicação que revelou os documentos secretos vazados do Pentágono sobre as suas operações no Iraque e no Afeganistão, assim como a correspondência secreta do governo e das suas embaixadas em todo o mundo.

Em 2010, quando o WikiLeaks atingiu o pico de popularidade com os vazamentos, a Suécia exigiu a prisão de Assange sob duas acusações, uma por estupro de uma mulher e outra por assédio sexual, durante uma visita a Estocolmo para participar em uma conferência. Assange negou as alegações, mas foi foi submetido à prisão domiciliar na região rural da Inglaterra, até que, em maio de 2012, a Suprema Corte britânica concordou com sua extradição para a Suécia.

Para surpresa de todos, no mês seguinte Assange conseguiu burlar a vigilância à qual estava sendo submetido e, ao invés de se apresentar às autoridades, apareceu na Embaixada do Equador em Londres, onde se refugiou por sete anos, com o aval do presidente Rafael Correa — ele chegou a receber a cidadania equatoriana. O asilo foi suspenso em 2019 pelo presidente Lenín Moreno, e Assange foi detido e levado a uma penitenciária nos arredores de Londres. Em 2022, o governo britânico assinou a ordem de extradição para os EUA, mas Assange recorreu.

Assange é casado e tem dois filhos com Stella Moris, que integrava a equipe jurídica que trabalhava para ele. O maior desafio é justamente evitar a extradição para os EUA, um risco presente desde a revelação dos primeiros documentos sigilosos pelo Wikileaks — promotores americanos querem processá-lo por pelo menos 18 acusações, incluindo espionagem, pela divulgação de 700 mil documentos sigilosos.

Segundo Edward Fitzgerald, um dos advogados do australiano, a pena pode chegar a 175 anos de prisão. Ele aponta ainda que Assange está sendo processado por "fazer um trabalho jornalístico", uma alegação repetida por organizações de defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão, como a Repórteres Sem Fronteiras.

— Esse é um ataque contra todos os jornalistas do mundo. É um ataque contra a verdade e um ataque contra o direito do público ao conhecimento — afirmou Stella Moris, do lado de fora do tribunal nesta terça-feira. — Julian é um prisioneiro político e sua vida está em risco. O que aconteceu com [Alexei] Navalny [oposicionista russo morto na prisão, na semana passada] pode acontecer com Julian.

Entenda: Quarenta organizações pedem libertação de Assange, que aguarda julgamento do pedido de extradição para os EUA

Os advogados do governo americano acusam a defesa do australiano de "representar erroneamente o caso" ao público, e dizem que o processo diz respeito a um suposto apoio à ex-analista de inteligência militar, Chelsea Manning, apontada como responsável pelo vazamento, e pela divulgação de nomes de agentes de campo, o que colocaria suas vidas em risco.

Infância nômade
Se a vida de Julian Assange foi movimentada nos últimos anos, também foi atribulada durante a sua infância e juventude, que não foram fáceis. O fundador do WikiLeaks nasceu em Townsville, no Nordeste da Austrália, sem conhecer o pai, John Shipton, até os 25 anos, porque a sua mãe se separou dele antes do nascimento de Julian.

A mãe teve um novo relacionamento, com Brett Assange, de quem o fundador do WikiLeaks herdou o sobrenome, mas de quem a mulher se separou quando o menino tinha oito anos. Na primeira infância, Julian Assange levou uma vida "nômade", já que sua mãe e seu padrasto fundaram uma companhia de teatro e viviam viajando.

Após a segunda separação, sua mãe se casou e teve outro filho com um músico, Leif Meynell, membro de uma seita na qual Assange vivia. Mas Meynell cometeu abusos físicos contra sua mãe, e os dois acabaram fugindo.

Atraído pela computação de forma autodidata, entre 2003 e 2006 estudou Física e Matemática, além de Filosofia, na Universidade de Melbourne, sem concluir nenhuma graduação. Isso não o impediria de criar uma página na Internet, como o WikiLeaks, que se tornou uma dor de cabeça para a maior potência do mundo — em 2021, o site Yahoo News revelou que a CIA, a principal agência de inteligência dos EUA, chegou a discutir planos para "matar ou sequestrar" Assange, como algumas opções para lidar com a crise. As conversas teriam ocorrido durante o governo de Donald Trump, e as autoridades americanas não quiseram comentar as alegações.

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