Mais grave no Norte e Nordeste, falta de professores é problema que se espalha pelo país
Ministério da Educação prevê pacote de medidas como levar profissionais para áreas com maior déficit e Pé-de-Meia para estudantes de licenciatura
Problema que o ministro da Educação, Camilo Santana, quer combater com um programa semelhante ao Mais Médicos, a falta de professores em escolas públicas brasileiras é mais grave no Norte e no Nordeste, especialmente no Maranhão, Tocantins, Amazonas e Acre. Esses estados são os que têm mais disciplinas a cargo de docentes sem a formação adequada, segundo um estudo do Inep de 2023.
Mas o problema não se restringe a algumas regiões ou disciplinas: em relação a professores de Física e Sociologia, por exemplo, o déficit é generalizado por todo o país.
Segundo o artigo “Carência de professores na educação básica: risco de apagão?”, dos pesquisadores do Inep Alvana Bof, Luiz Caseiro e Fabiano Mundim, o Acre tem mais da metade das aulas dadas por professores sem formação adequada, em 12 de 14 disciplinas analisadas. No Maranhão, a inadequação prevalece em dez disciplinas. No Tocantins e Amazonas, em sete.
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O Ministério da Educação estuda um pacote para valorizar a carreira de professor e ocupar vagas em regiões onde essa mão de obra esteja mais em falta. A pasta quer atrair alunos com alto desempenho no Enem para os cursos de licenciatura e motivar os formados a trabalhar em sala de aula.
Na semana passada, o ministro informou que o MEC deve fornecer bolsas para levar profissionais da educação para regiões em que faltem docentes. A ideia, segundo ele, é parecida com a do Mais Médicos.
— Vamos dar uma bolsa a mais nos dois primeiros anos para aqueles que queiram ir a determinada região com menos profissionais — afirmou Camilo Santana ao jornal O Estado de S. Paulo.
Os pesquisadores do Inep alertam, no entanto, que há disciplinas em que falta mestre até em estados mais ricos e com grande volume de professores formados, como São Paulo e o Rio.
Em São Paulo, 63% das aulas de Física e 52% de Sociologia são dadas por professores que não são formados na área. No Rio, o percentual é de 45% e 49%, respectivamente, nas duas disciplinas.
Na lista de aulas com poucos mestres, está as de Sociologia. Em todo o Brasil, 60% são ministradas por professores sem formação específica. Outras que também têm um vazio de docentes são Língua Estrangeira, Artes, Filosofia e Física. “Não é exagero dizer que já estamos vivenciando um apagão de professores com formação adequada em vários componentes curriculares”, conclui o estudo do Inep.
O levantamento do instituto, responsável pelo Enem, analisou as aulas do segundo ciclo do ensino fundamental (do 5º ao 9º ano), responsabilidade de prefeituras e governos estaduais, e do ensino médio, oferecido apenas pelo estado. As informações usadas foram as do Censo Escolar de 2022. O censo, também realizado pelo Inep, considera que um professor tem formação adequada caso tenha feito uma licenciatura específica da disciplina que leciona ou um bacharelado nessa área com complementação pedagógica.
Motivos do apagão
O levantamento mostrou ainda que há vagas ociosas nas universidades para formar professores, e apenas cerca de 30% das pessoas que concluem a licenciatura vão dar aulas. Na avaliação dos pesquisadores, falta atratividade à carreira.
“A solução para evitar o possível apagão de professores não está no aumento da oferta de cursos de licenciatura, mas sim na atração e retenção de jovens na profissão docente. Há também que se pensar em formas de assegurar aos que optarem pelas licenciaturas uma formação de qualidade, a conclusão do curso e motivação para ingressar na carreira do magistério”, propõem os pesquisadores no estudo.
O pacote de medidas para professores em elaboração no MEC prevê também um Pé-de-Meia (programa de pagamento de bolsas e uma poupança) para estudantes universitários que escolham qualquer licenciatura ou Pedagogia e que tirarem acima de 650 na média do Enem. Benefícios para profissionais já formados e que estão trabalhando em sala de aula também devem ser oferecidos pelo ministério. Entre eles, facilidades para a compra de imóveis e de bens como livros e computadores.
Camilo disse na semana passada que a pasta estava “convocando alguns setores da iniciativa privada” para dar esses incentivos.
— Estamos tentando descontos em hotel, em redes de livros. O Banco do Brasil e a Caixa Econômico, por exemplo, vão dar um cartão específico para professores, com vantagens — defendeu o ministro.
Especialistas apontam que salários médios abaixo dos vencimentos de outras profissões com o mesmo grau de formação afastam alunos no Enem das licenciaturas — a não ser aqueles com menores notas.
Além disso, as condições de trabalho nas escolas também não são atraentes. Segundo a pesquisa Teaching and Learning International Survey de 2020, coordenada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 20% dos docentes dos anos finais do ensino fundamental do país, ou 450 mil pessoas, precisam trabalhar em mais de uma escola.
Outro levantamento, da Associação D3e (Dados para um Debate Democrático na Educação), da Fundação Carlos Chagas (FCC) e do Centro Lemann de Stanford revelou que as redes estaduais do Pará e do Rio têm mais da metade dos professores se dividindo entre escolas. Essa situação aumenta as chances de os docentes se ausentarem devido a problemas de saúde, prejudica a administração do tempo por causa dos deslocamentos e dificulta a participação do professor em atividades de desenvolvimento profissional, preparação de aulas e apoio aos estudantes em cada escola.
Mas para Gabriela Moriconi, uma das autoras do levantamento, não é apenas o salário que tira atratividade da carreira de professor. Outros fatores, como as matrizes curriculares e os processos de atribuição de aulas, ainda precisam ser analisados para entender esse fenômeno no país, afirma.
Concursos
Levantamento do Todos Pela Educação em 23 estados e 19 capitais aponta que apenas 3% das questões das provas de concursos públicos para selecionar professores avaliaram a capacidade dos candidatos de saber como ensinar os objetivos de aprendizagem dos currículos. Provas práticas de seleção foram aplicadas somente em quatro redes estaduais e cinco municipais.
As questões que exploram temáticas relacionadas ao conhecimento de conteúdo — os aspectos teóricos das disciplinas — predominaram tanto nas redes estaduais (66%) quanto nas municipais (70,2%).
A análise também identificou que o conhecimento de teorias pedagógicas ocupou cerca de 17% do conteúdo das provas. O percentual de questões de legislação variou de 6% a 9%, e de diversidade e inclusão, de 2% a 3%. História e geografia locais foram cobradas em 3% do conteúdo dos exames das redes estaduais).
O ministro da Educação, Camilo Santana, informou o pacote para sanar déficits de professores prevê uma seleção nacional unificada para que as redes municipais e estaduais contratarem docentes em início de carreira.
— A criação de uma prova nacional pode ser um importantíssimo instrumento para melhorias desse cenário. É mais fácil produzir um concurso com qualidade do que melhorar nos 5 mil municípios. Além disso, economizaria recursos — diz Ivan Gontijo, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação.