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Morte de líder do Hamas no Líbano cria preocupação com expansão do conflito de Gaza pela região

Assassinato de Saleh al-Arouri durante ataque a drone em Beirute gera ainda mais instabilidade

Alto líder do Hamas, Saleh al-Arouri foi assassinado em Beirute Alto líder do Hamas, Saleh al-Arouri foi assassinado em Beirute  - Foto: Reprodução

Os países e territórios ao redor de Israel e Gaza atingiram um ponto alto de tensão, nesta quarta-feira, um dia após a morte de Saleh al-Arouri, número 2 da ala política do Hamas, em um ataque a drone no sul de Beirute. As forças israelenses aumentaram o nível de alerta, diante de represálias do Hezbollah — grupo xiita libanês aliado do Hamas — pelo ataque contra a capital do Líbano. Autoridades libanesas revezaram-se entre condenar o ataque e tentar conter que extremistas lancem um ataque em larga escala contra o país vizinho, agravando ainda mais o conflito regional. O cenário interno para Israel também é cada vez mais tenso — com alerta dos EUA de que o ataque pode ter fechado a porta para uma negociação com o Hamas para libertação de reféns, bem como o acirramento do extremismo nos territórios palestinos, com convocatórias para que cidadãos de Gaza e Cisjordânia se juntem à luta do Hamas.

A expansão do conflito pela região é uma preocupação central para governos envolvidos direta ou indiretamente na crise do Oriente Médio. Embora a guerra já tenha consequências internacionais visíveis — como a criação de uma coalizão de defesa para responder a ataques de rebeldes Houthis, do Iêmen, contra embarcações comerciais no Mar Vermelho, em uma demonstração de "solidariedade" ao Hamas — a declaração de guerra de um Estado árabe como o Líbano contra Israel elevaria o conflito ao patamar de um conflito entre países, não apenas uma ação militar contra um grupo terrorista.

Apesar da tensão crescente, a reação inicial em Beirute aponta para uma vontade política de evitar um confronto aberto com Israel. O primeiro-ministro do Líbano, Najib Mikati, anunciou que apresentaria uma queixa “urgente” ao Conselho de Segurança da ONU sobre o ataque contra sua capital, que deixou outros sete mortos. Embora tenha qualificado a explosão que matou al-Aruri como um “novo crime” de Israel, a sinalização do chefe de governo de uma solução chancelada pela comunidade internacional soa como um sinal de moderação.

Nos bastidores, a atuação das autoridades libanesas também demonstram uma preocupação com uma escalada do conflito. O ministro dos Negócios Estrangeiros libanês, Abdallah Bou Habib, afirmou que está em diálogo com a milícia do Hezbollah para que não haja uma resposta ao ataque a Beirute, classificando as próximas 24 horas como fundamentais para entender se o grupo xiita aceitaria ou não a recomendação.

"Estamos muito preocupados. Os libaneses não querem ser arrastados, nem mesmo o Hezbollah quer ser arrastado, para uma guerra regional" disse o ministro, em entrevista à rede britânica BBC.

Líbano e Israel estiveram em guerra em 2006, quando milicianos do Hezbollah cruzaram a linha que divide os dois países e sequestraram militares do país vizinho. Após quase um mês de guerra, e cerca de 1,2 mil libaneses e 157 israelenses mortos, os países alcançaram um cessar-fogo. O secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, anunciou um pronunciamento para a noite desta quarta-feira. Ele não antecipou o que estaria em pauta ou a posição do movimento sobre o pedido de uma reação comedida do governo.

Do lado israelense, as principais autoridades não admitiram diretamente o ataque em Beirute — embora também não tenham negado a autoria. Em um comentário publicado nas redes sociais das Forças Armadas de Israel, o porta-voz militar Daniel Hagari afirmou que as o país está em "um estado muito elevado de preparação" para atacar ou se defender de qualquer ameaça.

