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ÁSIA

Lei marcial: milhares de manifestantes exigem renúncia do presidente da Coreia do Sul

Maior sindicato trabalhista do país convocou uma 'greve geral por tempo indeterminado' até que Yoon Suk-yeol renuncie

Milhares de manifestantes exigem renúncia do presidente da Coreia do Sul após polêmica sobre lei marcialMilhares de manifestantes exigem renúncia do presidente da Coreia do Sul após polêmica sobre lei marcial - Foto: Philip Fong / AFP

Milhares de manifestantes marcharam em direção ao Parlamento na capital da Coreia do Sul nesta quarta-feira, apoiando uma iniciativa da oposição para destituir o presidente Yoon Suk-yeol após sua controversa e breve imposição da lei marcial. Partidos oposicionistas apresentaram uma moção para o impeachment do mandatário “preparada com urgência”, e a expectativa é a de que a votação ocorra na sexta-feira ou no sábado.

Para ser aprovado, o impeachment precisa dos votos de dois terços do Parlamento — 200 pessoas. Se isso ocorrer, os poderes e deveres de Yoon serão suspensos imediatamente, e o primeiro-ministro se torna presidente interino. Depois, a Corte Constitucional tem de acatar a decisão. Se aprovar o impeachment, uma eleição tem de ocorrer no prazo de 60 dias. Se rejeitá-lo, o presidente pode continuar no cargo.

A oposição detém uma ampla maioria no parlamento, que possui 300 membros, e precisa de apenas algumas deserções do partido do presidente para atingir a maioria de dois terços necessária para aprovar a moção. O Partido Democrático (DP) também apresentou acusações de “insurreição” contra o presidente, alguns de seus ministros e altos funcionários militares e policiais, acusações que podem levar à prisão perpétua ou até mesmo à pena de morte.

Nesta quarta-feira, milhares de manifestantes com cartazes pedindo a renúncia do presidente deixaram a praça central de Seul para marchar em direção ao Parlamento, onde outro protesto organizado pela principal oposição estava em andamento. O maior sindicato trabalhista do país convocou uma “greve geral por tempo indeterminado” até que Yoon renuncie, e milhares deixaram seus trabalhos para protestar pela democracia.

“Estaremos na vanguarda do povo junto com o povo e lutaremos pela renúncia imediata de Yoon Seok-yeol”, disseram os líderes da confederação, em declaração conjunta à imprensa em Seul, citados pela agência Yonhap. “A greve geral da Confederação Coreana de Sindicatos será o início do fim da era de desigualdade e polarização e da abertura de uma nova era de respeito pelo trabalho”.

Han Dong-hoon, o líder da legenda de Yoon, o Partido do Poder Popular (PPP), exigiu explicações e garantiu que “todos os envolvidos devem prestar contas”. O ministro da Defesa sul-coreano, Kim Yong-hyun, renunciou ao cargo nesta quarta-feira e se desculpou por espalhar confusão e perturbação com a lei marcial, assumindo total responsabilidade pela medida. Ele disse que continuará na função, porém, até o presidente entregar o cargo.

A Presidência não reagiu até o momento, mas a agência estatal de notícias Yonhap informou que os principais assessores de Yoon apresentaram pedidos de demissão em conjunto. A bolsa de valores de Seul fechou em queda de mais de 1% na quarta-feira, enquanto os mercados reagiam à crise.

Mobilização nas ruas
O líder da oposição da Coreia do Sul, Lee Jae-myung, denunciou a lei marcial como “ilegal” e pediu ao povo para que se reunisse no Parlamento, em protesto. Lee, que foi esfaqueado no pescoço no começo do ano por um homem que fingiu ser um apoiador, perdeu por poucos votos para Yoon na eleição de 2022.

— A ordem presidencial após a declaração ilegal da lei marcial é uma ordem que viola a Constituição e a lei, e segui-la é em si ilegal. Por favor, venham à Assembleia Nacional agora. Estou indo para lá também — afirmou Lee, pedindo que as tropas retornassem aos quartéis. — Quem comanda vocês não é a pessoa que declarou a lei marcial ilegal, inconstitucional e inválida. Vocês devem seguir as ordens do povo.

Os coreanos atenderam ao chamado: a revogação da medida gerou celebração entre manifestantes com bandeiras em frente ao Parlamento, que desafiaram as temperaturas congelantes para manter a vigília durante a noite contra a ordem de Yoon. Agora, os protestos continuam, desta vez intensificando os pedidos pela saída do presidente sul-coreano do poder. Durante a madrugada, milhares de pessoas gritavam: “Prendam Yoon Suk-yeol!”.

— O simples fato de Yoon ter imposto isso sem uma causa legítima já é um crime sério — disse Lim Myeong-pan, de 55 anos, à AFP. — Ele abriu o caminho para o próprio impeachment.

