'Moro na quebrada e estudo na universidade mais elitista do país', diz autor de projeto motivacional
Com a ajuda de voluntários, ele mapeou 154 universidades públicas gratuitas e agrupou diversas informações
Sob olhares inquisidores de estudantes de uma escola estadual no interior paulista, um aluno da USP diz que a universidade pública é para eles. "Eu moro na quebrada e estudo na universidade mais elitista do país. Vocês também podem". Ele gagueja, mas traz firmeza no incentivo.
Nascia ali, em 2017, o Salvaguarda, programa idealizado por Vinicius de Andrade, 25, que estuda na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). O projeto apoia a escolha profissional de jovens por meio de motivação, conteúdo e informação.
Para Vinícius, a principal barreira de entrada de jovens de escolas públicas em universidades é a falta de informação. "É comum que eles não saibam como ingressar, como se inscrever para o Exame Nacional do Ensino Médio ou as bolsas oferecidas", explica.
Com a ajuda de voluntários, ele mapeou 154 universidades públicas gratuitas e agrupou diversas informações: história da universidade, cursos, formas de ingresso, localização dos câmpus, programas de bolsas, ações afirmativas e contatos. "Nenhum site do governo faz isso, as opções não são claras", comenta Vinícius. Foram seis meses para compilar todos os dados, que são disponibilizados aos participantes do projeto.
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No Salvaguarda, o aluno tem acesso a um corretor voluntário de redação, um tutor para ajudar a organizar os estudos, grupos de monitoria, atendimento psicológico e contatos de profissionais formados pelas universidades públicas.
"Onde um jovem de periferia encontraria um médico para conversar sobre a profissão?", questiona Vinícius. Na rede de contatos há profissionais espalhados pelo Brasil dispostos a orientá-los sobre carreira e faculdade.
Um dos olhares desconfiados que Vinicius recebeu em sala de aula foi o da estudante Letícia Zanchetta, 19. Em seus últimos anos escolares, ela se dizia acostumada a ouvir broncas de seus professores. "Não tinha incentivo, o estresse deles se transformava em punição", conta.
O acolhimento veio com o Salvaguarda. No projeto, Letícia frequentou "aulões" gratuitos com professores de renome, teve redações corrigidas por voluntários e visitou a Universidade de São Paulo. "Pegávamos o ônibus às 4h da manhã, conhecíamos a universidade e depois ainda almoçávamos no famoso bandejão".
Decidida a ser professora, em 2020 Letícia passou em Letras na Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, e conseguiu bolsa em um programa de iniciação à docência. "O Salvaguarda tira da passividade e nos instiga a arriscar", diz.
Com a pandemia em curso, o projeto se adaptou ao virtual. Eram 40 escolas beneficiadas na região de Ribeirão Preto e, em 2020, o Salvaguarda se abriu para outros estados. "Temos voluntários em todas as universidades públicas do país e capacidade para auxiliar mais de 25 mil alunos", afirma Vinicius.
O esforço para liderar o projeto rendeu uma parada em seus próprios estudos. "Fiz uma aposta na vida ao me dedicar ao Salvaguarda e precisei abrir mão de algumas coisas", conta Vinícius. "Peguei algumas 'DPs' [dependências], mas vou formar".
Como o projeto é totalmente voluntário, capitaneado por ele e pela colega Hariff Barbosa, o estudante chegou a pedir dinheiro emprestado para se manter. Ele pretende tornar o Salvaguarda sustentável nos próximos anos. "Estou no caminho para um negócio social, cobrindo uma deficiência do estado. Quero lançar um aplicativo com versão paga que possa manter o programa".
A demanda por parte dos estudantes existe, como explica Letícia, que trocou o olhar desconfiado por um sorriso contido: "O Vinícius passou pelas mesmas dificuldades que eu. O apoio pedagógico e psicológico fez toda a diferença para eu estar aqui hoje".