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SAÚDE

Mimado? Fechado? Mitos e verdades sobre o filho único apontados por especialistas

Ainda que existam muitas diferenças entre os dois tipos de criação, o cenário mundial aponta para um crescimento nas famílias com apenas um filho

Criança em casaCriança em casa - Foto: Pexels

Justina Lucas tem 20 anos, estuda Jornalismo e é filha única. “Nunca foi um problema não ter irmãos. Pude desenvolver uma relação muito forte e íntima com meus pais e posso falar com eles sobre qualquer coisa”, confessa. Ela acrescenta que, segundo suas amigas que têm vários irmãos, a relação com os pais não é tão próxima e há mais proximidade com algum irmão.

Justina nunca sentiu que realmente faltava algo:

– Gostei de crescer como filha única. Se eu gostaria de ter irmãos? Não posso dizer sim ou não porque não conheço outra coisa. Mas conheço pessoas que têm uma relação muito boa com os irmãos. E também outras que se dão muito mal. Quando pequena, seria ótimo se eu tivesse um irmão. Mas isso não aconteceu e não me questiono sobre porque não sinto que me falta nada – afirma.

A universitária diz que conseguiu encontrar o equilíbrio perfeito entre seu mundo interior, já que adora estar sozinha, refletir em silêncio, tocar violão e escrever. Por outro lado, tem um mundo social com suas amigas.

Seus pais foram fundamentais para impulsionar o desenvolvimento dos vínculos além de casa:

– Sempre incentivaram que eu participasse de atividades fora da escola, para que fosse aberta e conhecesse outras pessoas. Me ensinaram a sempre perguntar pelo outro – conta.

 

Ser filho único é uma tendência crescente. Quando escolha, os motivos são tão pessoais quanto variados. É importante considerar que as mulheres têm seu primeiro filho cada vez mais tarde: segundo a Direção Geral de Estatística e Censos (Ministério de Fazenda e Finanças GCBA) da Argentina, em 2009, a idade média das mães de primeira viagem era de 27 anos. O número aumentou e, em 2022, chegou a 31 anos.

Além do desenvolvimento profissional da mulher, que a leva a adiar a chegada do primeiro filho, há outros motivos pelos quais as famílias com um único filho estão crescendo, como o deterioramento econômico do país e várias questões pessoais.

O empurrão dos mais novos
“É importante pensar na história dessa família, se foi uma escolha ter um filho único ou se foi uma realidade com a qual se depararam. Talvez, tenham tido um primeiro filho, buscaram um segundo e não conseguiram. Então, isso apresenta uma situação diferente para elaborar e para lidar como projeto familiar”, afirma Malena Murga, psicóloga clínica. Nesses casos, é bom reconhecer que se desejou ter mais filhos, mas que só um chegou.

Em relação à criação, a psicóloga considera que há diferenças entre filhos com irmãos e filhos únicos.

– Evidentemente, a presença dos irmãos faz com que a mudança de etapas ocorra um pouco mais rápido. Porque o irmão mais velho faz determinadas coisas e o mais novo o empurra. Às vezes, essas etapas de evolução e de ganhar autonomia demoram um pouco mais no caso de famílias com um único filho porque não há esse empurrão, esse impulso dos irmãos mais novos – observa.

Sobre a dinâmica familiar, a psicóloga menciona o subsistema de irmãos que se cria em uma casa com vários filhos.

– Na família, há vários sistemas. Um é o conjunto geral, outro é o casamento e o outro é a comunidade de filhos. O filho único tem que passar pela experiência de ser filho de uma maneira diferente porque não pode fazer alianças, já que não tem irmãos para discutir coisas com os pais – continua.

Segundo Murga, o filho único perde a quantidade de volume e enfrenta o desafio de lidar com a solidão.

– Aqui, os pais influenciam para que esse filho único também aprenda a lidar com essa solidão. É uma realidade com a qual ele teve que lidar. A criança precisa aprender a conviver bem com isso e a desenvolver sua própria vida – acrescenta.

É comum que um filho único peça irmãos ou pergunte por que não os tem e os pais precisem dar respostas, sempre apropriadas para a idade.

– Eles perguntam, pedem porque acham divertido. Depois, talvez se queixem, mas têm a ilusão de ter um irmão. Um par dentro de casa é a expectativa que toda criança tem – observa.

