Movimentos de moradia denunciam à ONU remoções durante a pandemia
Desde março, 12 ações afetaram 2 mil famílias, diz documento
Movimentos de moradia do estado de São Paulo enviaram uma denúncia à Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a remoção de ocupações que tem ocorrido durante a pandemia do novo coronavírus.
Segundo a denúncia, foram pelo menos 12 ações que, desde março, afetaram 2 mil famílias. De acordo com a vice-presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Graça Xavier, os relatos foram encaminhados ao relator da ONU para Moradia Adequada, Balakrishnan Rajagopal.
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“O que temos visto no estado de São Paulo, na prática, é a continuidade e efetivação de remoções forçadas de populações, fazendo com que mulheres, em muitos casos, gestantes, homens, crianças, idosos, pessoas portadoras de deficiência e outras comorbidades fiquem expostos à violência da remoção e da falta de moradia, acrescida da exposição ao novo coronavírus”, enfatiza a denúncia.
Apelo
O documento chama a atenção para a necessidade de magistrados se sensibilizarem neste momento, evitando autorizar a remoção de famílias. “Diante da gravidade dessas remoções e das repercussões irreversíveis que provocam na vida dos atingidos, é urgente a sensibilização do Poder Judiciário, bem como dos demais órgãos do sistema de justiça, pela suspensão de todas as remoções", diz a denúncia.
No texto enviado às Nações Unidas, os movimentos de moradia e entidades de defesa pedem ações efetivas do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para a suspensão de despejos e remoções coletivas no estado.
O Condepe enviou ofício ao TJSP chamando a atenção para essa situação, e a Defensoria Pública estadual solicitou ao Conselho Superior da Magistratura do tribunal a suspensão do cumprimento de ordens de remoção durante a pandemia do novo coronavírus, causador da covid-19. O pedido não foi aceito, e a argumentação dos defensores se tornou uma nota técnica, que pode ser usada para embasar as decisões dos magistrados, que continuam avaliando as situações caso a caso.
O documento endereçado à ONU tem como autores o Observatório de Remoções, a União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e Ribeirão Preto, o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, a Associação Rural Renascer da Estação Remanso dos Pequenos Agricultores de Araras, a Central de Movimentos Populares e o Movimento Sem Teto do Centro.
Ainda sob risco
De acordo com a denúncia, há pelo menos seis ocupações sob risco de despejo devido a ordens de reintegração de posse já emitidas. Na Avenida Rio Branco, no centro de São Paulo, 20 famílias temem ser mandadas para a rua por causa de uma dessas decisões judiciais. “A gente não quer ficar na rua com os nossos filhos”, afirma a desempregada, Janaína Xavier, uma das ocupantes do prédio.
Janaína conta que ocupou o imóvel por não ter conseguido mais pagar o aluguel. A situação é a mesma de outras pessoas que estão no edifício. “Antes da pandemia, a gente já passava um pouco de dificuldade, por morar no centro e o aluguel ser caro, e a gente não ter muitas condições”, acrescenta Janaína, cuja situação agravou-se com a perda de renda provocada pelas medidas de isolamento social.
Na decisão que determinou a remoção das famílias, o juiz Antonio Carlos Negreiros afirma que a ocupação coloca em risco os locatários do espaço térreo do edifício. “As condições de habitabilidade e segurança antes existentes” não podem ser preservadas “em uma situação de invasão generalizada do prédio por terceiros”, afirma o juiz.
A reportagem da Agência Brasil entrou em contato com o Tribunal de Justiça de São Paulo na manhã desta sexta-feira (26) e ainda aguarda resposta.