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VENEZUELA

Medo, choro e resiliência na Venezuela às vésperas de nova manifestação contra Maduro

Desde o início dos protestos, que se deram após a vitória de Maduro, doze pessoas perderam a vida

Pessoas se reúnem durante uma vigília antes de uma manifestação nacional convocada pela oposição para denunciar a reeleição do presidente Nicolás Maduro como fraudulentaPessoas se reúnem durante uma vigília antes de uma manifestação nacional convocada pela oposição para denunciar a reeleição do presidente Nicolás Maduro como fraudulenta - Foto: Juan Calero / AFP

"As pessoas vão encarar lobos ferozes", diz Katiusca Camargo, líder comunitária em Petare, uma enorme favela no leste de Caracas, temendo uma violenta repressão às vésperas de uma manifestação nacional convocada pela oposição para denunciar a reeleição do presidente Nicolás Maduro como fraudulenta.

Doze pessoas - onze civis e um militar - perderam a vida desde que protestos espontâneos eclodiram na segunda-feira (29) após a vitória do mandatário venezuelano.

Muitos dos manifestantes são de Petare, uma enorme favela com casas precárias e intrincadas vielas e escadarias que se elevam sobre as montanhas que cercam o vale de Caracas.

Referência no bairro de San Blas de Petare, integrante de uma ONG e reconhecida opositora de Maduro, Katiusca Camargo acredita que o governo deseja dissuadir a população de sair às ruas às vésperas de uma grande concentração convocada para sábado pela líder da oposição, Maria Corina Machado.

"Temos mortos, feridos, detidos, desaparecidos. As pessoas sabem. As pessoas têm medo. Elas sabem que vão enfrentar gente armada, lobos ferozes", diz Camargo, que tem a palavra "Resiliência" tatuada no braço direito.

Ela se refere aos "colectivos", grupos armados pró-governo que apoiam Maduro, sucessor do falecido presidente socialista Hugo Chávez e que governa a Venezuela desde 2013. Eles operam em pequenas células, sem ordens oficiais, com uma estratégia de disseminação do terror.

Medo em Petare 
Os coletivos se instalaram no mercado Gloria al Bravo Pueblo de Petare, segundo vários testemunhos. Na terça-feira, esperaram os manifestantes que retornavam de um protesto convocado por Machado e seu candidato, Edmundo González Urrutia.

"Atacaram aqueles que vestiam camisetas brancas ou da bandeira da Venezuela. Roubaram motocicletas, levaram algumas pessoas e as entregaram à polícia", conta Josumary Gómez, 32 anos. "Você se diz a si mesmo: se eu sair, talvez não volte", acrescenta sobre as próximas manifestações.

Os coletivos também realizaram incursões noturnas em Petare.

"Há grupos que saíram, que causaram um terror psicológico. Você não imagina os vídeos e mensagens que recebemos. Eles diziam que estavam invadindo uma casa e não havia ninguém. Sim, eles foram a alguns lugares, mas não podem estar nos 2.000 setores de Petare. É terror psicológico", reflete Camargo.

Sem querer revelar seu nome, um morador do bairro José Félix Ribas, conhecido como um dos mais perigosos de Petare, relata que "eles começaram com pressão à noite.

Pessoas estranhas, encapuzadas. Não são os bandidos daqui, são coletivos. Eles intimidam as pessoas, dão medo, batem. Ouvi tiros, muitos tiros. Roubam motos".

O objetivo foi alcançado. O medo agora reina em Petare.

O mesmo homem admite: "Eu não vou protestar. Não saio. Tenho más experiências do passado. Vi pessoas morrerem. É uma guerra, uma guerra civil".

"Vamos matar fulano" 
Cem pessoas morreram em 2017 em manifestações de oposição, o que resultou em uma investigação por "crimes contra a humanidade" no Tribunal Penal Internacional.

Miguel Becerra, fotógrafo de 35 anos, relata que participou dessas manifestações. "Eu tentei exercer minha vontade contra o governo e, ao ver que não estava sendo resolvido e que havia muitas mortes, decidi deixar o país", diz.

"Voltei em 2020, porque tinha esperança de uma mudança", explica Becerra, que agora está pensando em emigrar novamente para o Equador.

"Não estou trabalhando porque, na verdade, o medo de sair é grande", diz o fotógrafo, temendo encontrar "um grupo de colectivos que possam te sequestrar, te matar, te fazer desaparecer".

Um comerciante, também amedrontado e que não quer se identificar, explica que não fala mais. "Se dissermos uma coisa, uns vêm; se dissermos outra, outros vêm. Há retaliações. É melhor manter a boca fechada", diz, passando um zíper simbolicamente pelos lábios.

Alexander Camargo, 50 anos, descreve tempos de violência não muito distantes. "Aqui era um inferno. Diziam 'saia daqui que vamos matar fulano'. Aqui você era morto por um boné ou por um par de sapatos. Era pior que no Paquistão, com pistolas automáticas. As crianças reconheciam as armas pelo som".

Ele brinca com um grupo de vizinhos. Uma delas diz que não quer ir para a cadeia por suas ideias políticas. "O cardápio não é muito bom", comenta.

A noite cai em Petare. Katiusca Camargo e suas amigas se reúnem para orar em um canto junto com um pastor.

Jhoana Padilla, 40 anos, chora enquanto reza. "Peço ao Senhor que derrame suas bênçãos sobre esta nação, sobre nosso povo, sobre a favela de Petare, que o voto e a decisão de cada venezuelano sejam respeitados. Votei pelos meus filhos, por um futuro melhor, por nossa vida diária".

"Eu sei que há medo, mas há momentos em que esse medo te dá força", afirma emocionada.

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