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Milei demite 24 mil funcionários públicos na Argentina em quatro meses de mandato

Empregados dizem que cortes e incerteza quanto ao futuro dos empregos na esfera pública levaram a suspensão de atividades, como a campanha de prevenção contra a dengue

Javier Milei Javier Milei  - Foto: Luis Robayo/AFP

Javier Milei acredita que o Estado é inimigo, "uma associação criminosa" que ele busca reduzir ao mínimo, entre críticas e aplausos de uma sociedade polarizada. Quando assumiu a presidência da Argentina, em dezembro, a máquina pública tinha 341.477 funcionários contratados. Dois meses depois, o governo já havia eliminado 9 mil postos de trabalho e, na semana passada, ordenou mais 15 mil demissões, totalizando 24 mil dispensas.

Mais de 50 mil trabalhadores temporários se veem diante da incerteza. Antes, seus contratos eram renovados uma vez por ano. Agora, eles sabem que passaram pela primeira etapa, mas seus cargos ainda estão em revisão por mais três ou seis meses.

"Estamos vivendo uma situação de terror psicológico" disse uma trabalhadora da Secretaria da Infância, Adolescência e Família na quarta-feira passada, que preferiu não se identificar, com medo de possíveis represálias, assim como outros entrevistados.

Ela continuou:

"Milei disse que haveria 70 mil demissões, depois disseram que seriam 15 mil, 20 mil. Esse vaivém impacta nossa saúde mental e vida cotidiana. Todo mundo está paralisado sem saber o que vai acontecer, ninguém sabe quem será o próximo."

Milei, um economista que se autodenomina anarcocapitalista, anunciou desde o seu primeiro dia que haveria um importante corte de pessoal no Estado. Como primeira medida, ele exigiu 100% de presença para expor os "funcionários fantasmas", como são conhecidos na Argentina os trabalhadores estatais fictícios, colocados pelos partidos, que só vão ao escritório um dia por mês para receber.

Perto de completar quatro meses de mandato, a ordem de Milei foi reduzir entre 15% e 20% do pessoal estatal com contratos temporários. O argumento oficial é que a Argentina é um país empobrecido com um Estado muito grande e ineficiente.

"Acho que há um consenso bastante generalizado na sociedade de não continuar pagando coisas que não correspondem com a Argentina que vivemos e com o tamanho do Estado que as pessoas votaram nas urnas" disse na quarta-feira o porta-voz presidencial, Manuel Adorni.

20 funcionários públicos por 100 mil habitantes
Segundo uma análise da Fundação Mediterrânea, em meados de 2023, de cada 100 mil trabalhadores na Argentina, 20 eram funcionários públicos, uma relação que colocava o país em sexto lugar em uma lista da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), abaixo apenas da Noruega, Suécia, Dinamarca, Islândia, Finlândia e França.

Em termos qualitativos, no entanto, o país ficou abaixo da metade da tabela em um índice do Banco Mundial que mede a eficácia do governo, no qual o país obteve uma pontuação de 41,9 de 100 em 2022.

Alguns funcionários suspeitavam há semanas que seus nomes estavam na lista de demissões. É o caso daqueles que trabalhavam na seção de publicidade oficial, cancelada por Milei durante um ano ao assumir.

"Um escritório que trabalhava arduamente foi paralisado e ficamos sem funções" diz uma das trabalhadoras demitidas desse departamento.

Ela lamenta que, devido a essa decisão oficial, o governo não tenha lançado uma campanha de prevenção contra a dengue nos meios de comunicação, mesmo quando a Argentina enfrenta o pior surto de sua história, com mais de 150 mil casos e 106 mortes.

Os funcionários desta seção iam todos os dias cumprir sua jornada de trabalho de oito horas sem ter nada para fazer.

— Era uma tortura psicológica — aponta a entrevistada demitida. Seu maior medo, confirmado dois dias atrás, era perder o seguro médico fornecido pelo Estado e graças ao qual seu filho com deficiência podia ter acesso a tratamentos que agora serão interrompidos.

Um mercado de trabalho difícil
Muitos tentaram se antecipar e encontrar trabalho em uma empresa privada, mas quase ninguém conseguiu, porque a Argentina está no meio de uma crise econômica. Há queda do consumo, e a maioria das empresas não está contratando. Em janeiro, último mês com dados oficiais, a atividade econômica caiu 4,3% em relação a 12 meses antes, a pior contração desde a pandemia de Covid-19.

Em sua última aparição pública, o porta-voz presidencial afirmou que a seleção dos funcionários que seriam demitidos foi um trabalho extremamente cirúrgico para não cometer erros, para que ninguém perdesse o emprego sem merecer.

Os entrevistados, no entanto, acham que foi feito ao acaso. Em uma atmosfera de tensão, os sindicatos organizaram protestos em frente às sedes oficiais.

— Não houve um critério nas listas. Demitiram pessoas que entraram nos últimos anos e outras com 15, 20 anos de experiência — argumenta Natalia, que trabalhava desde 2017 na Agência de Segurança Viária da Argentina.

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