Médico ou médica? Estudo mostra que probabilidade de morte é maior ao ser tratado por homem
Disparidade é pequena mas significativa quando observado o universo de internações; profissionais do sexo masculino subestimam mais os sintomas femininos e têm comunicação pior
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Um estudo que levantou dados de 700 mil idosos internados em hospitais dos Estados Unidos constatou que a probabilidade de morte de um paciente é ligeiramente maior quando ele é tratado por um médico homem do que se ele for tratado por uma mulher.
Essa disparidade é pequena (uma razão de 0,7%) quando são considerados pacientes homens no cômputo, mas se torna estatisticamente relevante (2,8%) se a paciente é do sexo feminino. O trabalho, envolveu pesquisadores de universidades prestigiadas dos EUA (Harvard e Universidade da Califórnia em San Francisco) e da Universidade de Tóquio.
Foi analisado também o risco de recaída com readmissão do paciente no hospital. Este outro marcador de êxito do atendimento médico de teve uma disparidade (razão de 3,2%) para as mulheres tratadas por homens, em comparação às tratadas por médicas do mesmo gênero.
De acordo com os pesquisadores, liderados pelo estatístico japonês Atsushi Miyawaki, apesar de as diferenças parecerem pequenas, elas são estatisticamente relevantes quando se consideram universos grandes. O estudo, publicado ontem na revista Annals of Internal Medicine, foi feito com base em registros do Medicare, o seguro de saúde federal voltado à população acima de 65 anos nos EUA, obtidos entre 2016 e 2019.
“Embora as diferenças de mortalidade e de readmissão comparando médicos do sexo feminino e masculino entre pacientes do sexo feminino fossem modestas, elas corresponderam a uma morte por 417 hospitalizações e uma readmissão por 208 hospitalizações do Medicare. Sem dúvida são diferenças clinicamente significativas, dadas as mais de 4 milhões de hospitalizações do Medicare por ano”, escreveu o cientista Miyawaki, acompanhado pelos seus colegas.
Sem variáveis
Para constatar que as médicas mulheres estavam efetivamente levando os casos a um desfecho mais favorável (sem morte ou readmissão em um período de referência de 30 dias), os pesquisadores tiveram de controlar diversas outras variáveis possíveis. A ideia era certificar que as diferenças observadas tinham origem no gênero do médico, e não em outros possíveis fatores de confusão.
Como os registros do Medicare são detalhados, os pesquisadores ajustaram os dados para 27 tipos de problemas de saúde que cada paciente relatava ter ou não. Levou-se em conta a idade, o diagnóstico no momento da internação, o nível de renda e outras variáveis. Para classificar os médicos, além do gênero foi considerado o grau de formação e especialização, e o volume de pacientes sob os cuidados de cada um.
Nenhum desses parâmetros indicou que pudesse estar havendo alguma distorção na conclusão de que as médicas mulheres eram, em média, um pouco mais eficazes no atendimento de seus pacientes.
Até mesmo o desempenho médio dos hospitais foi levado em conta, para que os cientistas estivessem certos de que as mulheres da amostragem não estivessem sendo beneficiadas por estarem talvez em centros de atendimento com estrutura melhor.
Quando observadas as pacientes mulheres, a taxa de mortalidade ajustada para todos esses fatores, foi de 8,38% para aquelas cuidadas por médicos homens e 8,15% para aquelas cuidadas por mulheres (a divisão de um número pelo outro é que resulta no acréscimo de 2,8%).
Segundo os autores, não há uma explicação direta sobre o melhor desempenho das mulheres no Medicare. Eles sugerem, porém, que homens podem estar subestimando a gravidade da doença de mulheres com mais frequência, porque existem registros na literatura médica de que esse viés existe. Outro possível fator de influência é que existe entre mulheres uma cultura mais estabelecida de boa comunicação na relação médico-paciente, que pode ser crucial para um bom atendimento.
“Já há estudos que encontraram diferenças de avaliação nos padrões relatados de dor, sintomas gastrointestinais e sintomas cardiovasculares, nos quais profissionais de saúde do sexo masculino apresentaram maior tendência a subestimar sintomas experimentados por mulheres”, escreveram os pesquisadores.
Um estudo canadense já havia apontado em 2019 que médicos homens são mais propensos que suas colegas mulheres a subestimar o risco de AVC em populações femininas.
Outro estudo, publicado no Journal of the American Heart Association, mostrou que mulheres que tinham um ataque cardíaco eram menos propensas a serem internadas no hospital, recebiam avaliações menos completas e eram pedidos menos exames do que homens na mesma situação.
Questão humana
O lado humano também pode ter um peso grande na diferença observada, sugerem os autores do trabalho.
“Quando uma paciente do sexo feminino é tratada por uma médica, isso pode estar associado a uma comunicação eficaz e centrada no paciente, conforme relataram estudos anteriores em cuidados primários e em ambientes de obstetrícia e ginecologia”, diz Miyawaki. “Além disso, o tratamento realizado por médicas pode ajudar a aliviar o constrangimento, o desconforto e os tabus socioculturais durante exames e conversas sensíveis envolvendo, por exemplo, partes privadas do corpo.”
O resultado da pesquisa, ao final, sugere que a investigação sobre essa diferença seja aprofundada, por exemplo, para que cientistas saibam se isso se reflete fora dos EUA ou em populações jovens, que não foram avaliadas neste trabalho, ou tratadas fora de ambiente hospitalar.
Outra limitação do estudo é que os dados do Medicare usam uma classificação binária de gênero e não permitem a identificação de pacientes trangêneros.
Contudo, tendo passado pelo crivo de uma publicação acadêmica rigorosa, ligada ao American College o Physicians, os cientistas se dizem confiantes de que seu resultado mostra uma diferença real, ainda que pequena, na média do desempenho entre homens e mulheres médicos.
“Este resultado realça a necessidade de esforços contínuos para melhorar a diversidade sexual no mercado de trabalho médico, especialmente para garantir que as pacientes do sexo feminino recebam cuidados de alta qualidade”, concluem Atsushi Miyawaki e seus colegas.