Logo Folha de Pernambuco

BRASIL

Mamografia: PGR oficia ANS e pede dados sobre proposta que recomenda exame só a partir dos 50 anos

Procuradoria deu 15 dias para agência se manifestar; ANS diz que medida não permitirá que planos neguem acesso abaixo dos 50

MamografiaMamografia - Foto: Reprodução/Internet

A Procuradoria Geral da República (PGR) enviou um ofício à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pedindo esclarecimentos sobre a proposta de criação de um selo de Certificação de Boas Práticas em Atenção Oncológica que tem como critério a realização de mamografias de rastreio na rede privada apenas a partir dos 50 anos.

A medida, alvo de uma consulta pública, foi recebida com críticas das principais sociedades médicas envolvidas com o câncer de mama, que indicam o exame a partir dos 40 anos. As entidades temem que o novo critério, ainda que não altere o rol de procedimentos cobertos pelos planos de saúde, gere entraves no acesso abaixo dos 50.

No ofício, o subprocurador-geral da República e procurador federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), Nicolao Dino, cita a matéria do GLOBO sobre a medida e afirma que "remanescem questionamentos e preocupações referentes à possível repercussão das alterações propostas sobre o comportamento das operadoras de planos de saúde".

O tema é particularmente grave e preocupante do ponto de vista de acesso de mulheres à saúde plena. Diante das informações que foram veiculadas, nos acende um sinal amarelo para entender exatamente a pretensão da ANS. Várias entidades médicas consideram que as boas práticas deveriam indicar uma faixa etária a partir dos 40 anos. Então nossa iniciativa é levantar elementos para verificar o que está balizando essa iniciativa da ANS explica Dino.

O ofício dá um prazo de 15 dias para a manifestação da agência. De forma específica, pede esclarecimentos sobre a fundamentação e os estudos utilizados para embasar a proposta e sobre impactos da medida na cobertura dos planos e na detecção precoce do câncer de mama.

Além disso, questiona sobre a realização ou previsão de consultas ou audiências públicas para debater a questão com a sociedade e especialistas da área.

A depender do que for informado vamos verificar o que pode ser feito. Tudo depende das explicações que serão apresentadas e do que é pretendido pela agência. Não descartamos nenhuma medida, inclusive eventualmente, se for necessária, a judicialização da questão, caso implique um retrocesso no acesso à saúde diz Dino.

O caso tem repercutido nas redes sociais. A apresentadora Ana Furtado, que teve um câncer de mama aos 44 anos, publicou um vídeo no Instagram criticando a proposta da ANS e a classificando como algo "absurdo e cruel". Na manhã desta sexta-feira, a publicação já acumulava quase 8 milhões de visualizações.

Entenda a proposta
A ANS avalia a criação de um selo de boas práticas para os planos de saúde que envolve como um dos critérios a recomendação de mamografias de rastreamento para o câncer de mama a partir dos 50 anos. Em nota, a agência defende que a medida, caso aprovada, será apenas um critério para boas práticas, e por isso não vai alterar a cobertura garantida pelo rol da ANS.

No entanto, especialistas da área temem que, na prática, a mudança leve as operadoras de saúde a terem um argumento para negarem exames abaixo dos 50 anos, diz Cícero Urban, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM):

Os planos de saúde podem começar a negar exames alegando que o "padrão ouro" da ANS é somente a partir dos 50 anos. Não acreditamos que a proposta não terá consequências de glosas e eventualmente negativas pelas operadoras. O que seria a nosso ver um grande retrocesso e que pode alterar os bons resultados que temos visto no rastreamento da rede privada

A ANS diz ainda que a proposta foi elaborada "conforme métrica utilizada pelo Instituto Nacional do Câncer/Ministério da Saúde". De fato, o programa de rastreamento para câncer de mama no Sistema Único de Saúde (SUS) indica os exames apenas a partir dos 50 anos, mas com base em análises de custo-efetividade na rede pública, e não privada.

Além disso, as sociedades médicas também criticam a faixa etária adotada no SUS, defendendo a redução para 40 anos. Elas citam a alta na incidência do câncer de mama entre mulheres mais jovens e lembram que, no ano passado, a Força-tarefa para Serviços Preventivos dos EUA passou a indicar a mamografia de rotina a partir dos 40.

A SBM, a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) e a Federação Brasileira de Associações de Ginecologistas e Obstetras (Febrasgo) publicaram notas criticando a proposta da ANS, destacando que 40% dos diagnósticos de câncer de mama no Brasil são abaixo dos 50 anos, e 22% das mortes.

Segundo dados do Ministério da Saúde, consultados pelo Globo via DataSUS, os casos de câncer de mama entre brasileiras abaixo de 50 de fato representaram 33,4% do total em 2023. Além disso, os diagnósticos entre 40 e 49 anos cresceram 63,2% em cinco anos, de 2018 a 2023.

A SBM disse considerar que a medida em análise na ANS "dificulta ainda mais o rastreamento do câncer de mama no País". Já a Febrasgo destacou que não foi consultada pela ANS e que a proposta "representa um claro retrocesso ao programa de rastreamento do câncer de mama no Brasil".

A Femama argumenta que "o único benefício da alteração da diretriz proposta (pela ANS) com a certificação é a redução de custos com exames para as operadoras", mas afirma que "os custos com diagnósticos avançados a longo prazo não estão sendo considerados".

Veja também

Newsletter