Mulher consegue se livrar do HIV após transplante de células-tronco
Com procedimento, o vírus regrediu na paciente de Nova York; caso foi publicado na revista Cell
Pela primeira vez, uma mulher conseguiu se livrar do HIV após um transplante de células-tronco. Uma paciente de Nova York, cujo caso foi publicado na quinta-feira (16) na revista Cell, é a quarta pessoa que conseguiu a remissão da infecção pelo vírus da Aids após um transplante muito específico: células-tronco que, além de compatíveis, têm um mutação que impede o vírus de entrar nas células.
Como nos casos anteriores relatados — pacientes de Berlim, de Londres e de Düsseldorf —, esta mulher sofria de câncer no sangue e com intervenção médica conseguiu fazer desaparecer o tumor e o HIV. No caso dela, o transplante foi feito com células do sangue do cordão umbilical — nos outros três pacientes foram usadas células-tronco adultas. Após 30 meses sem vestígios do vírus mesmo sem usar medicação antirretroviral, os autores do estudo, prudentes, falam de uma "remissão e possível cura" do VIH.
— Atualmente ela está clinicamente saudável. Ele está livre de câncer e HIV. E chamamos de cura possível, em vez de cura definitiva, basicamente esperando um período de acompanhamento mais longo — disse Yvonne Bryson, especialista da Divisão de Doenças Infecciosas do Departamento de Pediatria da Universidade da Califórnia (Los Angeles) e autora do estudo.
Em conferência de imprensa, Yvonne indicou que, embora este procedimento não seja aplicável a todas as pessoas com HIV, os resultados são "boas notícias" que abrem portas para, no futuro, desenvolver novas técnicas para dimensionar esta estratégia terapêutica.
Leia também
• Pesquisa indica risco de monkeypox agravar infeccão por HIV
• Terceiro paciente com HIV é curado após transplante de células-tronco
• Estudo mostra viabilidade de medicamento no combate ao HIV
Cerca de 38 milhões de pessoas no mundo vivem com HIV. A infecção pelo vírus da Aids atualmente é incurável: não há vacinas preventivas ou medicamentos que a eliminem para sempre. Na grande maioria dos casos, deve-se contentar em controlá-la por meio de tratamentos antirretrovirais ao longo da vida que reduzam ao mínimo a carga viral. Mas nunca é totalmente eliminado porque o HIV costuma se esconder em uma espécie de estado dormente nos reservatórios virais e, se a medicação for interrompida, ele acorda e volta a crescer.
Estes quatro casos relatados de remissão do HIV são excepcionais, produto de uma intervenção médica impossível de transferir para a população em geral com HIV, explicam os especialistas. O transplante de células-tronco é uma técnica muito agressiva (a mortalidade pode chegar a 40%) e se destina a pacientes com tumores hematológicos que não respondem a outras terapias. Devido aos seus riscos, não é uma intervenção que possa ser generalizada a todas as pessoas com HIV: é antiético submeter os pacientes a esses tratamentos agressivos para se livrar do vírus quando existem antirretrovirais eficazes que controlam a infecção.
Os quatro pacientes carregavam um tumor no sangue e não tinham outra alternativa terapêutica para tratá-lo: tiveram que fazer um transplante de células-tronco. A terapia consiste em esvaziar a medula óssea do paciente, onde se encontram as células-tronco formadoras do sangue, para eliminar o tumor e repovoá-lo com as extraídas de um doador compatível.
Nestes casos particulares, para matar dois coelhos com uma cajadada — câncer e HIV —, buscou-se que os doadores, além de compatíveis, tivessem uma mutação específica no gene CCR5 (CCR5Δ32), que impede a penetração do vírus nas células. Se funcionar, as células-tronco do doador acabam substituindo as do paciente, levando a um encolhimento do tumor no sangue do paciente e conferindo resistência contra o HIV.
A paciente de Nova York se junta à lista desses casos especiais que chegaram à literatura científica na última década. A primeira foi em 2011 Timothy Brown, o paciente de Berlim que sofria de leucemia mieloide aguda: o homem foi submetido a um transplante de um doador que tinha a mutação no gene CCR5, necessário para a entrada do vírus nas células, e tanto o tumor quanto o HIV desapareceram de seu corpo. Brown morreu em 2019, mas não do vírus, mas da leucemia.
Seu caso abriu uma porta para derrotar o HIV. Uma esperança que se consolidou com Adam Castillejo , o paciente de Londres, que sofria de linfoma de Hodgkin: ele também foi submetido a um transplante de doador compatível e com a mutação CCR5Δ32 e tanto o vírus quanto o câncer regrediram. O terceiro caso publicado há apenas algumas semanas foi o do paciente de Düsseldorf, um homem de 53 anos que sofria de leucemia: após o transplante de células-tronco com a mesma mutação, o vírus desapareceu e as células tumorais também.
Javier Martínez-Picado, pesquisador da IrsiCaixa e colíder do consórcio internacional IciStem, que acaba de publicar a história do paciente de Düsseldorf, saúda a publicação do caso de Nova York porque reforça duas ideias:
— A cura do HIV é possível e o caso do paciente de Berlim [o primeiro] não era anedótico. Já são quatro casos e são consistentes em termos metodológicos e de observação. Esta é uma confirmação de que a intervenção funciona e a cura é possível — disse.