Mpox: qual o risco da nova cepa mais letal que acendeu o alerta da OMS chegar ao Brasil?
Comitê de emergência da organização vai avaliar se alta de casos e nova linhagem representam risco de uma propagação global da doença, como em 2022
Na próxima quarta-feira, um Comitê de Emergência da Organização Mundial de Saúde (OMS) vai se reunir para decidir se recomenda, ou não, que o diretor-geral da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus, decrete uma nova emergência de saúde pública de importância internacional por causa da Mpox, como foi com a Covid-19 e com a própria Mpox em 2022.
Embora os casos globais da doença tenham caído depois do surto inédito há dois anos, a doença continuou a circular, especialmente nos lugares onde já era endêmica, como a República Democrática do Congo (RDC). No entanto, as infecções têm crescido no país africano e chegaram neste ano a 14 mil infectados e 511 mortos, impulsionados por uma nova linhagem do vírus.
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O diretor-geral da OMS destacou que o número de casos em seis meses é igual ao registrado em todo o ano passado e que o vírus se espalhou para províncias anteriormente não afetadas. Além disso, que cerca de 50 casos foram relatados em quatro países vizinhos que não tinham registros de Mpox: Burundi, Quênia, Ruanda e Uganda.
— Dada a propagação da Mpox fora da República Democrática do Congo (RDC) e a possibilidade de uma nova propagação internacional dentro e fora da África, decidi convocar um comitê de emergência para me aconselhar sobre se a epidemia constitui uma emergência de saúde pública de interesse internacional — declarou Tedros Adhanom em coletiva de imprensa na semana passada.
Um dos temores é que a cepa que tem se disseminado não é a mesma do surto de 2022. O vírus Mpox é dividido em duas linhagens, chamadas de Clado 1 e Clado 2. A 2, que é mais branda, foi a responsável pela propagação global em 2022, o que foi ligado a ela ter começado a ser transmitida por meio de relações sexuais.
Agora, a OMS relata a identificação de uma nova versão do Clado 1, batizada de Clado 1b, que também passou a ser disseminada pelo contato sexual, explica a virologista Giliane Trindade, coordenadora do Laboratório de Vírus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora de Microbiologia da instituição.
— O Clado 1 é historicamente conhecido, afeta a RDC e principalmente países da África Central, e tem uma letalidade maior. O que acontece agora é que detectaram uma nova linhagem do Clado 1, que registra mutações que foram relacionadas a essa transmissão mais alta entre humanos — explica.
Para ela, que é especialista em Poxvírus, esses fatores, junto ao fato de mundo ser cada vez mais globalizado, fazem o risco da nova versão da Mpox se disseminar para fora do continente africano, assim como a anterior, ser uma realidade:
— Apesar de não termos registrado ainda casos do Clado 1 fora da África, a possibilidade de o vírus chegar às Américas e ao Brasil existe especialmente se considerarmos a transmissão sustentada relacionada ao contato sexual que estamos vendo na RDC, o que facilita a disseminação de uma maneira parecida com a emergência do Clado 2 em 2022. E quanto mais a situação se agrava na África, são mais pessoas infectadas, uma maior transmissão e consequentemente um maior risco para os outros países.
O Clado 1b, por exemplo, já foi confirmado no Quênia, Ruanda e Uganda, enquanto há casos em Burundi que ainda estão sendo analisados. Em relação à gravidade, enquanto a RDC acumula mais de 500 mortos em 2024, o surto global de 2022 chegou apenas a cerca de 120 óbitos em todos os países naquele ano.
— A mortalidade agora é completamente diferente da que observamos com a outra linhagem de Mpox do surto de 2022. Ela chega a ser de 4% dos casos notificados em adultos e até 10% em crianças pelo que temos observado na RDC — diz o virologista da Universidade Feevale e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vigilância Genômica de Vírus, Fernando Spilki.
Segundo dados da OMS, 66% dos casos e 82% das mortes na RDC até agora foram abaixo de 15 anos, e 73% entre homens.
— Gera uma preocupação pela agressividade, mas ainda temos pouca informação para prever como isso vai caminhar daqui para frente. Sempre existe o risco de esse vírus se espalhar e, se houver essa expansão da área de transmissão, ele eventualmente chegar ao Brasil. Mas não há como dizer com certeza nesse momento se vai ou não — avalia o infectologista e pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz) José Cerbino Neto, consultor científico do Richet/Rede D’Or.
Ele destaca que, caso a OMS decida decretar o status emergência, “haverá medidas de contenção para buscar restringir a circulação do vírus, e é possível que se consiga evitar que ele chegue a outros países”. Para Spilki, que participa junto com Giliane da Câmara Técnica Pox do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), para isso é importante que países estejam atentos e se preparem:
— Como é uma doença extremamente contagiosa, as vigilâncias e os sistemas de controle precisam estar muito atentos para qualquer evidência de casos. E temos o problema de hoje ter o mundo globalizado, com as pessoas viajando e se deslocando, em que, se não houver um cuidado transnacional muito grande, podemos ter uma transmissão sim. Precisamos estar atentos a essa possibilidade especialmente com doenças suspeitas em viajantes e em contatos próximos no país.
Ele acredita que a experiência com pesquisa e diagnóstico decorrente do surto de 2022 é uma vantagem. Uma das ferramentas que está mais acessível, por exemplo, são as vacinas, inicialmente desenvolvidas para a versão tradicional da varíola, erradicada em 1980, mas que também conferem proteção contra a Mpox por serem da mesma família de vírus.
— A grande pergunta que vem sendo estudada é em que medida a vacina consegue dar uma boa proteção contra essa cepa em específico, o que é bastante possível. Desde junho, as vacinas vêm sendo aplicadas na RDC. Então é de esperar que continuemos tendo uma proteção adequada. Mas precisamos ter estoques da vacina, principalmente para imunizar as cadeias de contatos próximos daquele paciente e profissionais de saúde, de laboratórios. Isso os países precisam estar preparados — diz Spilki.
No Brasil, uma das vacinas é inclusive aplicada a grupos de maior risco no SUS, como pessoas que vivem com HIV e com contagens baixas de células de defesa. Na última sexta-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um documento oficial em que convidou os fabricantes a submeterem as doses para aprovação de uso em caráter de emergência pela autarquia.
As doses já foram aprovadas por agências reguladoras de referência, como a europeia, a americana e pela Anvisa, mas um aval da OMS poderá acelerar o acesso pelo mundo, especialmente em países de baixa renda, e permitir que parceiros como Gavi e Unicef adquiram os imunizantes para distribuição.
Nesse contexto de maior risco, o patologista Helio Magarinos Torres Filho, diretor do Richet Medicina & Diagnóstico, também lembra a importância da testagem para que os casos de Mpox sejam isolados e evitar, dessa forma, a maior disseminação do vírus:
— O diagnóstico laboratorial é realizado através de técnicas de biologia molecular, como o PCR, em amostras coletadas diretamente das lesões suspeitas. Também é possível diagnosticar o vírus em amostras de orofaringe ou raspado anal. No entanto, nesses casos, o resultado pode indicar apenas que a pessoa é portadora do vírus, sem necessariamente apresentar sintomas da doença. Mesmo assim, recomenda-se adotar medidas para prevenir a transmissão a outras pessoas.
Além disso, como a Mpox se manifesta com erupções na pele (lesões), como bolhas, além de febre e dores musculares, o diagnóstico pode ser confundido com doenças mais comuns, como herpes e sífilis, por isso a importância da testagem.