MP português pode ter confundido premier com ministro ao transcrever uma das escutas em investigação
Ministério Público teria dezenas de escutas nas quais premier é citado
O Ministério Público (MP) de Portugal pode ter trocado o nome do primeiro-ministro António Costa na transcrição de uma das escutas da operação Influencer, que levou o governante do Partido Socialista (PS) a pedir demissão há uma semana, na esteira de um escândalo de corrupção.
Costa é investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça por suspeitas de supostas irregularidades em contratos do governo. A Procuradoria-Geral da República informou que a suspeita sobre o primeiro-ministro é que ele tenha feito “intervenção para desbloquear procedimentos” em negócios de extração e exploração de lítio em minas portuguesas e de hidrogênio verde.
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O nome do primeiro-ministro teria sido confundido em uma das transcrições com o de António Costa Silva, ministro da Economia. O possível erro foi revelado à imprensa pelo advogado Manuel Magalhães, que faz a defesa do consultor de empresas Diogo Lacerda Machado. O consultor e o ex-chefe de Gabinete de Costa, Vitor Escária, são investigados por tráfico de influência.
Magalhães disse aos jornalistas que o MP teria admitido a troca durante audiência fechada à imprensa. O erro teria sido apontado por Machado, que ficou conhecido em Portugal por ser o melhor amigo de Costa. O MP, no entanto, não veio a público comentar o assunto desde que ele veio à tona no domingo.
Na transcrição da escuta revelada na última semana, Machado conversa com o então diretor da empresa Start Campus, Afonso Salema, investigado por tráfico de influência e oferta indevida de vantagem. A companhia é responsável pela instalação de um centro de dados gigante na cidade de Sines, que também está sob suspeita de ter obtido vantagem do governo. Salema pleiteava a mudança da atividade econômica da empresa.
Após o pedido de Salema, Machado teria dito, segundo a transcrição do MP. “Tá bem. Eu vou decifrar se é (o Ministério da) Economia ou (das) Finanças. Se for Finanças, falo logo com o (ministro Fernando) Medina ou com o António Mendes, que é o secretário de Estado. Se for Economia, arranjo maneira depois de chegar ao próprio António Costa”.
Na transcrição dessa ligação feita em agosto de 2022, o MP teria cometido o erro, segundo o advogado, de omitir o sobrenome de Silva, gerando a confusão com o primeiro-ministro homônimo.
A operação Influencer investiga supostas irregularidades nos contratos para exploração, por empresas privadas, de lítio e produção de hidrogênio verde, cruciais para a transição energética da União Europeia.
Apesar de o suposto erro ter sido divulgado no domingo, o MP não nega nem confirma as informações do advogado Manuel Magalhães. Procurado pelo Globo, o MP ainda não respondeu e remeteu apenas nota e comunicado escritos antes da revelação feita por Machado. O MP teria dezenas de escutas nas quais o primeiro-ministro é citado, e a suposta confusão teria ocorrido em uma delas.
"Os lapsos, quando são involuntários, não têm gravidade nenhuma sob o ponto de vista subjetivo, têm apenas gravidade sob o ponto de vista objetivo. Se foi intencional ou não, eu não faço essa injúria ao Ministério Público", afirmou o advogado de defesa de Machado.
O primeiro-ministro demissionário segue no cargo de maneira interina até as eleições, que foram antecipadas para março de 2024 após a eclosão do escândalo. Costa não se manifestou a respeito do possível erro do MP. O processo no qual é investigado corre de maneira autônoma no Supremo.
Para o sociólogo António Costa Pinto, o primeiro-ministro tomou a decisão correta ao entregar o cargo após oito anos no poder e cabe agora cabe ao MP apresentar indícios fortes para sustentar a investigação.
— Perante ofensiva da Justiça, a demissão (do premier) era a única solução, tendo em vista o que viria a seguir devido à relação muito próxima com os envolvidos na investigação — disse Pinto, acrescentando, sobre o suposto erro: — O MP tem uma enorme vantagem, que é a autonomia. Não responde perante os cidadãos, mas esperamos, em nome da democracia, que existam indícios bem mais fortes. Se não for o caso, o MP é responsável por uma das maiores crises da nossa democracia.