Há dois anos no cargo, o presidente conservador, muito impopular e com dificuldades para governar porque não tem maioria no Parlamento, surpreendeu a população quase às 23h de terça-feira (horário local) ao declarar lei marcial pela primeira vez em mais de 40 anos no país, medida que justificou para supostamente “erradicar as forças pró-Coreia do Norte e proteger a ordem constitucional livre”, em meio a uma forte disputa com a oposição no Parlamento.

— Para salvaguardar uma Coreia do Sul liberal das ameaças representadas pelas forças comunistas da Coreia do Norte e para eliminar os elementos antiestatais (...), declaro a lei marcial de emergência — disse Yoon, em discurso ao vivo para a nação. — Sem considerar os meios de subsistência das pessoas, o partido da oposição paralisou o governo unicamente por interesse de julgamentos políticos, investigações especiais e para proteger seu líder da Justiça.

A medida surpreendente — que determinava o fechamento do Congresso, proibia manifestações públicas e reuniões políticas e estabelecia o controle da imprensa — foi suspensa horas depois, após ser derrubada em votação por deputados de oposição e governistas. Apesar do recuo, a decisão deixou o país em uma das piores crises políticas de sua História moderna.

Votação no Parlamento
Mais cedo, soldados tentaram bloquear a entrada da Assembleia para impedir que os parlamentares acessassem o plenário, mas 190 conseguiram passar e votaram unanimemente contra Yoon. Destes, 172 eram da oposição e 18 de própria sigla do presidente, o PPP.

— Esta declaração de lei marcial perdeu seu efeito prático devido à decisão da Assembleia Nacional de suspender a lei marcial. Portanto, é ilegal para os militares e a polícia exercerem o poder público com base na lei marcial — afirmou Han em entrevista coletiva. — Como partido no poder, lamentamos muito que tal situação tenha ocorrido.

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Após a votação, Yoon retirou sua proposta de impor lei marcial e convocou uma reunião emergencial de Gabinete, que aprovou uma moção para suspender a medida, informou a agência de notícias Yonhap na madrugada desta quarta-feira (tarde de terça em Brasília).

— Agora há pouco, houve uma demanda da Assembleia Nacional para suspender o estado de emergência, e nós retiramos os militares que foram enviados para as operações da lei marcial. Aceitaremos a solicitação da Assembleia Nacional e suspenderemos a lei marcial por meio da reunião do Gabinete — declarou Yoon em um discurso televisionado antes da aprovação da moção.

A reviravolta provocou júbilo entre os manifestantes do lado de fora do Parlamento, que enfrentaram temperaturas congelantes para manter a vigília durante a noite, desafiando a ordem de lei marcial de Yoon. Agitando faixas e bandeiras sul-coreanas e cantando “Prendam Yoon Suk-yeol” do lado de fora da Assembleia Nacional, eles explodiram em aplausos.

— Fiquei tão indignado que não consegui dormir um minuto sequer na noite passada. Vim garantir que expulsaremos Yoon de uma vez por todas — disse Kim Min-ho, de 50 anos, à AFP durante um protesto no Parlamento nesta quarta-feira.

Na manhã de quarta-feira na Coreia do Sul, noite de terça no Brasil, o chefe de Gabinete do Presidente, os secretários seniores e funcionários de alto nível apresentaram, de forma coletiva, a sua demissão. Yoon cancelou todos os compromissos previstos para a quarta-feira e não disse se aceitaria os pedidos para que deixassem os postos.

De acordo com a imprensa sul-coreana, o PPP discute internamente como responder à crise. Em entrevista à Rádio KBS após uma reunião de lideranças, Kim Jong-hyuk, integrante da direção do partido, afirmou que muitos defendem uma reprimenda a Yoon e até que seja expulso da sigla.

Repercussão internacional
Países ocidentais, a China e da ONU disseram em declarações separadas na terça-feira que acompanhavam a situação na Coreia do Sul com “grande preocupação”. A Coreia do Sul é um importante aliado dos Estados Unidos na Ásia, mas Washington disse que não foi avisado com antecedência sobre o plano de Yoon de impor a lei marcial.

— Estamos observando os recentes acontecimentos na República Democrática da Coreia com grande preocupação — disse o vice-secretário de Estado, Kurt Campbell, após a imposição da lei marcial, referindo-se à Coreia do Sul pelo seu nome oficial, República da Coreia.

A China, um importante aliado da Coreia do Norte, pediu aos seus cidadãos no Sul que mantivessem a calma e tivessem cautela, enquanto o Reino Unido disse que estava “monitorando de perto os acontecimentos”.

Vladimir Tikhonov, professor de estudos sobre a Coreia na Universidade de Oslo, disse que a iniciativa de Yoon de impor a lei marcial foi “uma tentativa de fazer a história retroceder”.

— Não creio que a sociedade civil da Coreia do Sul possa continuar reconhecendo Yoon como um presidente legítimo — afirmou ele à AFP.

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