BRASIL

Militar mata vizinho ao confundi-lo com ladrão no Rio de Janeiro

O sargento da Marinha Aurélio Alves Bezerra deu três tiros em direção a Durval Teófilo Filho, de 38 anos, de dentro do carro

Durval Teófilo Filho foi morto por militar em São Gonçalo, no Rio de JaneiroDurval Teófilo Filho foi morto por militar em São Gonçalo, no Rio de Janeiro - Foto: Reprodução / Agência O Globo

Após um dia longo de trabalho, o repositor de estoque Durval Teófilo Filho, de 38 anos, voltava para casa apressado para tentar encontrar a filha, de 6 anos, ainda acordada. Já era 22h50. A menina não abria mão de ouvir uma história contada pelo pai todas as noites.

A poucos passos do portão do condomínio em São Gonçalo, onde a família mora, o inconcebível aconteceu. Ele foi baleado por um vizinho, que diz tê-lo confundido com um assaltante. O sargento da Marinha Aurélio Alves Bezerra deu três tiros em direção a Durval de dentro do carro.

"Ele ainda atirou depois de meu marido se identificar. Ele não deu chance de defesa. Meu marido sempre andava com a mochila na frente porque tinha medo de assalto. Então, quando ele chegou, foi pegar a chave do portão na mochila e atiraram nele. Ele pediu para parar e foi alvejado mesmo assim", contou a viúva, Luziane Teófilo.

Na opinião dela, houve racismo na morte do marido: "Ele morreu porque era preto. É fácil atirar em um preto mexendo na mochila porque é preto, logo é suspeito. Se fosse um branco, nunca que aconteceria isso. Ninguém atira em um branco mexendo na mochila. Ele vai dizer que não, mas atirou porque era um preto, porque era fácil."
 

O próprio militar levou a vítima para o Hospital Estadual Alberto Torres, na mesma cidade, mas Durval não resistiu aos ferimentos. Luziane contou que, segundo os médicos, o primeiro tiro foi no abdômen, mas o disparo fatal teria sido o segundo, que atingiu a coxa de seu marido. Bezerra foi preso em flagrante. A policiais militares que fizeram a ocorrência, o sargento contou que retornava de viagem e que, ao chegar em casa, na Rua Capitão Juvenal Figueiredo, viu um homem se aproximando de seu carro rapidamente. O militar disse que não o reconheceu e disparou três vezes. O sargento alegou que atirou porque os assaltos são comuns naquela região.

Em seu depoimento na Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSI), Bezerra disse que atirou com as janelas do veículo fechadas. Após disparar três vezes sua pistola calibre .40, o militar se aproximou de Durval, que ainda estava consciente, e perguntou se o repositor de estoque estava armado. Caída no chão, a vítima disse que não tinha qualquer arma — o próprio sargento afirma à polícia que não viu nada nas mãos do homem baleado — e se identificou como morador do condomínio.

O acusado foi indiciado por homicídio culposo. A polícia entendeu que o militar não teve a intenção de matar. O delegado Mario Lamblet, da DHNSI, disse que, por ser militar, Bezerra tem porte de arma. Foi estipulada uma fiança de R$ 120 mil que não tinha sido paga até o fim da tarde de ontem, segundo o site G1. O militar foi transferido para uma unidade da Marinha, que lamentou a morte da vítima.

Casada há 13 anos com Durval, Luziane disse na tarde de ontem que ainda não havia contado sobre a morte do marido para a filha. Segundo ela, a menina era muito apegada ao pai e foi deixada aos cuidados da avó. O enterro acontece hoje no Cemitério Municipal São Miguel, em São Gonçalo.

"Ele era o melhor pai possível, sempre agarrado com ela. O que ela mais gostava era quando ele se sentava e contava historinhas para ela dormir. Mesmo depois de uma jornada de trabalho desgastante, ele fazia questão de ficar com ela. Ontem, quando ele saiu para trabalhar, ela disse que queria ouvir uma história. Ela ficou esperando o pai. Eu, sinceramente, ainda não sei o que fazer. Não tive coragem de contar para ela, não sei como vou fazer", disse a viúva.

Além da família, Durval tinha outra grande paixão: o Botafogo. Torcedor do time, ele queria passar esse amor para a filha. Entre os vizinhos, a vítima também era muito querida. Mesmo trabalhando em um mercado em Niterói, ele era prestativo e costumava estar de olho em problemas estruturais do condomínio, ajudando nos reparos.

Insegurança e uma população extremamente armada estão por trás dessa tragédia, na opinião do sociólogo Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj. Para o especialista, se o militar não estivesse com uma pistola, tudo não teria passado de um susto:

"Esse caso reproduz tragicamente a lógica em que o Brasil está se inserindo. Armas distribuídas à vontade, e as pessoas reagindo a tiro a quem simplesmente corre. Todos já ficamos assustados com alguém vindo em nossa direção, principalmente considerando o ambiente de violência cada vez maior no Rio de Janeiro. Se cada vez que alguém ficar assustado puxar uma arma, vamos viver num faroeste."

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