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Argentina

Milei planeja dolarizar economia; no Equador, iniciativa fez crescer narcotráfico e desemprego

Presidente eleito na Argentina aposta na mudança cambial, que freou indústria interna equatoriana

Javier Milei ganhou as eleições argentinas com 55,7% dos votos Javier Milei ganhou as eleições argentinas com 55,7% dos votos  - Foto: Luis Robayo/AFP

Uma das principais propostas de Javier Milei, eleito no domingo para presidir a Argentina pelos próximos quatro anos, é dolarizar a economia do país. Isso significa substituir o peso pelo dólar como moeda oficial — o objetivo é debelar a inflação, que passa de 100% em 12 meses. A ideia, porém, não é nova e tem antecedentes na América Latina, onde a iniciativa, em pelo menos um caso, resultou em aumento da pobreza, baixo crescimento econômico e até favorecimento do narcotráfico, após um breve período de estabilidade.

No vizinho Equador, a dolarização da economia, 23 anos depois, é ponto pacífico entre grande parte da população, e defendida pelo presidente eleito Daniel Noboa. Mas acabou tornando o país um local ideal para a lavagem de dinheiro do tráfico transnacional, apontaram analistas ouvidos pelo Globo, assim como mascarou o desemprego e freou a indústria interna.

Localizado entre Colômbia e Peru, os dois maiores produtores de coca na região, o país deixou de ser apenas um centro de trânsito de drogas nos últimos cinco anos, quando os cartéis mexicanos assumiram um papel importante no negócio e subcontrataram grupos locais. E a dolarização da economia, adotada em 2000, foi justamente um ponto que favoreceu a nova configuração.

— Em uma economia dolarizada é muito mais difícil investigar a origem do dinheiro. Hoje, cerca de 3% do PIB equatoriano, o equivalente US$ 3,5 bilhões, são provenientes da lavagem de dinheiro do narcotráfico — explicou ao Globo o economista Alberto Acosta, autor do livro "Breve história econômica do Equador".

Freio à economia
Além da lavagem de dinheiro, os ajustes neoliberais adotados primeiro pelo governo do então presidente Lenín Moreno e depois pelo atual governo de Guillermo Lasso — ambos seguindo as recomendações de um acordo firmado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) —, promoveram medidas que levaram a um processo sistemático de cortes na área de segurança. Além disso, a percentagem de pessoas em situação de pobreza aumentou gradativamente nos últimos anos, e passou de 21,9%, em 2019, para 25,5%, em 2022.

— É um fato que a dolarização não impacta muito os preços em uma crise internacional, mas internamente as empresas quebram e o desemprego aumenta. É uma medida que freia a economia equatoriana — explica o economista. — Hoje, 5 milhões de pessoas vivem com apenas US$ 3 por dia, e 2 milhões com menos de US$ 1,70. Essa situação de pobreza e miséria, abre espaço para que muitos acabem se envolvendo com o tráfico.

Assim como na Argentina dos dias de hoje, a dolarização foi adotada no Equador na virada do milênio, como solução para uma crise monstruosa. Em 1998, quatro dos grandes bancos faliram após 40 anos de inflação elevada. No fim daquele ano, um dólar valia 6.825 sucres equatorianos; no ano seguinte um dólar já custava 20.243 sucres. Aos poucos, os próprios equatorianos passaram a usar a moeda americana no mercado paralelo, até que, em janeiro de 2000, o então presidente Jamil Mahuad anunciou a dolarização total da economia: ficou estabelecido que 25 mil sucres valeriam um dólar.

No início, a mudança produziu uma perda impressionante em milhares de famílias, que ficaram mais pobres. Mas, a partir de 2003, com o boom das commodities, e pelo menos até 2015, a inflação caiu e se manteve estabilizada.

Tudo começou a mudar em 2020. O país fechou aquele ano com um déficit público que equivalia a 7% do PIB. Mas sem poder emitir ou desvalorizar a moeda, a única forma de cobrir o déficit fiscal era através de ajustes neoliberais impopulares — como as que enxugaram os setores de segurança. Após mais de uma década de tendência de queda, a pobreza voltou a aumentar e, nos últimos anos, a economia equatoriana cresceu menos que a média da América Latina.

— A dolarização não resolve o problema principal das economias latino-americanas: a falta de produtividade. E pode até aprofundá-la. Ao mesmo tempo, torna os países mais vulneráveis às mudanças nos ciclos econômicos — explicou Claudio Caprarulo, diretor da consultoria argentina Analytica, que lembra ainda que o Equador optou pela dolarização em meio a um cenário de forte crise bancária, situação diferente da Argentina.

Sem dólares para emitir, além dos "narcodólares", muita da sustentabilidade do modelo equatoriano se deve às remessas estrangeiras, vindas dos próprios migrantes que foram expulsos pela dolarização. Em 2022, o país recebeu quase US$ 5 milhões em remessas, US$ 381 milhões a mais que no ano anterior, segundo o Banco Central do Equador.

— A taxa de desemprego pode parecer menor do que é, porque houve uma alta migração nas últimas duas décadas. Além disso, hoje apenas 30% da população têm um emprego formal, ou seja, mais de 60% estão no setor informal — explica Milton Reyes, professor do Instituto de Altos Estudos Nacionais do Equador.

Outros casos
Os analistas destacam ainda que outros países que adotaram a dolarização no continente, casos de El Salvador e Panamá, têm uma estrutura econômica bastante diferente da Argentina e maiores ligações com a economia americana. No caso de El Salvador, a adoção do dólar foi implementada em 2001 com a finalidade de melhorar a situação fiscal do país após 13 anos de guerra civil encerrada nos anos 1990.

— São economias muito mais dependentes dos Estados Unidos, tanto em termos de comércio quanto no ingresso de dinheiro proveniente das remessas que os seus cidadãos migrantes enviam — afirma Caprarulo.

Outro exemplo é a Venezuela, que tem uma dolarização informal desde o final de 2018, quando o governo flexibilizou os rígidos controles cambiais como válvula de escape para a profunda crise. Na época, o país enfrentava o primeiro ano de hiperinflação, com escassez da moeda local, o bolívar.

A desvalorização profunda do bolívar tornou necessários grandes volumes de cédulas para pagar bens e serviços. Quatro anos depois, o país saiu da hiperinflação, mas continua com um dos maiores índices do planeta. Até setembro, a inflação em termos anuais era de 317%, segundo o Banco Central. Paradoxalmente, o dólar, símbolo do "imperialismo americano" e considerado um "inimigo da revolução", virou a moeda de maior circulação, segundo os economistas.

Caprarulo acredita que a Argentina pode tirar lições das experiências de outros países e de sua própria história, uma vez que já adotou o regime de conversibilidade com o dólar na década de 1990. Nesse modelo, a moeda corrente continuou sendo o peso, mas o Banco Central mantinha uma quantidade equivalente de dólares em reserva, garantindo um câmbio fixo, de um para um.

— Foi uma experiência muito semelhante à dolarização. Os desequilíbrios sociais e econômicos criados durante os anos 1990, para além do seu sucesso na redução da inflação, desencadearam a crise de 2001, a maior que sofremos. Ao mesmo tempo, deixou cicatrizes que ainda não puderam ser curadas no que diz respeito ao desemprego e à pobreza. (Com agências internacionais)

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