Mulheres negras buscam mais representatividade no Poder Judiciário Brasileiro
Um dos temas pleiteados por movimentos e organizações é a indicação de uma jurista negra para o STF
O Dia da Consciência Negra, celebrado nesta segunda-feira, 20 de novembro, abre espaço para que debates que devem ocorrer ao longo de todo o ano estejam no centro das discussões sociais. Um dos temas que merecem atenção é a busca por equidade em espaços profissionais. Quantos médicos, engenheiros, juízes, professores universitários negros você conhece? Isso apenas para citar algumas das carreiras que são majoritariamente ocupadas por pessoas brancas. E se a pesquisa se restringir ao gênero? Quantas mulheres negras você conhece nessas profissões?
No universo do Sistema Judiciário Brasileiro, assim como em diferentes áreas consideradas valorizadas, mulheres negras representam uma minoria nessas colocações. Uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgada em 2021 apontou, por exemplo, que apenas 5% da magistratura brasileira é composta por mulheres negras. Procuradora federal e cofundadora da Abayomi Juristas Negras, organização sem fins lucrativos que atua especialmente para que mais mulheres negras alcancem cargos no Judiciário, Chiara Ramos destaca que o sistema de justiça precisa de pluralidade para ser eficiente.
“Quando nós falamos sobre a necessidade de inclusão de mulheres negras, indígenas e pessoas diversas dentro do sistema de justiça, nós estamos prezando justamente por um princípio constitucional que é chamado de princípio da eficiência. Porque pessoas com informações distintas, trajetórias distintas, locais sociais diversos, trazem ali uma visão de mundo que precisa ser fundida com as demais visões de mundo para que nós possamos ter decisões judiciais efetivamente justas, decisões judiciais que abarquem toda a complexidade das nossas relações raciais, étnico-raciais e sociais do nosso país”, explica.
Ela reforça, ainda, que as questões históricas e estruturais que formaram o Brasil, e que remontam ao período da escravidão e suas consequências, refletem-se na dificuldade de mobilidade social e ocupação de espaços porque as estruturas brasileiras foram construídas para manter propriedade e privilégio de um determinado grupo social e subalternizar outros. A partir dessas violências sociais, analisa a procuradora, mulheres negras acabam crescendo sendo impedidas de sonhar. “E essa é a parte, a face que eu considero mais cruel do racismo. São mulheres que se veem impedidas de se visualizar em determinados espaços, e quando você não se visualiza em determinados espaços, você não acredita que é possível sonhar em ocupar.”
Buscando a modificação desse cenário excludente, movimentos negros e sociais têm feito campanha para que uma jurista negra seja indicada ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em 132 anos de história, o STF nunca teve em sua composição uma ministra negra.
“O Supremo Tribunal Federal é a principal corte, o principal tribunal do nosso país. É ele que dá a interpretação do nosso texto constitucional. É ele que é o detentor, para alguns, da última palavra sobre o que é, o que não é jurídico, o que o direito acolhe ou não acolhe. Portanto, é o tribunal que mais precisaria de diversidade no país, de diversidade de gênero, de diversidade étnica-racial, de diversidade de composição regional. Por quê? Porque são pessoas que estão ali, vestindo aquelas togas, e essas pessoas têm as suas construções de subjetividades, têm os seus vieses, têm a sua forma de ver o mundo. Da maneira como está composto o Supremo Tribunal hoje, nós temos uma hegemonia de homens brancos. Isso significa que as soluções das questões mais complexas do país estão sendo pensadas a partir de um único local social”, pontua.
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Primeira mulher negra a ocupar um cargo na diretoria da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE), Manoela Alves, atual secretária-geral adjunta da instituição, também defende a nomeação de uma jurista negra para a mais alta corte do país. “A reivindicação por uma mulher negra na Suprema Corte é justa, necessária, urgente. Enquanto a Suprema Corte não refletir a pluralidade da sociedade, ela simplesmente não vai conseguir promover justiça social em sua inteireza, não vai conseguir um olhar de fato consciente, humanizado e em consonância com a sensibilidade que se precisa para que a justiça fomente a correção das distorções sociais que a gente tem hoje nesse Brasil de tantas desigualdades”, disse.
Para a advogada, que também é cofundadora do Instituto Enegrecer, instituição que busca fomentar a equidade nos setores públicos e privados, a nomeação de uma mulher negra para o cargo não deveria enfrentar tantas dificuldades e resistências.
“A verdade é que esta vaga não precisava nem ser reivindicada para uma mulher negra. Esse processo deveria ser natural. E o entendimento de que uma corte, que é uma corte em sua esmagadora maioria do tempo branca, faz com que a gente pense o porquê o racismo estrutural continua sendo tão forte. Para a gente vencer essa realidade, as instituições cumprem um papel muito importante. E, nesse sentido, essas instituições devem começar a dar exemplo, mudando, inclusive, os seus espaços de poder para que ele reflita essa pluralidade”, argumenta.
A própria trajetória de Manuela é marcada por pioneirismo. Dois anos atrás, ela também foi a primeira conselheira negra da OAB-PE, instituição com mais de 90 anos de história. Essa abertura de portas, avalia, precisa ser completada com mais mulheres negras nessas posições. É sobre ser a primeira, mas não mais ser a única. É sobre deixar de ser exceção.
“É importante esse pioneirismo, principalmente quando ele se presta a promover a inclusão de outras pessoas. Na gestão em que eu fui a primeira conselheira negra, eu era a única pessoa negra do conselho, que foi a gestão passada. Na atual gestão, nós conseguimos mais de 30% de pessoas negras compondo o conselho da OAB. Isso é resultado do trabalho não só de uma pessoa, mas isso é resultado de um movimento de advocacia negra formado por um coletivo empoderado, um coletivo consciente do seu papel de promover equidade racial, de ocupar e de abrir espaço para que outras gerações não encontrem as mesmas dificuldades”, diz.