Zona de conforto e segurança, o núcleo familiar é o lugar onde se aprendem muitas das coisas importantes da vida.

– Que te tirem o lugar, que tenha que esperar, perder, ceder, que, hoje, é sua vez e, amanhã, não, a empatia, o que acontece com o outro quando você fica com tudo… É mais fácil aprender tudo isso na zona de máxima segurança e com os pais como referências que podem guiar (’veja como seu irmão ficou quando você ficou com os blocos; o que acha de compartilharmos um pouco?’). Os adultos podem oferecer ferramentas — diz Alejandra Mignani, neuropsicóloga especializada em criação e neurodesenvolvimento.

Ela reconhece que as crianças vão para a creche cada vez mais cedo, onde, no final, essa etapa ocorre, mesmo que não haja irmãos esperando em casa.

De acordo com uma publicação de Alice Goisis, professora de Demografia e subdiretora de pesquisa no Centro de Estudos Longitudinais da University College de Londres, é uma realidade a preocupação dos pais de filhos únicos com o fato de que crescer sem irmãos possa afetar suas habilidades sociais. No entanto, afirma que as pesquisas descobriram “que os filhos únicos não são diferentes de seus colegas que têm irmãos no que diz respeito ao caráter e à sociabilidade”.

Em busca de pares
O conselho de Murga é que os pais de filhos únicos se esforcem para oferecer variados contextos de socialização, além da escola. Essas crianças precisam se movimentar mais e praticar esportes, como futebol e rugby. Não por excesso de atividades, mas por oportunidades de socialização. Ela destaca esportes que desenvolvem trabalho em equipe, empatia, visão e consideração pelos outros.

– Acho que oferecer qualquer alternativa de esporte em equipe ajuda porque ensina, de outra forma, a considerar outras pessoas, a melhorar e a fazer uma boa jogada entre todos.

Na ausência de irmãos, é positivo cercar essa criança com pares. Além dos colegas de escola, se houver primos de idade semelhante, é conveniente que ela compartilhe momentos e estabeleça laços com eles.

Esse é o caso de Romina Mancini, 32 anos, que decidiu ter um único filho para poder dedicar o máximo de tempo possível a Joaquín, agora com 8 anos. Seu esforço na criação se concentra em como cercar o filho com crianças da mesma idade fora da escola.

– Resolvo isso com karatê, escoteiros e atividades sociais. Ele convida muitos amigos e eu frequento amigas com filhos da mesma idade – conta.

Quem enfrentou a mesma situação foi Marta Álvarez, psicóloga de 49 anos e mãe de Liam, de 8 anos. Junto ao marido, esforçou-se para criar uma rede com os pais da escola desde o início.

– A escola dele dá muita ênfase ao aspecto humano, aos vínculos, à solidariedade e ao compromisso com o outro. Gostamos desse enfoque para pensar no crescimento de Liam, especialmente nesta época, onde tudo é computador e videogame. Formamos uma comunidade com outros pais para colaborar com a ideia de que ele não tem irmãos”, afirma Marta.

Ao respeitar o desenvolvimento da independência e da autonomia, é aconselhável investigar o que é benéfico para a criança começar a aprender, mesmo que cometa erros.

– Um pouco de desconforto, ansiedade ou incerteza para adquirir uma habilidade ou conquistar o saber fazer algo faz parte do crescimento – observa Murga.

Quando os pais, por medo de que seus filhos sofram, os superprotegem, “evitam que a criança tenha aquela zona de aprendizado, de ensaio, de acerto e erro, que é necessária para o crescimento”, explica. O importante, diz, é revisar o que aconteceu para que a criança aprenda.

Filho único, filho malcriado? Não precisa ser assim, e isso depende do estilo de criação. Há casos em que os pais, ao ter um único filho, decidem dar-lhe tudo.

– Pode gerar um efeito negativo o fato de que sempre teve tudo e nunca lhe faltou nada. Não teve que esperar, desejar ou gerenciar a frustração de que ainda não chegou. São crianças que, depois, se tornam muito exigentes com elas mesmas – avalia Mignani.

Nesses casos, faltam ferramentas para lidar com a frustração, indica ela.

