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Saúde da mulher

Março Lilás: câncer do colo do útero é 100% prevenível, mas por que mulheres continuam morrendo?

De acordo com especialistas e porta-vozes entrevistadas para a reportagem, dentre as modalidades da doença, o câncer do colo do útero é 100% prevenível 

O câncer do colo do útero é 100% prevenível.O câncer do colo do útero é 100% prevenível. - Foto: Rabizo/Canva

No mês de março, além do Dia Internacional da Mulher, celebra-se o Março Lilás. Uma campanha de conscientização da saúde da mulher, em especial à prevenção contra o câncer do colo do útero, o segundo que mais mata mulheres em Pernambuco e o quarto no Brasil.

No entanto, de acordo com as especialistas e porta-vozes entrevistadas para a reportagem, as mulheres não deveriam continuar morrendo em alta escala por conta deste câncer, uma vez que, dentre as modalidades da doença, esta é 100% prevenível. 

De acordo com a médica ginecologista obstetra Cleonúcia Vasconcelos, gerente de Atenção da Saúde da Mulher da Secretaria Estadual de Pernambuco (SES-PE), as lesões causadas pelo vírus do HPV podem levar entre 10 a 15 anos para se consolidar como câncer do colo do útero.

Mas por que tantas mulheres ao redor do mundo continuam desenvolvendo a doença e morrendo de câncer do colo do útero?

Prevenção e diagnóstico do câncer de colo do útero
Atualmente, o principal meio de prevenção do câncer do colo do útero é a vacina do HPV, que está disponível de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), nos postos de saúde dos municípios brasileiros, para meninos e meninas de 9 a 14 anos. 

No Recife, capital do Estado, essa faixa etária foi ampliada. Agora, jovens entre 15 e 19 anos também podem se vacinar. Além disso, a vacina está disponível na rede privada para adultos até 45 anos. Porém, o custo da vacina ainda é alto. Por isso, nem todos têm acesso a esse método de prevenção.

Assim, a forma mais popular de prevenção contra o câncer do colo do útero ainda é o exame citopatológico, conhecido como papanicolaou. Também oferecido de forma gratuita pelo SUS, o teste está disponível nos postos de saúde dos distritos sanitários dos municípios de todo o Brasil. 

O exame é recomendado para mulheres de 25 a 64 anos que já iniciaram atividade sexual. Inicialmente, deve ser realizado uma vez por ano e, após dois exames normais consecutivos, pode passar a ser feito a cada três ou cinco anos.

Para mulheres com mais de 64 anos que nunca se submeteram ao exame, recomenda-se realizar duas vezes, com intervalo de um a três anos.  Caso o resultado seja negativo, essas mulheres não precisam fazer novos testes, visto que não há evidências de efetividade do rastreamento após os 65 anos.

Conscientização
Porém, ainda segundo Cleonúcia, a falta de informação e acesso ao exame são a principal causa da descoberta tardia das lesões ou mesmo do câncer do colo do útero já estabelecido.  

"Principalmente a população mais carente, essas são as que mais sofrem. A gente vê que ainda existem mulheres que nunca fizeram o exame preventivo para câncer do colo do útero", completa Cleonúcia.

A gerente de Atenção da Saúde da Mulher da SES-PE explica ainda que, às vezes, observa-se um comportamento dos postos de saúde de abrir os horários de coleta de preventivo e esperar que a população venha.

"A gente luta muito contra isso. É o que a gente chama de rastreamento oportunista. Lutamos para implantar um rastreamento organizado, para que eles façam a listagem, um recrutamento, e buscar as mulheres entre 25 e 64 anos que são cadastradas no posto e que estão há mais de três anos sem fazer o preventivo", relata a gerente.

Acesso ao exame
Luciana Schuler, técnica da Política de Saúde da Mulher da Prefeitura do Recife e também médica ginecologista obstetra, considera a falta de informação e acesso ao exame um dos principais desafios para a prevenção do câncer do colo do útero.

"São vários motivos. Pode ser por falta de conhecimento, por não ter sintomas, e assim as pessoas não procuram fazer os exames, e também essa questão, muitas vezes, da dificuldade do acesso", pondera Luciana. 

Luciana relata que, apesar de não ser o ideal, muito menos o recomendado pelas secretarias de saúde dos municípios, muitos postos de saúde têm o costume de estabelecer um dia e turno para a realização do exame preventivo. 

