Macron impõe sua reforma da Previdência na França sem voto dos deputados
O uso de um artifício legal previsto na Constituição pode incitar ainda mais os protestos que assolam o país europeu
O presidente francês, Emmanuel Macron, ativou um procedimento polêmico, nesta quinta-feira (16), para adotar sua impopular reforma da Previdência, arriscando a queda de sua primeira-ministra em uma moção de censura e um ressurgimento de protestos nas ruas.
“Não podemos apostar no futuro das nossas pensões”, disse a primeira-ministra, Élisabeth Borne, ao ativar o artigo 49.3 da Constituição, após uma sessão caótica na Assembleia Nacional.
Os deputados da oposição de esquerda exibiram cartazes que diziam "64 anos é não", cantando a Marselhesa, o hino nacional, e gritando com a primeira-ministra, obrigando-a a forçar a voz para anunciar a decisão.
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A 100ª ativação desde 1958 desta ferramenta legal, mas polêmica, na França pode reacender as tensões com os sindicatos, que por dois meses organizaram protestos massivos para evitar a reforma.
Macron quer adiar a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos até 2030 e adiantar para 2027 a exigência de contribuir com 43 anos (e não 42 como antes) para receber uma pensão completa. Dois em cada três franceses são contra, segundo pesquisas.
A única forma de impedir a aplicação da reforma agora é se os deputados apresentarem e aprovarem uma moção de censura ao governo, que seria debatida nos próximos dias.
A líder de extrema-direita Marine Le Pen já anunciou uma. “É a confirmação de um fracasso total” de Macron, acrescentou sua adversária no segundo turno da última eleição presidencial há quase um ano, que avaliou que a situação na França é de “crise política”.
O diário liberal L'Opinion havia alertado que o uso do 49,3 "reforçaria a imagem de 'brutalidade' de seu poder e alimentaria a crise social". Macron já enfrentou um forte protesto social com os "coletes amarelos" em seu primeiro mandato.
O presidente de 45 anos, reeleito com a promessa de reformar a segunda maior economia da União Europeia (UE), corre o risco de poder aplicar seu programa no segundo mandato.
Com o aval do Senado, que aprovou a reforma pela manhã, o governo se esforçou, sem sucesso, para convencer alguns deputados de sua bancada e "vinte" de seu aliado da direita Los Republicanos (LR) ainda reticentes.
O receio de sofrer uma derrota na Assembleia Nacional, após uma série de reuniões de crise desde a noite de quarta-feira, obrigou-o a ativar o 49.3, apesar do risco de intensificar os protestos sociais.
Mais de 1.500 manifestantes foram à sede da Assembleia logo após o anúncio do polêmico mecanismo, convocados por organizações estudantis e aos gritos "Manu Manu, 49,3 ou não, não queremos sua reforma!", confirmou a AFP.
"Novas manifestações"
O líder do CFDT - o principal sindicato francês -, Laurent Berger, anunciou à AFP "novas manifestações", embora a decisão final seja tomada na noite desta quinta-feira.
O novo episódio da saga das pensões ocorreu em um momento de abrandamento das contestações, a medida que os franceses percebiam que a reforma acabaria sendo aplicada.
As greves prorrogáveis lançadas na semana passada em setores-chave como energia e transporte continuaram, embora com menos força.
O governo também ordenou que funcionários municipais de coleta de lixo sejam acionados em Paris para retirar as 7.600 toneladas acumuladas na capital, ao final de uma briga com a prefeita Anne Hidalgo, que apoia os grevistas.
Se a moção de censura falhar e a reforma for finalmente aprovada, a oposição de esquerda prepara um recurso ao Conselho Constitucional que atrasaria a sua promulgação e daria mais tempo aos opositores para usarem os últimos cartuchos, como convocar um referendo.