ARGENTINA

Milei enfrenta nova jornada de protestos, mas segue no controle de agenda de reformas na Argentina

Confrontos na capital argentina coincidiram com a entrega do 'decretaço' do novo presidente ao Congresso, e com ameaça de convocação de plebiscito

Mulher segura cartaz durante protesto em Buenos Aires Mulher segura cartaz durante protesto em Buenos Aires  - Foto: Luis Robayo / AFP

Pouco mais de duas semanas após sua posse, o presidente argentino, Javier Milei, enfrentou na quarta-feira o primeiro protesto convocado — entre outros sindicatos, movimentos sociais e partidos de esquerda — pela Central Geral de Trabalhadores (CGT), historicamente vinculada ao peronismo.

Cerca de 30 mil manifestantes repudiaram no centro de Buenos Aires as medidas de ajuste anunciadas pela Casa Rosada e o conteúdo do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), "decretaço” aprovado semana passada pelo Executivo sob o qual revogaram-se mais de 300 leis e normativas sobre diversos temas, incluindo os que regem o mercado de trabalho, planos de saúde, aluguéis e privatização de empresas estatais.

No protesto de quarta-feira, os principais partidos políticos do país estiveram ausentes, como aconteceu nos panelaços da semana passada, também contra o ajuste e o DNU. Novamente houve confrontos entre manifestantes e policiais, e seis pessoas foram detidas.

O ato de quarta ocorreu no mesmo dia em que o governo enviou ao Congresso o compilado de projetos de lei intitulado “Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”, que, por seu tamanho e abrangência — tem 664 iniciativas — é chamado de “lei ônibus”. Esse tipo de medida trata de alguns temas que não competem aos DNUs, como normas eleitorais.

Um dos itens que chamou atenção, especialmente entre oposicionistas, estabelece uma "declaração de emergência em temas econômicos, financeiros, fiscais, sociais, de previdência, segurança, defesa, tarifários, energéticos e sociais" até o fim de 2025. Teoricamente, se aprovado, o plano daria poderes excepcionais a Milei para intervir nesses campos. Dirigentes peronistas afirmaram que a lei "ratifica a pretensão do presidente de contar com poderes e faculdades extraordinárias, que são 'absolutamente inconstitucionais'".
 

Na véspera da nova manifestação, Milei afirmou que, se o Parlamento rejeitar o DNU, “convocará um plebiscito”.

— Se eles [os parlamentares] o rejeitarem, convocarei um plebiscito e pediria que expliquem por que estão contra o povo — disse Milei durante uma entrevista ao jornalista Luis Majul do canal LN+. — Eles não conseguem aceitar que perderam, que o povo escolheu outra coisa.

Segundo analistas ouvidos pelo Globo, contudo, a ameaça de eventualmente convocar um plebiscito foi uma jogada para consolidar a narrativa de que é um presidente que vai fundo, contra tudo e contra todos. A Constituição argentina estabelece que plebiscitos não são vinculantes, e o voto não é obrigatório.

Controle da agenda
Equanto provoca um verdadeiro tsunami na política argentina, Milei controla a agenda política nacional, como fez durante a campanha eleitoral, e mantém um nível de apoio similar aos 55% dos votos que obteve nas urnas, o que torna difícil a vida de seus adversários.

— Recebemos pesquisas, algumas de empresas privadas, que mostram que Milei tem hoje entre 50% e 60% de aprovação — diz Patricio Talavera, professor da Universidade de Buenos Aires (UBA).

Muitos setores serão afetados pelo DNU, que entra em vigência nesta quarta — oito dias após sua publicação no Boletim Oficial (o Diário Oficial argentino) — e que continuará vigorando até que, eventualmente, o Congresso o derrube. Essa possibilidade, contudo, parece distante. Desde 2006 existe uma lei que dá ao Parlamento o poder de anular um DNU presidencial, mas ela nunca foi usada.

No Congresso, partidos que não estão alinhados com Milei querem evitar derrubar seu DNU para não desgastar um presidente que acaba de assumir o poder. A palavra de ordem é negociação, e, com esse pano de fundo, Milei ganha tempo e consolida um dos pontos centrais de sua estratégia política: construir a narrativa de um presidente proativo, que busca fazer as mudanças a que nenhum outro chefe de Estado se atreveu.

Enquanto sindicatos, movimentos sociais e partidos de esquerda vão para as ruas, desafiando o protocolo antipiquete elaborado pela ministra da Segurança, Patricia Bullrich, o governo de Milei faz suas apostas mais ousadas, aproveitando as divisões e falta de liderança da oposição.

— Vemos um governo ainda muito popular, que está aproveitando uma janela de oportunidade para adotar as medidas mais difíceis — afirma Julio Burdman, também professor da UBA.

Para o analista argentino, “a oposição ficou desestruturada depois da eleição”.

— Em outras épocas, por exemplo nos governos dos peronistas Carlos Menem (1989-1999) e Néstor Kirchner (2003-2007), a oposição demorou anos para se reorganizar — afirmou.

"Casta política"
Nas redes sociais, seus colaboradores continuam atacando a chamada “casta política” e responsabilizando os governos peronistas pela crise econômica e social em que o país está mergulhado.

Com uma inflação descontrolada, muitos se identificam com o discurso do presidente e de seus assessores e apoiam decretaços e projetos de leis de mais de 600 páginas, que propõem medidas diversas, entre elas a privatização de empresas, divórcio express, eliminação das Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) antes das eleições, modificação do sistema que determina o reajuste das aposentadorias e a criminalização dos protestos — com condenações de um a três anos de prisão para quem impedir o normal funcionamento do transporte público.

— Com a “lei ônibus”, Milei busca desviar a atenção do DNU — diz Talavera. — Com exceção do kirchnerismo, a oposição não quer bater de frente com um governo popular.

Para o analista, “os sindicatos estão obrigados a reagir, porque Milei modificou leis trabalhistas históricas”.

— Vejo um Milei consolidando seu poder, mas ainda não temos elementos para dizer que seu governo é viável — aponta Talavera.

Os principais atores da política argentina medem forças, e por enquanto Milei está mais forte. Enquanto os mais críticos acusam o presidente de autoritarismo, os mais moderados buscam pontos de acordo.

Durante o governo de Raúl Alfonsín (1983-1989), o sindicato mobilizou 13 greves gerais, que obrigaram o então presidente argentino a deixar seu mandato seis meses antes do fim . Os sindicatos se reunirão novamente hoje para definir "um plano de luta”, e a convocação de uma greve geral estará na pauta de futuras ações

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