"Discussão não seria pelo valor" de R$ 7, diz defesa de PM que matou motociclista por aplicativo
Segundo sargento permanece preso no Creed. SDS abriu processo administrativo que pode resultar na expulsão de Venilson Cândido da Silva
A defesa do segundo sargento da Polícia Militar de Pernambuco Venilson Cândido da Silva afirmou que a discussão antes do disparo que matou o motociclista por aplicativo Thiago Fernandes Bezerra não teria sido motivada pelo valor da corrida, de R$ 6,98.
Imagens de câmera de segurança instaladas em frente ao condomínio onde o policial mora, em Camaragibe, na Região Metropolitana do Recife (RMR), mostram o momento do crime, que aconteceu no último domingo (1º).
"A discussão não seria pelo valor, até porque o valor estaria estampado no aplicativo antes de você começar a corrida. Você não discute com o Uber moto ou Uber carro normal o valor. O valor não é estipulado nem por uma parte nem pela outra, não é isso? Então não haveria o que se discutir sobre o valor. Ele abre a carteira com muita clareza. A partir daí, há uma discussão e a gente não sabe as circunstâncias desse disparo", argumentou em fala à Folha de Pernambuco, o advogado de Venilson, Jethro Ferreira.
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Antes do disparo, as imagens mostram o motociclista parando a moto em frente ao condomínio residencial e o policial descendo da garupa do veículo. Em seguida, o PM tira a carteira do bolso e a abre. Thiago desce da moto e os dois começam a discutir.
É possível ver também Thiago empurrando o policial, que saca a arma. Venilson então atira contra Thiago, que cai morto no chão.
A sequência do vídeo mostra o policial indo em direção ao condomínio e voltando para deixar o capacete perto do motociclista.
O policial foi espancado por populares e, antes de ser levado à delegacia, foi atendido em um hospital.
Veja parte da sequência no vídeo a seguir. As imagens são fortes.
A Associação Pernambucana dos Cabos e Soldados, Policiais e Bombeiros Militares (ACS-PE) assumiu a defesa de Venilson Cândido da Silva e está prestando assistência jurídica ao segundo sargento, que é associado à entidade.
O policial militar passou por audiência de custódia realizada pela Central de Flagrantes da Capital, na segunda-feira (2), e teve a prisão em flagrante convertida para preventiva. Ele foi encaminhado para o Centro de Reeducação da Polícia Militar (Creed), localizado em Abreu e Lima, na RMR.
Segundo o advogado Jethro Ferreira, o delegado responsável pelas investigações do caso tem um prazo de dez dias para concluir o inquérito.
"O prazo com o acusado preso é de dez dias. Em seguida, [o delegado] deverá mandar o inquérito para o Ministério Público. Por sua vez, em se tratando de réu preso, [o MP] tem cinco dias para oferecer denúncia ou não. Certamente vai oferecer", completou o advogado, acrescentando:
"E a partir daí é que estará concretizada a acusação. Na verdade, a acusação hoje é uma coisa vaga. Há um vídeo que é um indício muito forte da prática de um crime, mas as circunstâncias desse crime só serão esclarecidas com a conclusão do inquérito policial".
Em nota, o advogado da ACS-PE reforçou lamentar o ocorrido e citou o direito à defesa do PM.
Leia a íntegra de nota assinada pelo advogado de defesa
A Associação Pernambucana de Cabos e Soldados - ACS, ao tempo em que lamenta o ocorrido e expressa condolências aos familiares da vítima, informa que está prestando assistência jurídica ao PM associado, para que o mesmo tenha um julgamento justo, observados o contraditório e a ampla defesa, constitucionalmente assegurada.
No momento, quaisquer conclusões são prematuras, e a defesa vai aguardar a conclusão do inquérito policial e presumível denúncia do Ministério Público.
Jethro Ferreira
Advogado
Despedida
O velório e o enterro de Thiago Fernandes Bezerra foram realizados no Cemitério Municipal de Camaragibe, na segunda-feira.
O pai de Thiago, Sérgio Luiz, expressou seu sentimento de revolta pela morte do filho e cobrou providências por parte das autoridades responsáveis.
"Meu filho não teve nem chance de defesa. É muito triste. Ele [o policial militar] foi cruel comigo, com a mãe e com a família toda. Isso foi uma covardia. Esse cara não pode ficar solto de jeito nenhum. Da mesma forma que ele fez com meu filho, vai fazer com outra pessoa. Foi uma coisa que não tem explicação, não existe legítima defesa. Foi um tiro à queima-roupa. Todo mundo viu nas imagens a crueldade", disse.
Sindicato reclama das condições de trabalho
O Sindicato dos Trabalhadores, Empregados e Autônomos de Moto e Bicicleta por Aplicativo do Estado de Pernambuco (Seambape) informou, em nota no Instagram, que a corrida feita por Thiago custou R$ 6,98.
O presidente do Seambape, Rodrigo Lopes, disse, no vídeo publicado, que "a morte de um trabalhador de aplicativo por um motivo fútil é um retrato cruel da desumanização e da negligência com quem move nossa sociedade".
"Thiago foi assassinado covardemente pelo policial militar, que se recusou a pagar R$ 7. Não é por ser um policial militar, poderia ser qualquer outro cidadão que estivesse em poder de uma arma de fogo ou, até mesmo, de uma arma branca. Além de se submeter ao preço que a plataforma quer, tem que se submeter ao luxo de um passageiro, que quer um serviço de luxo e determinar a forma que ele quer pagar", reclamou Rodrigo Lopes.
Corregedoria abre processo
A Corregedoria Geral da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS-PE) instaurou processo administrativo disciplinar contra o segundo sargento da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) Venilson Cândido da Silva pela morte do motociclista por aplicativo Thiago Fernandes Bezerra, em Camaragibe.
Por meio de nota enviada à Folha de Pernambuco, a SDS-PE informou que houve a instalação do Conselho de Disciplina para julgar a conduta do policial.
Também no conselho, o caso será apurado, segundo a secretaria.
“A SDS-PE reforça que o acusado foi preso em flagrante delito, responderá pelo crime cometido e reafirma que esse tipo de atitude é uma exceção dentro da Polícia Militar”, diz trecho da nota da SDS-PE.
A pasta ainda esclareceu que outras informações serão repassadas após a conclusão do processo administrativo.
Esse processo pode resultar na expulsão de Venilson Cândido da Silva do quadro da Polícia Militar de Pernambuco.