– Não para todos. Há um pouco de biologia, caráter e personalidade. Também é possível ter um filho único e criá-lo com consciência, sem sobrecarregá-lo – esclarece.

No entanto, na psicologia, é usada a expressão “sua majestade o bebê”. Em algum momento, é aconselhável “sair desse lugar em que todos estão dançando ao ritmo do pequenino”. Não é um mito que eles possam ser mimados”, afirma Mignani. A postura dos pais é determinante: dar tudo o que a criança quer ou ensinar-lhe a esperar, a lidar com a falta de algo.

– Tolerar o acaso, se toca ou não, e esperar vai gerando estratégias de enfrentamento para a vida. Muitas habilidades são prejudicadas se você dá tudo, se preenche todas as lacunas – explica a profissional.

Florencia Florio, ex-modelo e comunicadora, mãe de Cata, 24 anos, considera que, ao ter um único filho, é possível proporcionar mais confortos, uma educação melhor, mais atenção e mais tempo para compartilhar do que se houvesse outros.

– Não vi aspectos negativos na criação dela. Talvez a falta de alguém com quem brincar quando era pequena em casa. Mas não trabalhava e me dedicava a estar com ela, a brincar. Também convidava muitas amigas. A família, os primos e os amigos são fundamentais. Incentivar a amizade é primordial – diz.

Florencia também reconhece:

– Tendemos a mimá-la. Mas somos naturalmente “mimadores”. Se tivéssemos cinco filhos, teria sido o mesmo com todos.

Superproteção e limites
A questão dos limites pode ser mais difícil em famílias com um único filho. Nas consultas, de acordo com Mignani, é possível observar que, ao ter apenas uma criança, os pais têm maior dificuldade em estabelecer critérios.

– Uma mãe deve ser suficientemente boa para acompanhar, consolar, sustentar, olhar e desenvolver um apego seguro, e também suficientemente rígida para estabelecer limites e conter. Isso também constrói segurança e identidade. Quando há um filho único, pode ser mais fácil para as mães não conseguirem ser suficientemente rígidas. Com dois ou três, torna-se mais fácil – afirma a especialista.

Ser filho único não precisa ter conotações negativas. Com pais atentos e que apoiam o crescimento do filho, é possível tirar proveito da situação. Segundo Murga, essas crianças, por exemplo, têm mais chances de ter momentos de jogo sozinho, uma habilidade que, do ponto de vista emocional e psicológico, ajuda a estruturar e desenvolver.

Por outro lado, devido ao ritmo de vida e à alta demanda enfrentada pelos pais, pode não haver sempre tempo de qualidade para passar com os filhos. No entanto, com um único filho, é mais fácil estar atento às necessidades e ao desenvolvimento.

– A atenção se agudiza e se observa o desenvolvimento para identificar também fortalezas, explorar talentos: se ele tem talento para a arte, ouvido musical, habilidade em um esporte… Quando há muitos irmãos, essas coisas costumam se perder ou são percebidas mais tarde, o que exige mais energia para desenvolver essa habilidade – considera Mignani.

No processo de criação de um único filho, é importante ter cuidado para não protegê-lo exageradamente e não retirar sua independência. Sem irmãos, não há outros focos de atenção, e é aí que os pais devem estar atentos para não criar uma relação simbiótica com a criança.

– O vínculo saudável é aquele em que os pais estão ao lado, apoiando, mas entendendo que a criança tem sua individualidade e pode não querer ou desejar as mesmas coisas que eles – continua a psicóloga.

Recomenda-se, então, que a mãe, que trabalhe ou não, tenha outras ocupações além da criação dos filhos.

– Caso contrário, começa-se a gerar um viés de superproteção, anulando a identidade ou formando uma simbiose. Sempre é desejável e muito saudável que a figura materna e paterna tenham algo mais para se ocupar: um hobby, arte, o que for, para que suas vidas não sejam apenas voltadas para criar a criança – finaliza Mignani.

Um irmão é um companheiro de vida
Segundo Mignani, a importância de ter irmãos é principalmente para não estar sozinho. Quando há um desafio, é diferente se houver um irmão ali, observando, defendendo ou aprendendo que isso não se faz, como define a profissional.

