Morte e desespero reinam no campo de refugiados de Jabaliya, em Gaza
Contínuas interrupções nas comunicações aumentam exponencialmente a angústia de palestinos que vivem em meio à privação e à guerra
Um dia depois que um ataque aéreo israelense atingiu um bairro densamente povoado da Faixa de Gaza, os palestinos que tentaram entrar em contato com seus familiares para saber o que aconteceu foram recebidos com um silêncio enervante.
Às vezes, os telefones tocavam e ficavam sem resposta. Outras, as pessoas que ligavam eram recebidas com uma sombria mensagem gravada: "O contato com a amada Faixa de Gaza foi perdido como resultado da agressão em curso", dizia uma voz. "Que Deus proteja Gaza e seu povo".
Leia também
• Hamas anuncia 27 mortes em bombardeio israelense perto de escola da ONU em Gaza
• Mais estrangeiros deixam Gaza e número de vítimas de bombardeios segue aumentando
— Isso está ficando mais insano a cada dia — disse Yousef Hammash, um funcionário do Conselho Norueguês de Refugiados que nasceu no bairro de Jabaliya, atingido pelo ataque aéreo, na quarta-feira.
Para Hammash, que agora está se abrigando no sul de Gaza, as contínuas interrupções nas comunicações estão aumentando exponencialmente a angústia de viver em meio à privação e à morte.
Sousan Hammad, de 38 anos, escritora e professora no bairro do Brooklyn, em Nova York, contou que estava tentando freneticamente entrar em contato com os membros da família em Jabaliya. Seu pai cresceu em Gaza e, nos últimos dias, ela conseguiu falar com alguns familiares na região, transmitindo suas mensagens aos parentes nos Estados Unidos.
Então veio o ataque aéreo. Os militares israelenses disseram que haviam matado um líder do Hamas que ajudou a planejar o ataque de 7 de outubro que vitimou mais de 1.400 pessoas em Israel e que o bombardeio havia atingido uma rede de túneis do grupo armado palestino que, segundo eles, estava sob a área residencial.
As últimas mensagens de WhatsApp de Hammad para seu primo Ahmed, 31, que lhe havia dito que estava hospedando dezenas de pessoas em um apartamento de quatro quartos, não foram lidas.
— Ainda não tive notícias dele — disse ela. — É horrível. Estou presumindo o pior e não sei o que fazer, a não ser esperar.
Na quarta-feira, o bairro devastado, onde as autoridades locais dizem que dezenas de pessoas foram mortas e centenas ficaram feridas no ataque do dia anterior foi atingido novamente. O Ministério do Interior de Gaza informou que "várias pessoas" foram mortas ou ficaram feridas.
Vídeos verificados pelo New York Times capturaram as consequências de um ataque aéreo na quarta-feira no bairro de Jabaliya, em Fallujah, a cerca de 800 metros do local do ataque da véspera. A destruição mostrada é de magnitude semelhante, com vários prédios grandes completamente arrasados. Equipes de resgate e moradores podem ser vistos cavando entre os escombros e carregando o que parecem ser pessoas feridas e mortas, inclusive crianças.
O Exército israelense confirmou à CNN que uma explosão na quarta-feira no bairro de Jabaliya foi causada por um ataque aéreo.
"Hoje cedo, com base em inteligência precisa, os caças da IDF atingiram um complexo de comando e controle do Hamas em Jabaliya", disse o comunicado, referindo-se às Forças Armadas de Israel. "Podemos confirmar que os terroristas do Hamas foram eliminados no ataque".
Contatado pelo New York Times, porém, um porta-voz do Exército disse que não tinha conhecimento da declaração dada à CNN.
As comunicações interrompidas dificultaram na quarta-feira o contato com sobreviventes, médicos ou equipes de resgate para avaliar o número de mortos em Jabaliya, que fica no norte de Gaza. Dois dos maiores provedores de telecomunicações da Faixa de Gaza disseram que as linhas pareciam estar novamente desconectadas, como aconteceu por 34 horas depois que Israel iniciou sua invasão terrestre na sexta-feira.
Na quarta-feira, partes da comunidade eram um quadro de destruição e desespero. O Ministério do Interior de Gaza disse que o ataque havia destruído um bloco residencial inteiro. Na noite anterior, as imagens mostraram fileiras de corpos em lençóis alinhados do lado de fora de um hospital próximo.
Um morador de Jabaliya, Ameen Abed, 35, contou na quarta-feira que, por volta das 16 horas do dia anterior, ouviu uma série rápida de quatro fortes explosões. O céu se encheu de destroços e o chão tremeu.
— Havia apenas o cheiro de cadáveres e pólvora — disse ele.
O ataque a Jabaliya intensificou as críticas internacionais à contraofensiva de Israel em Gaza, que se seguiu a um ataque do Hamas em 7 de outubro. Autoridades locais afirmam que mais de 8.800 palestinos foram mortos desde o início do conflito. Não foi possível confirmar de forma independente essas informações.
Apesar de ser designada como um campo de refugiados, Jabaliya é uma comunidade desenvolvida que abriga palestinos e seus descendentes que fugiram ou foram expulsos de suas casas na década de 1940 durante o conflito que deu origem à formação do Estado de Israel.
Segundo Hammash, o trabalhador humanitário, o ataque aéreo de terça-feira atingiu o coração da comunidade densamente povoada.
Israel responsabilizou o Hamas pelo número de mortes de civis em Gaza, dizendo que o grupo está usando os palestinos como escudos humanos. O governo israelense observa que alertou repetidamente os residentes para se retirarem do norte nos últimos dias. Mas muitos que saíram descobriram que ainda estavam na linha de fogo, e especialistas em direitos humanos dizem que aconselhar os civis a sair não significa que Israel possa atacar à vontade.
— O aviso não isenta as partes da obrigação de proteger os civis — disse Omar Shakir, diretor da Human Rights Watch para Israel e Palestina. — Os civis que não saírem ainda devem ser protegidos.