Manifestações contra golpe prosseguem em Myanmar; militares ameaçam responder
Milhares de cidadãos saíram às ruas de Mianmar nesta segunda-feira (8) para protestar contra o golpe de Estado que derrubou o governo de Aung San Suu Kyi há uma semana e, pela primeira vez, as novas autoridades fizeram uma advertência contra os manifestantes e afirmaram que poderiam responder às ameaças contra a segurança pública.
O comandante-em-chefe do exército birmanês, Min Aung Hlaing, falou em público pela primeira vez nesta segunda-feira e justificou o golpe com uma "fraude eleitoral" durante as eleições legislativas de novembro.
Os militares também prometeram "realizar eleições livres e justas" no final do estado de emergência em um ano e um regime militar "diferente" do passado, em declarações à rede de televisão Myawaddy TV.
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Mianmar viveu sob as ordens dos militares por quase 50 anos desde sua independência em 1948, e o golpe de 1º de fevereiro encerrou um hiato democrático de 10 anos.
Horas antes, as autoridades militares já haviam alertado os manifestantes sobre possíveis represálias.
"Ações devem ser tomadas de acordo com a lei contra infrações que perturbam, impedem e destroem a estabilidade do Estado, a segurança pública e o estado de direito", lembrou o canal de televisão MRTV.
Este é o primeiro alerta das autoridades desde o início das manifestações em massa no sábado, mas a pressão está aumentando: a polícia usou canhões de água nos protestos em Naipidau, a capital.
EUA se solidariza com "povo birmanês"
"Apoiamos o povo de Mianmar e apoiamos seu direito de se reunir pacificamente, incluindo protestar pacificamente em apoio ao governo democraticamente eleito", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price.
"Certamente estamos muito preocupados com os anúncios recentes dos militares para restringir as reuniões públicas", continuou Price em conversa com jornalistas.
O Reino Unido, a União Europeia e 19 outros membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU convocaram uma reunião urgente sobre a situação em Mianmar nesta segunda-feira.
Este pedido "é uma resposta ao estado de emergência imposto em Mianmar, a detenção arbitrária de líderes políticos eleitos democraticamente e membros da sociedade civil", declarou o embaixador do Reino Unido nas Nações Unidas em Genebra, Julian Braithwaite.
A indignação da população está crescendo. Nesta segunda-feira, várias centenas de milhares de pessoas, de acordo com várias estimativas, se reuniram em Yangon, a capital econômica.
Nas passeatas, monges em vestes cor de açafrão, enfermeiras e estudantes puderam ser vistos carregando bandeiras com as cores da Liga Nacional para a Democracia (NLD), o partido de Aung San Suu Kyi, detida desde segunda-feira passada.
"Não temos medo"
"Antes vivíamos com medo, mas tivemos um governo democrático durante cinco anos. Já não temos medo. Não vamos nos dar por vencidos", disse Kyaw Zin Tun, engenheiro de 29 anos.
Houve manifestações em várias cidades do país, desde o extremo norte do estado de Kachin até o sul.
As autoridades decretaram a lei marcial na segunda-feira em vários bairros de Yangon e Mandalay (centro), segunda maior cidade birmanesa.
Manifestações e reuniões de mais de cinco pessoas estão proibidas e o toque de recolher é estabelecido das 20h00 às 4h00.
Esses protestos são os maiores Em Mianmar desde a revolta de 2007, a "Revolução do Açafrão", liderada por monges e violentamente reprimida pelo exército.
Liberdade para os detidos
No dia 1º de fevereiro, os generais golpistas acabaram com uma frágil transição democrática: eles instauraram o estado de emergência por um ano e prenderam Aung San Suu Kyi, além de outros dirigentes da LND.
Ao menos 150 pessoas - deputados, autoridades locais, ativistas - continuam detidos, de acordo com ONGs e fontes da LND.
Nesta segunda-feira, o papa Francisco pediu a rápida libertação de todos os detidos.
"O caminho para a democracia empreendido nos últimos anos se viu bruscamente interrompido pelo golpe de Estado da semana passada. Isso provocou a prisão de vários dirigentes políticos que espero que sejam soltos rapidamente, como estímulo ao diálogo sincero pelo bem do país", declarou o papa.
Na semana passada, a ONU também pediu a libertação de todos os detidos, mas não condenou formalmente o golpe de Estado. China e Rússia, apoios tradicionais do Exército birmanês nas Nações Unidas, se opõem a uma resolução nesse sentido.
As conexões com a internet foram restabelecidas parcialmente no domingo, depois de um intenso bloqueio de mais de 24 horas.
O acesso ao Facebook, ferramenta de comunicação mais utilizada pelos birmaneses, permanecia com restrições, no entanto.
Em 2010 teve início uma liberalização progressiva e um governo civil, liderado por Aung San Suu Kyi, chegou ao poder depois da vitória da LND nas eleições de 2015.
O partido venceu novamente por ampla maioria as legislativas de novembro, eleições que os militares consideram fraudulentas, embora os observadores internacionais não tenham constatado problemas.
Na realidade, os generais temem perder influência após a vitória da LND, que poderia tentar reformar Constituição, muito favorável aos militares. O exército prometeu eleições livres após o estado de emergência, mas a população recebeu o anúncio com ceticismo.