"O ideal, e o que nós orientamos, é que, todo dia, pela manhã e à tarde, tenha coleta de preventivo. Dessa outra forma, você restringe. A mulher que é mãe, está trabalhando. O trabalho não permite que ela chegue mais tarde ou que saia mais cedo para fazer exame, ela realmente não tem como ir porque o horário estabelecido não é compatível com o horário dela", pontua Schuler. 

Levando em consideração essas dificuldades, Luciana Schuler explica que algumas estratégias estão sendo tomadas para captar mais mulheres para realizar o exame. Entre essas, a Prefeitura do Recife pensou na proposta do horário estendido das unidades de saúde da família para 19h.



O papanicolaou é o único exame que permite a identificação de lesões precursoras que, se tratadas precocemente, possuem grandes chances de não evoluírem para o câncer. No entanto, Cleonúsia Vasconcelos explica que, apesar de ser eficaz, o exame pode apresentar resultados de "falso negativo".

"Pode haver falhas de coleta e leitura no laboratório, da lâmina, interpretação ou mesmo da qualidade da coleta", ressalta a gerente.

Teste do HPV
Preocupado em mudar a estratégia de rastreio, que não estava surtindo efeito no índice de mortalidade, Pernambuco desenvolveu, em parceria com instituições públicas e privadas de pesquisa, um método de rastreio de alta eficácia, conhecido como "teste do HPV". 

"Foi feito um contato com a Organização Panamericana de Saúde e todas as outras articulações. Tem muita gente envolvida, nacionais e internacionais, que se interessaram em colaborar com esse projeto e desenvolver um kit de diagnóstico de HPV,  que ficasse custo efetivo a ser aplicado no SUS", conta Cleonúsia. 

Cleonúsia explica que o projeto aproveitou a eficiência das máquinas adquiridas pelos estados brasileiros para ler os testes de Covid, em 2020.

"Todos os estados tiveram que comprar essas máquinas para ler os testes em grande escala. É a mesma máquina de automatização que vai ler o RT-PCR para o HPV", afirma a gestora. 

No teste de HPV, as amostras coletadas serão colocadas nas máquinas automatizadas que vão diagnosticar o vírus através da análise do DNA.

"Assim, teremos a certeza absoluta se a paciente tem ou não um vírus que pode causar lesões naquele colo do útero e encaminhá-las de imediato aos seus tratamentos", declara Cleonúsia. 

Ainda segundo a gerente de Atenção da Saúde da Mulher da SES-PE, o Ministério da Saúde se interessou pelo projeto e tem acompanhado o desenvolvimento técnico de Pernambuco para poder usar a estratégia em todo o país. 

Útero é Vida
O programa Útero é Vida foi desenvolvido com o objetivo de prevenir e combater o câncer do colo do útero por meio de três pilares: vacinação contra o HPV, rastreamento dos subtipos de alto risco através do teste de HPV e o tratamento precoce. 

Jurema Telles, coordenadora do Programa, destaca a importância da vacinação contra o HPV e de um rastreamento mais eficiente dos casos de alto risco.

"A vacina do HPV pode salvar até 62 milhões de vidas de mulheres em 100 anos. Se nós vacinarmos, fizermos um rastreio efetivo e aumentamos e cuidarmos das lesões precursoras, é uma doença 100% prevenível", afirma a coordenadora.


O programa "Útero é Vida" busca garantir que as mulheres que testam positivo para o HPV tenham acesso rápido e fácil ao tratamento, evitando que a doença evolua para o câncer. 

"Não é só fazer o exame, é garantir que quem tem alguma lesão trate. A gente não pode deixar a coisa pela metade. Tem que acompanhar essa mulher para ela não ficar para trás. A gente sabe que andar no sistema de saúde às vezes não é fácil. Principalmente na visão da mulher que está economicamente ativa, com filho pequeno, cuidando dos outros. A gente cuida dos outros e não cuida de si. Então, o grande desafio é a gente criar essa cultura de prevenção da mulher se colocar nessa prioridade, em um sistema que acolha e saiba que essa doença não precisava existir", considera Jurema.

Jurema Telles, coordenadora do Programa Útero é Vida.Jurema Telles, coordenadora do Programa Útero é Vida. Foto: Ricardo Fernandes/Folha de Pernambuco

Atualmente, o programa Útero é Vida ocorre em 24 municípios de Pernambuco, incluindo o Recife, Jaboatão dos Guararapes, cidades da Zona da Mata e o arquipélago Fernando de Noronha. Na capital pernambucana, os testes estão disponíveis nas unidades de saúde dos distritos 2 e 7; em Jaboatão, nas Regionais 5, 6 e 7; e na Zona da Mata, na III Geres. 