– Um irmão é um modelo, uma orientação, esteja você se dando bem ou mal com ele, seja muito mais velho ou muito mais novo. ‘Estamos nisso juntos’. ‘Se papai e mamãe se separarem, ficaremos juntos – aponta a psicóloga.

O irmão também contribui para a formação da identidade. A importância do aprendizado em família é que acontece na zona de máximo conforto e segurança. Outro aspecto importante do aprendizado em família, entre irmãos, é o tempo em que isso acontece.

– Quando pequeno, não se duvida do que acontece em casa. Então, qualquer coisa que se aprende no seio familiar começa a formar sua identidade, valores e é gravada a fogo. A falta de um irmão pode ser compensada com a ida à creche ou ao jardim. Mas, quando o tempo todo, 24 horas por dia, 7 dias por semana, tem que lidar com questões como compartilhar, revezar e respeitar o espaço do outro, isso não é questionado quando é pequeno — ressalta.

Tendência mundial
De acordo com um estudo publicado no The Lancet, até 2100, 97% dos países terão taxas de fertilidade abaixo do necessário para manter suas populações. Talvez antecipando esse cenário, vários países europeus têm oferecido benefícios para aqueles que têm filhos. Na Finlândia, de acordo com cada município, os pais podem receber entre 200 e 11.000 dólares (entre mil e 60 mil reais) por bebê nascido.

Em Taiwan, as mulheres em idade fértil têm, em média, 1,11 filhos; na Coreia do Sul, 1,12; em Cingapura, 1,17. Os países asiáticos lideram a lista dos países com os índices mais baixos de natalidade. No Brasil, a taxa de fecundidade gira em torno de 1,90.

Globalmente, há um declínio progressivo na taxa de natalidade, passando de 2,56 filhos por mulher em 2005 para 2,27 em 2021. No Brasil, foram registradas 2,54 milhões de nascimentos em 2022, uma queda de 3,5% na comparação com 2021. segundo o (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica) IBGE. O fenômeno fez com que fosse alcançado o menor patamar desde 1977.

O contexto do Brasil
Ser filho único não é uma exceção em um mundo onde a baixa natalidade é uma tendência crescente. Um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022 mostrou que o Brasil teve um registro de 2,54 milhões de nascimentos naquele ano. Isso indica a maior queda desde 1977.

A vida de filho único não significa sofrimento
Para a administradora carioca Marianna Fernandes, de 25 anos, até os 9 era um sonho ter um irmão, alguém que pudesse brincar. Mas crescer sendo filha única trouxe para ela aprendizagens sobre não ser egoísta e como socializar com outras crianças da mesma idade.

— Hoje vejo acho uma delícia ser filha única. Na percepção dos meus pais também acho que isso foi positivo, até mesmo financeiramente, porque acabei tendo mais privilégios do que se tivesse tido irmão— explica.

Em relação aos comentários comuns aos filhos únicos, como “você não sabe o que é ter um irmão” ou “ter um irmão é muito melhor”, ela não nunca se incomodou.

— Vejo amigos com irmãos e sei que é um amor muito grande. Mas como nunca tive, não sinto falta. Por isso, quando lembro o quanto se tem a perder também, no caso dos pais precisarem prover para dois ou mais financeiramente, agradeço por ser só eu.

No âmbito pessoal, isso também se refletiu em uma escolha da vida adulta. Marianna planeja ter apenas um filho.

— Depois daquele início da infância, comecei a gostar muito de ser filha única. Por isso, da maneira que eu vejo, também quero garantir que vou proporcionar tudo que eu tive e mais para o meu filho — afirma.

Importância dos recursos emocionais
Segundo a pediatra Liubiana Arantes de Araújo, presidente do Departamento de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), é importante que os pais disponibilizem recursos emocionais para suprir as demandas que aparecem com o crescimento.

— O resultado depende em parte da genética e em parte do ambiente. É importante os pais proporcionarem estratégias e colocarem mais energia para estimular positivamente essa criança — aponta.

Gabriela Crenzel, presidente do departamento de saúde mental da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ), pondera que a presença e atenção dos pais deve ser a mesma independente do número de filhos.

— Os vínculos iniciais que surgem em casa, com um ou mais filhos contribuem muito para o desenvolvimento de saúde mental, capacidade empática e viver bem em sociedade — esclarece.

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