Milhares vão às ruas de Israel para protestar contra projeto de reforma judicial de Netanyahu
Protestos ocorrem após o presidente dos EUA, Joe Biden, convidar o premier israelense para reunião em Washington, após expressar preocupação sobre democracia no país
Milhares de pessoas foram às ruas em Israel nesta terça-feira para protestar contra um controverso projeto de reforma judicial promovido pelo governo de Benjamin Netanyahu, antes de uma votação importante no Parlamento sobre aspectos polêmicos da iniciativa, que deve ocorrer na próxima segunda-feira.
Os protestos, chamados de "Dia da Ruptura", ocorreram poucas horas depois que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, convidou Netanyahu para uma reunião em Washington nos próximos meses, sinalizando uma reaproximação com Israel após o americano expressar preocupações com a democracia no país.
Milhares de pessoas se manifestaram em Tel Aviv, Jerusalém, Haifa, Petah Tikva e Rehovot, segundo a mídia local. Em Tel Aviv, integrantes do grupo de veteranos do exército "Ahim laneshek" (Irmãos de Armas) formaram uma corrente humana para bloquear a principal entrada do quartel-general do Exército. Protestos em uma rodovia ao norte Tel Aviv provocaram bloqueios no tráfego.
Alguns seguravam enormes cartazes nas estradas com os dizeres "Netanyahu divide a nação", enquanto outros exibiam uma foto gigante de Theodor Herzl, um dos fundadores do sionismo moderno, com o slogan: "Não foi isso que eu quis dizer". Segundo a polícia, 19 pessoas foram presas pela manhã por violar a ordem pública.
A convocação para as ruas ocorre após um projeto de lei que elimina o padrão de "razoabilidade" — que permite à Suprema Corte de Israel anular decisões do governo — ser aprovado em primeira votação na semana passada, após um hiato de três meses. Nesta terça-feira, a comissão parlamentar deve continuar seus debates para apresentá-lo nos próximos dias à votação final do Parlamento, antes do recesso parlamentar no fim deste mês.
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O projeto que está sendo votado é a primeira parte do pacote de reforma judicial que o governo conseguiu avançar desde que Netanyahu suspendeu as discussões no final de março, pressionado pela onda de protestos no país. O texto, que agora voltará à Comissão de Constituição, Lei e Justiça do Knesset, proíbe completamente os tribunais de usar o "padrão de razoabilidade" para invalidar ou discutir decisões tomadas pelo governo e outras autoridades eleitas, conforme estabelecido em lei.
Na prática, impedirá que a Suprema Corte bloqueie decisões do governo que não considerem razoáveis, algo que Netanyahu, em julgamento por corrupção, e seus aliados afirmam ser necessário para conter a "politização" do Judiciário.
Um exemplo é a nomeação de ministros, uma das áreas a serem afetadas pela mudança. O tribunal utilizou o "padrão de razoabilidade" quando ordenou, em janeiro, que Netanyahu afastasse o número dois do governo, Aryeh Deri, condenado por fraude fiscal enquanto estava no poder. Portanto, caso o projeto de lei seja aprovado nas duas leituras seguintes, Netanyahu poderá tentar renomear Deri para seus cargos anteriores de Ministro da Saúde e Ministro do Interior.
O avanço da reforma ocorre menos de três semanas após Netanyahu dizer que abandonaria a chamada cláusula de "anulação", que permitiria ao Parlamento derrubar uma decisão da Suprema Corte por maioria simples.
Democracia em risco
Os manifestantes temem que a lei prejudique a democracia ao reduzir a supervisão judicial sobre o Gabinete, permitindo uma maior influência do governo e abrindo caminho para uma sociedade mais conservadora, religiosa e patriarcal. O governo, por sua vez, argumenta que a reforma visa a garantir um melhor equilíbrio de poderes e é necessária para conter a "politização" do Judiciário.
"Vivemos dias trágicos (...) diante de um governo (...) que tem pressa em destruir a democracia. Só nós, os cidadãos, podemos parar o trem da ditadura", declararam os organizadores dos protestos em uma declaração convocando este novo dia de mobilização.
Desde o anúncio deste polêmico projeto em janeiro, dezenas de milhares de pessoas se manifestaram todas as semanas em Israel, no que é considerado um dos maiores movimentos de protesto da História do país.
A coalizão de extrema direita e ultraortodoxa de Netanyahu inicialmente buscou uma reforma massiva, mas parou depois que os protestos começaram em março. Também havia preocupações de que os inimigos externos de Israel, liderados pelo Irã, fossem encorajados pelas divisões.
Reunião em Washington
O projeto também provoca críticas no exterior, com o presidente dos EUA, Joe Biden, pedindo ao governo israelense no final de março que encontrasse um meio-termo. Biden e Netanyahu conversaram por telefone nesta segunda-feira, de acordo com o Gabinete do primeiro-ministro israelense. Na conversa, Biden convidou Netanyahu para ir aos EUA, segundo a mesma fonte.
A data da reunião, no entanto, não foi marcada e a oferta não chegou a ser um convite à própria Casa Branca. Mas a notícia foi um golpe para os manifestantes, que esperavam que Biden usasse sua influência sobre Netanyahu para persuadi-lo a suspender o processo legislativo.
Washington é um importante aliado de Israel, fornecendo quase US$ 4 bilhões em ajuda anual, bem como armas e sistemas de defesa, além de cobertura diplomática sistemática no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Enquanto isso, Biden deverá receber nesta terça-feira em Washington o presidente israelita Isaac Herzog, que desempenha um papel essencialmente protocolar, mas que também apelou a um compromisso na reforma.
Alguns partidários nos Estados Unidos consideram Herzog, que concorreu contra Netanyahu quase uma década atrás , um construtor de pontes cujos esforços para encontrar um meio-termo no tenso clima político de Israel são uma mudança bem-vinda em relação a alguns dos elementos mais extremistas do governo do país.
Porém, mesmo antes dos protestos desta terça-feira, a visita estava gerando polêmica. Vários parlamentares democratas disseram que iriam boicotar o discurso planejado de Herzog ao Congresso na quarta-feira para protestar contra o governo de Netanyahu. (Com AFP, Bloomberg e New York Times.)