Os locais foram selecionados por apresentarem uma alta taxa de mortalidade de mulheres por câncer do colo do útero. 

Já os exames do papanicolaou são ofertados pelas secretarias de saúde dos municípios através de livre demanda. Os exames estão disponíveis em postos de saúde, nas unidades de saúde da família e policlínicas da mulher.

As vacinas estão disponíveis nos postos de saúde de cada município para meninos e meninas de 9 a 14 anos. No Recife, a faixa etária foi ampliada e abrange jovens entre 15 e 19 anos.

Câncer de colo do útero
O câncer do colo do útero é um tipo de neoplasia que está diretamente ligada à infecção pelo vírus HPV, especialmente os subtipos HPV-16 e HPV-18 - são mais de 150 subtipos -, responsáveis por cerca de 70% dos cânceres cervicais. 

A analista de marketing Bruna Queiroz contou que foi diagnosticada com um câncer do colo do útero agressivo em um curto período de tempo, mesmo fazendo o preventivo corretamente, anualmente. 

"Em fevereiro de 2016, não tinha nada, não tinha lesão, tudo limpinho, tudo normal. Quando foi em junho do mesmo ano, após ter me mudado de estado, comecei a me sentir muito fraca, com vontade só de ficar deitada na cama dormindo, sem força e comecei a sentir cólica, e eu nunca tive cólica na minha vida", relatou Bruna.

A analista de marketing, Bruna Queiroz,  diagnosticada com um câncer de colo do útero agressivo em um curto período de tempo.A analista de marketing, Bruna Queiroz, diagnosticada com um câncer de colo do útero agressivo em um curto período de tempo. Foto: Acervo pessoal

Foi neste período, em junho de 2016, quatro meses após o último preventivo e depois de apresentar estes sintomas, que Bruna recebeu o diagnóstico do câncer do colo do útero. Após tomar conhecimento da possibilidade do "falso negativo" do papanicolaou, a analista de marketing acredita que esse pode ter sido o caso dela. 

"Eu acredito que talvez esse possa ter sido o meu caso, porque não é possível que de fevereiro para junho eu descobri que estava com um câncer que estava me matando. Porque ele já estava saindo do útero e pegando o canal vaginal. Tanto que, quando eu fiz a cirurgia de histerectomia, tive que tirar 3 cm do canal vaginal também", avalia a analista.

Mesmo com a chance de ter sido um caso de falso positivo, Bruna encoraja as mulheres a se informarem o máximo possível sobre a condição, as causas, prevenção e tratamento. "A informação salva mais do que tudo". 

"É melhor você descobrir que tem um problema, que ainda não chegou a ser uma doença, e que vai tratar ali rapidinho, do que descobrir que tem um câncer e que pode morrer. Vai fazer seu exame, pelo amor de Deus", conclui Bruna. 

Foi através do exame do papanicolaou que Dayane Lima, de 36 anos, descobriu uma mancha que poderia vir a se tornar um câncer do colo do útero. 

"Fiz uma biópsia na época, mas não foi detectado nada na biópsia. Engravidei e, depois que eu tive meu filho, fui fazer meu exame de rotina, aí a mancha ainda estava lá, mas já tinha virado uma lesão. Foi solicitada uma nova biópsia, e da biópsia foi detectado o vírus HPV, na lesão de grau 1 ainda", conta Dayane. 

 Dayane Lima, 36 anos, descobriu uma lesão precursora do câncer de colo do útero no Papanicolaou e conseguiu tratar a tempo. Dayane Lima, 36 anos, descobriu uma lesão precursora do câncer de colo do útero no papanicolaou e conseguiu tratar a tempo. Foto: Cortesia

Dayane relata ainda que, após ter descoberto a lesão, passou a fazer o papanicolaou de seis em seis meses para poder monitorar a lesão e, caso o câncer do colo do útero aparecesse, ser descoberto logo de início.

"Depois que eu fiz a cirurgia, passei um ano fazendo a minha prevenção de três em três meses. Mas agora, de seis em seis meses, estou lá para fazer minha prevenção e, Graças a Deus, nunca mais apareceu nada", completa.

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