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AMÉRICA DO SUL

Maduro busca apagar qualquer vestígio da oposição venezuelana a pouco mais de um mês da posse

Regime lançou mão de ameaças, perseguições, suspensão de passaporte e pacotes legislativos

Nicolás Maduro Nicolás Maduro  - Foto: Pedro Rances Mattey / AFP

O vigoroso movimento de oposição venezuelano que poderia ter destituído Nicolás Maduro nas eleições presidenciais deste ano está se dispersando.

Cerca de 100 líderes e muitos outros ativistas da Plataforma Unitária, formada por vários partidos opositores, fugiram do país desde que Maduro desencadeou uma intensa onda de repressão após sua vitória contestada em 28 de julho.

Edmundo González, que os EUA agora chamam de presidente eleito, partiu para a Espanha em setembro. A popular líder da oposição, María Corina Machado, está escondida desde o início de agosto, supostamente dentro das fronteiras venezuelanas — embora o governo diga que ela está na Colômbia.

Tudo isso porque Maduro fez com que seus inimigos temessem por suas vidas. As casas de seus detratores foram pintadas com a letra X e visitadas por agentes das forças de segurança na chamada operação "bate e volta". Pelo menos 25 mandados de prisão contra líderes da oposição foram emitidos no primeiro mês após a eleição.



Dezenas de passaportes foram cancelados. Muitos foram nomeados e ameaçados publicamente na televisão estatal. A situação atingiu um clímax mortal no fim de outubro, quando o líder da oposição do estado de Apure, Edwin Santos, foi encontrado morto após ser detido pelas forças de segurança por dois dias, de acordo com seu partido. O governo nunca reconheceu sua prisão e disse que ele morreu em um acidente de moto.

O partido governista e seus aliados também estão considerando várias leis que, em última análise, buscam eliminar todos os vestígios da oposição no país. A posse de Maduro está marcada para 10 de janeiro, com eleições parlamentares e regionais para governadores, prefeitos e outros legisladores previstas para o fim do ano.

— Em 29 de julho, Maduro pôs fim ao sistema eleitoral como o conhecíamos — disse a professora da Universidade de Navarra, na Espanha, e consultora política Carmen Beatriz Fernández, acrescentando que "se houver eleições no próximo ano”, serão estritamente controladas e "cada candidato deverá ter a bênção do partido no poder para entrar no ringue".

No momento mais opressivo de seu governo autocrático, Maduro está no caminho certo para conseguir o que sempre quis: uma Venezuela sem ninguém para desafiar sua autoridade. Mesmo com os EUA se recusando a reconhecer sua presidência, isso não fará muita diferença material, uma vez que a oposição, até então fervorosa, é uma casca de si mesma. O governo não respondeu a um pedido de comentário.

Medo nas eleições
Se as coisas fossem diferentes, Viviana Save Torres teria considerado concorrer nas primárias da oposição para qualquer uma das eleições do próximo ano. Em vez disso, a organizadora do partido está a milhares de quilômetros de distância de sua casa depois de ter sido alvo do governo. Ela solicitou que a Bloomberg News não publicasse sua localização por medo de sua segurança.

A mulher de 34 anos ajudou a organizar as primárias da oposição no ano passado e coordenou a campanha de Edmundo González em seu estado natal, Trujillo. González, ex-diplomata, concorreu com o apoio de María Corina, que foi proibida de concorrer a cargos públicos. Contar com a ajuda dela nos palanques foi fundamental: María Corina venceu as primárias da oposição com 93% dos votos, e os venezuelanos passaram a vê-la quase como uma figura messiânica que prometia reformar a economia e reunir as famílias separadas pela maior diáspora do Hemisfério Ocidental. A oposição acabou fornecendo atas de votação que, segundo afirmam, mostraram que Edmundo González provavelmente ganhou quase 70% dos votos presidenciais.

Mas para Save, a intimidação começou nas semanas anteriores à eleição, com as forças de segurança estacionadas em frente à sua casa. Por precaução, ela mudou de local e até mesmo de carro até três vezes por dia.

Tudo piorou muito nos dias após a votação. O governador do partido governista em Trujillo compartilhou em sua rede social os sinais de busca de Save e de seis outros líderes locais da oposição. As forças de segurança encontraram o local onde eles estavam hospedados no dia seguinte e prenderam um deles. Save conseguiu escapar enquanto os policiais interrogavam os vizinhos.