"Nós estamos altamente preparados para qualquer cenário. A coisa mais importante a se dizer nesta noite é que nós estamos focados e permaneceremos focados em lutar contra o Hamas", afirmou.

 

Desde o começo do conflito, Israel estabeleceu como objetivo militar a aniquilação do Hamas de Gaza, e a criação de um novo parâmetro de segurança para a região, após o atentado terrorista de 7 de outubro, que o governo estima ter matado 1,4 mil pessoas. Cento e vinte israelenses ainda são mantidos em cárcere em Gaza.

Após meses de guerra, autoridades militares e políticas apontam que o conflito, que já resultou na morte de 22.313 pessoas em Gaza, de acordo com o Ministério da Saúde administrado pelo Hamas, ainda vai se estender por um longo período. Cento e vinte pessoas seguem cativas em Gaza.

Entrave nas negociações
A eliminação do principal líder do Hamas morto desde o começo do conflito e a possível expansão do conflito fizeram surgir apelos de diversas frentes para que o trabalho de negociação entre Israel e Hamas fosse intensificado — algo que parece mais complexo diante da nova crise.

A Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL) expressou "profunda preocupação" com a escalada de tensões na região e clamou pela abertura de novos canais diplomáticos. De acordo com a porta-voz da iniciativa da ONU, qualquer potencial escalada poderia ter consequências "devastadoras" para as pessoas dos dois lados da Linha Azul — que divide os dois países. 

"Continuamos a implorar a todas as partes por um cessar-fogo e a todos os interlocutores com influência que exortem à contenção" disse Kandice Ardiel, nesta quarta-feira.

O que se vê um dia depois do ataque, porém, é um cenário menos aberto a uma saída dialogada. O governo do Egito informou, nesta quarta, que congelou o seu papel de mediador entre o Estado Judeu e as fações palestinas nas negociações de reféns, informaram fontes egípcias. Um alto funcionário do governo dos EUA ouvido pelo The New York Times afirmou que o assassinato de al-Aruri provavelmente atrasaria as conversas sobre um acordo para troca de reféns.

“Sinwar está sentindo o laço apertar e não sei se ele estará disposto a prosseguir com o que estava sendo negociado”, disse o funcionário, referindo-se ao líder do Hamas, Yahya Sinwar. Ele falou sob condição de anonimato com a publicação americana para discutir avaliações internas do governo.

Após o ataque, tanto em Gaza quanto na Cisjordânia foram registradas convocações públicas à população para se unirem a manifestações e à luta armada contra Israel.

Impacto limitado para o Hamas
Embora o assassinato de Saleh al-Arouri prive o Hamas de um dos seus estrategistas mais qualificados, analistas apontam que sua morte não é um golpe fatal para a organização, que se reconstruiu repetidamente após perder seus líderes.

"Dentro do Hamas, há sempre uma certa hierarquia e a substituição é muito tranquila. Dentro do Hamas, a personalidade não é a fonte do poder" explicou Imad Alsoos, pesquisador no centro MECAM da Universidade de Túnis, acrescentando que a eliminação de dezenas de líderes do grupo palestino ao longo das décadas tornaram o grupo ágil, criando um sistema que fortaleceu a legitimidade de uma cadeia de liderança através de eleições e de participação na organização.

Apesar de não inutilizar o grupo terrorista, pesquisadores apontam que a perda de al-Arouri é um baque para o Hamas, que perde um articulador com todos os parceiros externos da organização.

"O Hamas irá sofrer porque perdeu um dos seus principais estrategistas" disse Emile Hokayem, diretor de segurança regional do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.— Ele era alguém que administrava bem as relações políticas de alto nível e também tinha credibilidade como comandante.

Por outro lado, Hokayem afirma que o principal problema para o Hamas será a reconstrução de suas capacidades militares, profundamente afetadas pela ofensiva esmagadora de Israel em Gaza.

"[O Hamas] provavelmente ficará mais dependente do apoio estrangeiro à medida que a sua base na Palestina enfraquece" acrescentou.

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