RIO DE JANEIRO

Milícia responsável por caos no Rio foi fundada por policiais, se expandiu e vive crise interna

Após a morte de Matheus da Silva Rezende, o Faustão, apontado como número 2 da hierarquia da maior milícia do estado, comparsas incendiaram 35 ônibus e um trem na Zona Oeste

Ônibus incendiado no RioÔnibus incendiado no Rio - Foto: Tércio Teixeira/AFP

Em meio a uma crise interna, a maior milícia do Rio deu uma demonstração de força e parou a capital do estado em represália à morte de um dos integrantes de sua cúpula. Após Matheus da Silva Rezende, o Faustão, apontado como número 2 da hierarquia da milícia chefiada por seu tio, Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, ser morto a tiros pela polícia, seus comparsas incendiaram 35 ônibus e um trem e impactaram o transporte público em uma dezena de bairros da Zona Oeste.

A quadrilha responsável pelos ataques de ontem atua no estado há mais de duas décadas e passa por uma guerra interna. Desde a morte de seu ex-chefe, Wellington da Silva Braga, o Ecko — outro tio de Faustão —, também morto pela polícia em 2021, a milícia passa por um momento de fragmentação e ainda assiste a uma ofensiva da maior facção do tráfico do Rio — que tenta retomar territórios perdidos nos últimos anos.

Os pontos onde ônibus foram queimados são áreas atualmente sob controle da milícia — como Santa Cruz, Inhoaíba e Campo Grande — ou regiões que eram dominadas pelo grupo e hoje estão sob disputa, caso do Recreio dos Bandeirantes e Jacarepaguá. Em todas essas regiões, as mortes violentas explodiram este ano — enquanto no estado todo a letalidade violenta caiu. Em Santa Cruz, apontada como o QG da milícia, os assassinatos aumentaram 83% este ano (na região, a milícia arrecada até R$ 10 milhões por mês); já Jacarepaguá, onde o grupo vem perdendo domínios para traficantes, as mortes cresceram 156%.

A crise teve como estopim a sucessão pelo controle da milícia após a morte de Ecko. Além de Zinho, que era uma espécie de "gerente de finanças" do grupo, outro integrante passou a postular a chefia do grupo: Danilo Dias Lima, o Tandera, que foi um dos responsáveis pela expansão da milícia em direção à Baixada. A quadrilha, então, se dividiu: Zinho ficou com a Zona Oeste; Tandera, com Nova Iguaçu e Seropédica. Com o racha, os dois grupos passaram a se atacar.

No ano passado, no entanto, Tandera perdeu apoio de seus comparsas — principalmente após a morte de seu irmão, Delson Lima Neto, o Delsinho, durante uma operação — e novos cabeças tomaram seu lugar. Tauã de Oliveira Francisco, o Tubarão, é quem chefia o grupo em Seropédica. Gilson Ignácio de Souza, o Juninho Varão, está à frente da quadrilha que atua em Nova Iguaçu. Já Alan Ribeiro Soares, o Nanan, tenta se estabelecer na Zona Oeste do Rio — território dominado por Zinho. Todos os atuais chefes eram comparsas sob o comando de Ecko. Nenhum deles é policial ou ex-integrante de alguma força de segurança.

Nem sempre foi assim. O grupo foi criado na virada dos anos 2000 por policiais que moravam em Campo Grande e batizada como Liga da Justiça. Na época, os irmãos Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, e Natalino José Guimarães, inspetores da Polícia Civil e lideranças comunitárias locais, juntaram outros policiais que viviam na região — como o então PM Ricardo Teixeira da Cruz, o Batman — e passaram a controlar o transporte alternativo e cobrar taxas da população a pretexto de enfrentar traficantes e ladrões.

Na época em que chefiavam a milícia, Jerominho e Natalino chegaram a ser eleitos: o primeiro foi vereador; o segundo, deputado estadual. Entre 2007 e 2008, com a mudança de rota no enfrentamento aos grupos paramilitares gerada pela CPI das Milícias, da Assembleia Legislativa do Rio, a dupla acabou presa — e o comando do grupo passou para as mãos de uma série de PMs, que se sucederam na chefia.

Entre 2008 e 2014, comandaram o grupo os policiais militares — que acabaram expulsos da corporação — Ricardo da Cruz, Toni Ângelo Souza de Aguiar e Marcos José de Lima Gomes, o Gão, um após o outro, sempre após a prisão do antecessor. O perfil da organização criminosa mudaria a partir da prisão de Gão, em 2014. Com todos os policiais do topo da hierarquia na cadeia, não havia substituto natural. Abriu-se, assim, uma guerra pelo controle do bando — que acabaria transformando a milícia do Rio.

Um dos postulantes à chefia era Carlos Alexandre da Silva Braga, o Carlinhos Três Pontes, o irmão de Ecko. Ele era um ex-traficante que agia na comunidade cujo nome virou seu apelido, em Santa Cruz. Quando a milícia começou a expandir seus domínios pela Zona Oeste, traficantes de favelas, alvo da cobiça dos paramilitares, eram seduzidos e trocavam de lado.

Foi assim que Carlinhos, Ecko e Zinho entraram para a quadrilha. Três Pontes virou uma espécie de braço direito do então chefe, o ex-PM Toni Ângelo, que defendeu seu nome na sucessão de Gão. Os outros ex-chefes presos, no entanto, não aceitavam um ex-traficante e usuário de drogas no comando e foram contra.

Para garantir o controle da milícia, Três Pontes passou a tirar do mapa os concorrentes. Em menos de um mês, cinco integrantes da cúpula da milícia, sendo dois PMs, foram mortos ou desapareceram em circunstâncias suspeitas. Pela primeira vez, a milícia tinha um chefe sem nenhuma ligação com forças de segurança.

No topo da hierarquia, o ex-traficante abriu as portas do bando para a venda de drogas — negócio que não era comum entre milicianos à época, mas que, a partir de então, também passou a ser explorado. Três Pontes foi morto em um confronto com a polícia em 2017, mas o controle da milícia seguiu na família: Ecko seguiu os passos do irmão, neutralizou possíveis ameaças à bala e assumiu o posto — em que permaneceu até 2021, quando também foi morto durante uma operação da Polícia Civil.

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