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Mãe nigeriana alerta sobre "epidemia" de clareamento de pele que levou o país a declarar emergência

Na Nigéria, uso de produtos para 'embranquecimento' é comum e começa na infância; 77% das mulheres recorrem aos despigmentantes, diz OMS

Mãe nigeriana faz alerta sobre crise de 'embranquecimento' que levou país a declarar emergência: 'Deixei cicatrizes nos meus seis filhos' Mãe nigeriana faz alerta sobre crise de 'embranquecimento' que levou país a declarar emergência: 'Deixei cicatrizes nos meus seis filhos'  - Foto: Reprodução/Youtube/BBC

Em muitas partes do mundo, ter a pele mais clara é visto como um ideal de beleza — e, em muitos casos, também como uma tentativa de driblar o racismo. Na Nigéria, essa busca pelo clareamento é tão intensa que 77% das mulheres recorrem a produtos despigmentantes, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). O problema é que muitos desses produtos contêm substâncias tóxicas, como hidroquinona, corticosteroides e mercúrio, que podem causar desde queimaduras e cicatrizes até danos graves à saúde.

Fatima, nome fictício de uma mulher de 32 anos que vive no norte da Nigéria, sentiu na própria pele e na de seus filhos os efeitos devastadores desses produtos. Em entrevista à BBC, ela revelou que usou cremes clareadores em suas seis crianças por pressão da própria família.

 

— Minha irmã teve filhos de pele clara, mas os meus nasceram mais escuros. Notei que minha mãe favorecia os filhos dela e isso me machucou muito — relatou à rede BBC.

No entanto, a esperança de que o clareamento trouxesse uma aceitação maior logo se transformou em arrependimento. O filho mais novo de Fatima, de apenas dois anos, ficou com queimaduras e manchas no rosto e nas pernas. Uma das filhas agora esconde o rosto em público para ocultar cicatrizes, enquanto outra viu sua pele escurecer ainda mais, com uma marca clara ao redor dos olhos.

Dermatologista entrevistada pela BBC, Zainab Bashir Yau explicou que é cada vez mais comum que mães clareiem a pele de seus filhos desde o nascimento.

— Muitas associam pele clara à beleza e ao status social, e acreditam que estão protegendo seus filhos da discriminação — diz a especialista.

A venda desses produtos também preocupa as autoridades. No mercado de Kano, um dos mais movimentados do país, vendedores conhecidos como “mixologistas” preparam cremes clareadores na hora, misturando ingredientes regulados sem controle adequado.

Muitos contêm altas concentrações de ácido kójico e hidroquinona, além de substâncias proibidas para uso infantil. Em alguns casos, injeções clareadoras também são aplicadas. O uso desses produtos, segundo a BBC, pode causar dermatite, acne, distúrbios inflamatórios, intoxicação por mercúrio e danos aos rins. Além disso, a pele pode ficar mais fina, o que dificulta a cicatrização de feridas e aumenta o risco de infecções.

De acordo com um dos comerciantes, a maioria dos pais compra os produtos para que os bebês fiquem com aparência “radiante e luminosa”.

Diante desse cenário, a Agência Nacional de Controle de Alimentos e Medicamentos da Nigéria (Nafdac) declarou estado de emergência em 2023 e intensificou as fiscalizações para conter o uso desenfreado desses produtos. O comércio irregular, porém, ainda é um desafio, já que muitos ingredientes entram no país em recipientes sem rótulo.

— Se não forem levados para análise laboratorial, é impossível identificar o que há dentro — afirmou o diretor da Nafdac, Dr. Leonard Omokpariola.

Enquanto isso, Fatima segue lidando com as consequências do que fez. Suas filhas adolescentes, de 16 e 14 anos, sofrem preconceito, sendo confundidas com usuárias de drogas por conta das marcas em suas mãos. A discriminação também impactou suas vidas pessoais, fazendo com que perdessem pretendentes para casamento, por exemplo.

— Mesmo que eu tenha parado de usar, os efeitos ainda estão aqui. Imploro para que outros pais usem minha história como exemplo — diz Fatima.

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