Mulher recebe rim de porco nos EUA: "Nunca me senti tão bem"
Americana é o quinto caso de xenotransplante, transplante com órgãos de animais geneticamente modificados, e terceiro a receber um rim
Uma mulher de 53 anos do Alabama, nos Estados Unidos, que sofre com insuficiência renal e esperou oito anos por um transplante de órgão, recebeu um rim de porco geneticamente modificado, anunciaram os cirurgiões do hospital NYU Langone Health nesta terça-feira.
A paciente, Towana Looney, passou pela cirurgia no final de novembro. Ela é a terceira pessoa a receber um rim de porco. Dois homens também já receberam um coração geneticamente modificado do animal para ser compatível com humanos. Dos cinco, ela é hoje a única viva.
Os médicos contam que Towana estava em melhor estado de saúde do que os outros pacientes que receberam órgãos suínos até agora e deixou o hospital 11 dias após o procedimento. Ela retornou na última sexta-feira para uma série de tratamentos de infusão intravenosa. Mesmo antes do transplante, ela já tinha níveis elevados de anticorpos que dificultavam encontrar um rim humano compatível.
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O caso será acompanhado de perto pela comunidade de transplantes, pois o sucesso do transplante pode acelerar o início de um ensaio clínico, trazendo os transplantes com órgãos de porcos mais próximos da realidade e ajudando a resolver a escassez de órgãos.
Desde o transplante, Towana não precisa mais de diálise (filtragem artificial do sangue), disseram os médicos, e sua pressão arterial, persistentemente alta por décadas, apesar de uma combinação de medicamentos, agora encontra-se controlada.
O rim que ela recebeu começou a produzir urina antes mesmo de ela acordar da cirurgia, e exames de sangue mostram que está eliminando creatinina, um produto residual, de seu corpo, de forma adequada.
Em uma entrevista na semana passada, antes de ser readmitida no hospital, ela estava cheia de energia: — Nunca me senti tão bem — contou. Towana descreveu como ficou mais fácil realizar tarefas domésticas como preparar uma refeição — atividades árduas quando estava em diálise. — Eu costumava fazer uma tarefa, sentar para descansar, e depois fazer outra tarefa. Agora eu multitarefo! — brincou.
Seu apetite, diminuído durante anos pela náusea que frequentemente acompanha a diálise, também voltou com força, e a americana agora consegue comer refeições completas, e não apenas beliscar sopa como antes, disse.
Ela já está planejando viagens — o Walt Disney World está no topo da lista — que agora poderá fazer sem se preocupar em encontrar serviços de diálise durante os passeios.
Acompanhamento de perto
As próximas semanas são críticas, disse Robert Montgomery, diretor do Instituto de Transplante do NYU Langone. O médico co-liderou a cirurgia com a Jayme Locke, uma cirurgiã de transplante que, há dois anos, solicitou aprovação da Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos EUA, para realizar a operação em Towana.
Na época, Jayme era diretora do Programa de Transplante Renal Incompatível na Universidade do Alabama. Encontrar um rim humano compatível para Towana era um desafio devido aos anticorpos em seu sangue, explica a médica, acrescentando: — Esta era, de muitas formas, a única opção dela.
Mais de 100 mil americanos com doença grave ou falência de órgãos estão em listas de espera por um órgão humano doado. A grande maioria — mais de 90 mil — aguarda um rim.
Mas há uma escassez aguda de todos os tipos de órgãos. Menos de 30 mil rins, colhidos de doadores falecidos ou, em alguns casos, fornecidos por doadores vivos, são transplantados a cada ano no país.
Os pacientes em listas de espera representam apenas uma fração dos mais de 550 mil que estão em diálise. Muitos pacientes não se qualificam para as listas de espera, que selecionam cuidadosamente os candidatos devido à escassez de órgãos.
Mesmo aqueles que se qualificam frequentemente veem sua saúde deteriorar enquanto estão em diálise; apenas cerca de metade sobrevive por mais de cinco anos.
Pacientes negros, como Towana, representam 35% dos que estão em diálise, apesar de constituírem apenas 13,5% da população, em parte devido a fatores de risco como altas taxas de hipertensão, diabetes e doenças cardíacas.
