Motivações do golpe de Estado militar em Mianmar
Os eventos de segunda-feira despertam lembranças ruins entre os birmaneses que viveram sob o jugo da ditadura militar durante quase 50 anos desde a independência do país
Um dia depois do golpe de Estado em Mianmar, os especialistas se perguntam sobre as motivações dos militares e evocam o risco de isolamento internacional, uma crise econômica agravada pela pandemia e ver um sistema político historicamente controlado pelo Exército vacilar.
"O golpe de Estado foi uma surpresa", afirma Sophie Boisseau du Rocher, do Instituto Francês de Relações Internacionais. "Houve atritos entre o governo civil e os militares por um longo tempo, mas não pensávamos que agiriam tão repentinamente".
Os eventos de segunda-feira (1º) - presença de soldados e veículos blindados ao redor do Parlamento, prisão domiciliar de Aung San Suu Kyi, chefe de Estado do país, e a onda de prisões - despertam lembranças ruins entre os birmaneses que viveram sob o jugo da ditadura militar durante quase 50 anos desde a independência do país, em 1948.
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Os generais justificaram seu golpe com as irregularidades nas eleições parlamentares de novembro, vencidas majoritariamente pela Liga Nacional para a Democracia (LND), o partido de Aung San Suu Kyi, irregularidades que foram desmentidas pela comissão eleitoral.
O golpe desencadeou várias reações internacionais, incluindo a do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que ameaçou com sanções.
Mais de 750 mil rohingyas fugiram em 2017 dos abusos do Exército para se refugiar em Bangladesh, uma crise que levou Mianmar a ser acusada de "genocídio" na Corte Internacional de Justiça (CIJ), o principal tribunal da ONU.
O golpe também destrói o frágil equilíbrio entre o governo civil e os militares, que era em grande medida favorável aos militares.
O Exército elaborou uma Constituição, aprovada em 2008, que lhe permite manter um forte controle da política birmanesa, mesmo quando não está no poder.
Os militares controlam três ministérios (Exército, Segurança Interior e Fronteiras) e 25% dos cadeiras do Parlamento e também estão presentes, através de poderosos conglomerados, na economia do país.
"A relação entre o governo e o Exército era complicada", afirma à AFP Hervé Lemahieu do instituto Lowy na Austrália. "Este regime híbrido, não autocrático totalmente, nem completamente democrático, foi derrubado sob o peso de suas próprias contradições".
Havia inúmeros pontos de discórdia. Aung San Suu Kyi não era elegível para o posto de presidente, segundo a Constituição. Mas o cargo que foi inventado para ela (Conselheira de Estado) para dirigir de fato o país não agradou os generais.
Também houve divergências sobre as negociações de paz com as facções rebeldes e a reforma constitucional, a qual o Exército se opôs e que era uma prioridade da nova legislatura para a LND.