Ministro contraria Ibama e diz que plantação em área indígena não é ilegal
A declaração vai de encontro ao que diz o Ibama, o Ministério Público Federal e até o Ministério da Agricultura.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou neste sábado (16) que a plantação de soja em área indígena embargada que ele visitou na última quarta-feira (13) não é ilegal. A declaração vai de encontro ao que diz o Ibama, o Ministério Público Federal e até o Ministério da Agricultura.
"A plantação não é ilegal, tanto que ela foi feita durante 13 anos. Eles começaram a plantar desde 2005 e de repente, apenas em 2017, é que os órgãos tanto de meio ambiente quanto de controle específicos do estado [do Mato Grosso] foram lá e tomaram posições que vão contra essa atividade indígena que já era feita há 13 anos", declarou ele.
O plantio fica na terra indígena Utiariti, no noroeste de Mato Grosso, o primeiro lugar da Amazônia que Salles escolheu visitar após assumir a pasta, junto da ministra Tereza Cristina (Agricultura). O local, dos índios parecis, faz parte de uma área de 22 mil hectares embargados administrativamente pelo Ibama em junho do ano passado.
O órgão detectou três ilícitos: o cultivo de OGMs (Organismos Geneticamente Modificados) em área indígena, prática proibida pela lei 11.460; o impedimento da regeneração da vegetação nativa; e o funcionamento de atividades utilizadoras de recursos naturais.
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Foram aplicadas multas que somam R$ 133,9 milhões a 17 arrendatários brancos e outros R$ 6,3 milhões a associações indígenas. O arrendamento de terras indígenas é proibido pela Constituição, mas as multas só estão vinculadas a crimes ambientais, já que a questão fundiária extrapola a esfera do Ibama.
Questionado sobre a ilegalidade, Salles manteve a posição de que é desejo do povo indígena trabalhar e de que é preciso respeitar sua autonomia. "O que nós visitamos foi uma demonstração de como os povos indígenas querem se incorporar a atividades que lhes tragam uma melhoria de qualidade, que tragam recursos, e de certa forma são boicotados por uma mentalidade que quer deixar o índio na idade da pedra."
O ministro deu as declarações durante um evento da Marinha no Rio de Janeiro para assinar um compromisso de despoluição da Baía de Guanabara. Participaram também a secretária estadual de Ambiente do RJ, Ana Lúcia Santoro, e representantes da Fundação SOS Mata Atlântica, AquaRio, Museu do Amanhã e Instituto Rumo Náutico.
O embargo administrativo aplicado pelo Ibama naquela região, previsto na lei 9.605, de 1998, proíbe qualquer atividade ou comercialização da produção da área embargada até a celebração de um acordo entre os infratores e instituições do Estado.
Em nota publicada antes da visita dos ministros à terra indígena, o Ministério da Agricultura havia afirmado que o plantio para a safra 2018/19 foi possível graças a um acordo entre o Ministério Público Federal (MPF), o Ibama e a Funai.
Procurado pela reportagem, porém, o MPF em Mato Grosso negou a existência de qualquer acordo para a retomada do plantio. Segundo informação pública disponível no site do Ibama, o embargo também continua em vigor.
Após publicação da reportagem, o Ministério da Agricultura retificou a nota na quinta (14), afirmando que se tratava de um "acordo verbal", pelo qual os parecis poderiam plantar em até 10 mil hectares, desde que sem cultivos transgênicos ou por meio de arrendamento com produtores brancos.
A retificação, no entanto, foi novamente desmentida pelo MPF. Em atualização da nota à imprensa, afirmou que "não houve, na sua presença, nenhum acordo verbal autorizando o plantio e desconhece o prazo ali afirmado para apresentação das informações solicitadas pelo Ibama".
O Ministério da Agricultura fez então uma segunda retificação no texto, desta vez retirando a informação de que o prazo para a entrega dos documentos terminaria na sexta-feira (15). A nota também admite que não houve acordo com o Ibama, mas manteve a afirmação de que um acordo verbal permitiu o plantio em área embargada.
Desde a época em que era deputado federal, Bolsonaro defende que as terras indígenas sejam abertas à exploração agrícola e mineral por não indígenas, atividades proibidas pela legislação atual.
Em entrevista por mensagem na última semana, a liderança indígena Arnaldo Zunizakae confirmou que os parecis plantaram 10 mil hectares de soja na área embargada. Apesar das negativas do MPF e do Ibama, ele insistiu em que obteve autorização dos dois órgãos, sob a condição de que não houvesse a participação de brancos.
Zunizakae afirma que, em sua terra indígena, há 63 aldeias e cerca de 3.000 pessoas e que todos se beneficiam com o lucro obtido pelo plantio mecanizado, que, segundo ele, ocorre há 15 anos. São cinco áreas plantadas, que, somadas, chegam a cerca de 2% do território.