Em 4 de agosto, ela soube que o governo havia emitido um mandado de prisão contra ela e decidiu ir embora. Não teve tempo nem de contar à família. Naquela noite, ela cruzou a fronteira com a Colômbia às 2h da manhã em uma motocicleta. Estava descalça, vestindo apenas o pijama e fingiu estar doente.

— Foi uma semana infernal — conto, acrescentando: — Quando cheguei a Cucuta, me senti aliviada.

Infelizmente, sua jornada estava longe de terminar.

Pouco tempo depois, o governador de Trujillo falou com ela na televisão regional. Ele disse que o governo sabia onde ela estava, que ela seria encontrada e deportada de volta para a Venezuela.

Save mal saía de casa na Colômbia, com muito medo até mesmo de ir ao supermercado. Então ela foi embora.

— Toda essa onda de terror é a reação de pessoas derrotadas que querem permanecer no poder —disse em uma entrevista por telefone. — Meu apelo é para a comunidade internacional: vocês não podem ser complacentes.

Oposição descentralizada
Embora González seja o líder mais proeminente que fugiu até agora, há muitos outros, como Save, que foram essenciais para a capacidade da oposição de alcançar seus apoiadores e realizar uma campanha contra os socialistas no poder. Há também aqueles que serviram como testemunhas da contagem de votos e funcionários das seções eleitorais, que também receberam ameaças diretas das forças de segurança de Maduro.

É claro que alguns permanecem escondidos dentro das fronteiras venezuelanas. E há os seis assessores próximos de María Corina que permanecem escondidos na Embaixada argentina em Caracas, agora sob tutela do Brasil. No fim de semana, a oposição disse que o governo havia retomado o cerco à embaixada, cortando a energia e instalando bloqueadores de sinal.

O ataque tem sido particularmente duro para o partido Vente Venezuela, de María Corina, mas isso já aconteceu com outros. A maioria dos líderes dos outrora poderosos grupos de oposição Vontade Popular e Justiça Primeiro estão no exílio, e alguns de seus líderes mais proeminentes foram presos.

Muitos dos que fugiram após a votação de julho se recusaram a compartilhar seus depoimentos por medo de que qualquer pista sobre sua identidade pudesse levar a retaliações. Outro jovem líder da oposição, que pediu anonimato, saiu depois que um mandado de prisão foi emitido e as forças de segurança invadiram sua casa. Ele havia ajudado a organizar as primárias da oposição em 2023 e, assim como Save, esperava concorrer a um cargo no próximo ano.

Espera-se que a situação piore nas próximas semanas, pois o governo Maduro provavelmente aprovará reformas eleitorais que buscam excluir a oposição e seus partidos antes do prazo final de 15 de dezembro.

Simultaneamente, o governo está investigando mais de 300 pessoas, a maioria políticos, pelo que diz ter sido o roubo da Citgo Petroleum Corp, o braço americano de sua empresa estatal de petróleo. Em 2019, o governo venezuelano perdeu o controle da Citgo para um conselho ad hoc dirigido pela oposição. A empresa agora está sendo leiloada nos EUA.

— Espero que todos os envolvidos no roubo descarado da Citgo sejam capturados e processados — disse Maduro no episódio de 28 de outubro de seu programa semanal de TV.

A última onda de perseguição de Maduro parece ainda não ter terminado.

Ele também está promovendo uma lei para combater a Lei Bolívar dos EUA, contemplando sanções como a proibição de ocupar cargos públicos por toda a vida, julgamentos à revelia e sentenças de 30 anos de prisão para aqueles que apoiarem ações contra a Venezuela. A legislação foi promovida pelo congressista da Flórida Mike Waltz, que é o indicado do presidente eleito Donald Trump para conselheiro de Segurança Nacional.

As repercussões dessa reforma e das reformas eleitorais serão sentidas nos próximos anos.

— Embora algumas forças da oposição provavelmente participem das eleições de qualquer maneira, é difícil imaginar que a oposição permaneça totalmente unificada em sua abordagem às eleições após a fraude flagrante de julho — disse Risa Grais-Targow, analista do Eurasia Group. — É sempre do interesse de Maduro ter uma oposição dividida e desmoralizada, especialmente em uma votação.

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