Se os animais puderem ser geneticamente modificados com sucesso para que seus órgãos sejam menos propensos a provocar uma forte resposta imunológica no corpo humano, eles poderão ser uma fonte significativa de órgãos vitais para pessoas que precisam de transplantes – uma área da medicina chamada de xenotransplante.
Towana é a quinta paciente a receber um órgão de um porco geneticamente modificado desde 2022, e apenas a terceira a receber um rim. Dois homens receberam corações suínos.
O procedimento experimental foi aprovado pela FDA sob seu programa de acesso expandido ou uso compassivo, que permite o uso de produtos não aprovados quando os pacientes têm condições de risco de vida.
O rim de Towana veio de um porco com 10 edições genéticas. Ele foi fornecido pela Revivicor, uma subsidiária da United Therapeutics Corp., uma das pelo menos duas empresas que atualmente produzem porcos geneticamente modificados para transplantes.
Os quatro pacientes anteriores que receberam os chamados xenotransplantes, ou órgãos de animais, estavam muito mais doentes e tinham opções de tratamento limitadas. Os receptores dos órgãos anteriores morreram em questão de meses.
Richard Slayman, de 62 anos, foi o único outro receptor que conseguiu deixar o hospital após a cirurgia. Mas ele tinha insuficiência cardíaca congestiva e morreu de um aparente evento cardíaco menos de dois meses após a cirurgia.
Já Towana estava saudável o suficiente para estar em uma lista de espera por um rim humano e, na verdade, tinha uma classificação alta, porque já havia sido doadora de órgãos. Ela doou um rim para sua mãe em 1999, o que lhe deu preferência.
Na época, ela estava na casa dos 20 anos e saudável. Mas, quando ficou grávida de seu segundo filho, em 2002, Looney desenvolveu um distúrbio com risco de vida chamado pré-eclâmpsia, que a deixou com hipertensão incontrolável após o parto.
A pressão alta danifica os rins. Em 2016, os médicos disseram a Towana que ela precisava começar a diálise, e uma assistente social a convenceu a entrar na lista de espera no ano seguinte.
Na época, a americana viu uma reportagem na televisão sobre as primeiras pesquisas com o uso de órgãos suínos em humanos e ficou fascinada com a ideia: — Eu fui até a minha assistente social da diálise e disse: ‘Você liga para quem for preciso e descobre como eu posso entrar nesse programa’.
Nos anos seguintes, ela descobriu que as chances de encontrar um rim humano compatível eram extremamente baixas. Ela apresentava níveis incomumente altos de anticorpos prejudiciais, o que tornava provável que seu sistema imunológico rejeitasse um órgão.
Cerca de dois anos atrás, Jayme entrou em contato com Towana. A médica estava determinada a encontrar melhores soluções para pacientes com insuficiência renal, que é comum no Alabama e afeta desproporcionalmente os residentes negros do estado.
Foi o início de uma conversa que durou quase dois anos, enquanto Jayme buscava uma permissão especial da FDA para fazer o xenotransplante em Towana, que estava ansiosa para começar.
— Eu disse: ‘Ok, onde eu assino?’. “Mas ela disse: ‘Este é um território novo. Este é um terreno desconhecido. Eu não sei o que pode acontecer, e muitas coisas podem dar errado aqui.’ Eu disse: ‘Ok, quando vamos fazer isso?’ E ela passou por todos os ‘se’ e ‘mas’ e o que poderia acontecer novamente.
O diálogo continuou intermitentemente por meses. — Nós conversávamos todos os dias, e todo dia que conversávamos, ela dizia: ‘Você tem certeza?’ E eu dizia: ‘Estou certa. Minha decisão está tomada’ — contou Towana.
No mês passado, enquanto ela estava sentada em sua cadeira de diálise durante o tratamento da manhã, seu telefone tocou. Era Jayme perguntando: — Como você se sente sobre voar para Nova York?
A médica explicou que faria a cirurgia com Montgomery, o mentor que a treinou. — Eu disse: ‘Mas e o Natal? E o Dia de Ação de Graças?’ — contou Towana: — Ela disse: ‘Vai ser o melhor presente de Natal que você já recebeu.’ Eu disse: ‘Sim, senhora, vai mesmo.’