Mpox: entenda por que é difícil avaliar o perigo da doença
Diferentes sistemas de saúde e contextos populacionais influenciam nas taxas observadas nos surtos e dificultam análise sobre potencial do Clado 1b de ser mais mortal
O quão perigosa de fato é a mpox? Enquanto a preocupação mundial com a disseminação da doença, as respostas são menos claras do que alguns números podem sugerir.
A mpox, classificada novamente como uma emergência internacional pela Organização Mundial da Saúde ( OMS), apareceu entre humanos por volta de 1970 na República Democrática do Congo (RDC).
Durante décadas, a doença permaneceu limitada a cerca de uma dezena de países africanos e tinha uma mortalidade muito incerta, estimada entre 1% e 10%, a depender da cepa (também chamada de clado).
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Essa incerteza se acentuou em 2022, quando a doença se espalhou para o resto do mundo pela primeira vez. Nos novos países, especialmente nos ocidentais, a mortalidade mostrou-se muito baixa: cerca de 0,2%.
Essas flutuações têm várias explicações.
Primeiro, o contexto de saúde é diferente nos países africanos, onde a doença esteve presente por muito tempo, em comparação aos países ocidentais, onde surgiu recentemente.
— A periculosidade para os seres humanos depende muito da qualidade dos cuidados (de saúde) na região onde vivem — destaca o virologista Antoine Gessain, especialista na doença.
Ou seja, um paciente terá muito mais chances de receber um tratamento rápido e adequado na Europa ou nos Estados Unidos do que na maioria dos países da África, o que interfere na taxa de letalidade em cada lugar.
Portanto, é muito provável que a mortalidade alta de 3,6% atualmente observada na RDC, epicentro da epidemia em curso, fosse muito mais baixa se o vírus tivesse começado a circular ativamente em países ocidentais.
Crianças desnutridas
O contexto da epidemia também influencia a disseminação: alguns pacientes são muito mais vulneráveis do que outros.
As mortes registradas na RDC – mais de 500 entre cerca de 15 mil casos – são, em sua maioria, de crianças, em um país onde a desnutrição é significativa.
Em contraste, as mortes na epidemia de mpox de 2022-2023 pelo mundo – cerca de 200 de aproximadamente 100 mil casos – ocorreram entre adultos com sistema imunológico comprometido pelo HIV.
Esses perfis diferentes se explicam não apenas pela geografia, mas também pelos modos de transmissão, que variam de acordo com as epidemias. A de 2022-2023 se propagou principalmente através de relações sexuais entre homens homossexuais ou bissexuais.
Outro fator que adiciona uma camada de complexidade é que a mpox é causada por diferentes variantes do vírus, chamadas de clados, e é difícil determinar suas diferenças intrínsecas em termos de periculosidade e transmissão.
Comparações complicadas
A epidemia de 2022-2023 foi causada por uma versão do Clado 2, ativo principalmente na África Ocidental, mas também no Sul desse continente. Atualmente, o surto mortal na RDC é provocado pelo Clado 1, que se concentra na África Central.
Mas isso não é tudo. Há dois surtos em andamento na RDC, um pelo Clado 1 original, chamado de 1a, afetando principalmente crianças, e outro, que afeta principalmente adultos, causado por uma nova versão chamada de Clado 1b.
— Vemos declarações bastante categóricas sobre a gravidade ou severidade da nova sublinhagem 1b, quando não há muito que a respalde agora — diz a virologista holandesa Marion Koopmans em entrevista publicada no site britânico Science Media Centre.
— O que sabemos é apenas que o Clado 1 é normalmente associado a doenças mais graves do que o Clado 2 — complementa.
De fato, as epidemias do Clado 1 estão historicamente associadas a uma mortalidade mais alta do que as vinculadas ao Clado 2. Mas, mesmo nesse aspecto, alguns pesquisadores pedem cautela.
A questão é crucial, já que o Clado 1b foi detectado pela primeira vez fora da África, na Suécia e na Tailândia.
Mas, entre os diferentes clados, "a comparação é muito complicada, já que o contexto e o tipo de população em risco são importantes: como comparar crianças desnutridas com adultos com HIV?", insiste Gessain.