Manifestantes se enfrentam na Tunísia, e governo põe militares nas ruas após suspensão do Parlamento
O exército cercou a sede da Presidência (a Kasbah), e impediu mesmo a entrada de funcionários
pós suspender o Parlamento e destituir o primeiro-ministro do país, o governo da Tunísia colocou tropas militares nas ruas para conter manifestações e decretou toque de recolher em algumas cidades.
O presidente Kais Saied foi acusado de golpe no domingo (25) depois de suspender o Legislativo por 30 dias, destituir o primeiro-ministro Hichem Mechichi e assumir plenos poderes pelo Executivo — a Tunísia funciona em um sistema parlamentar misto em que cabe ao presidente apenas as funções diplomáticas e militares, e o país é governado pelo primeiro-ministro.
Desde a noite de domingo, manifestantes saíram às ruas apesar do toque de recolher imposto e houve confronto entre apoiadores e opositores de Saied em frente ao Parlamento, com pessoas feridas após serem atingidas por pedras e garrafas. Manifestantes favoráveis a Saied lançaram fogos de artifícios e fizeram carreatas pela capital Túnis.
O exército cercou a sede da Presidência (a Kasbah), e impediu mesmo a entrada de funcionários. A rede de TV Al-Jazeera afirmou nesta segunda (26) que a polícia invadiu seu escritório na capital do país e expulsou todos os funcionários.
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Esta é a crise política mais grave em uma década no país berço da Primavera Árabe, série de protestos que sacudiu o norte da África e o Oriente Médio a partir do fim de 2010. A Tunísia é considerada o exemplo mais bem sucedido daquelas revoluções. Manifestantes conseguiram então tirar do poder o ditador Zine el-Abidine Ben Ali e mudar o sistema político do país, com uma nova Constituição em 2014 que estabeleceu a divisão de poderes entre o presidente, primeiro-ministro e o Parlamento.
Agora no comando do Executivo, já começou a fazer mudanças no governo. Nesta segunda, ele afirmou que vai trocar os ministros da Justiça e da Defesa e nomeou o diretor-geral da unidade de segurança presidencial, Khaled Yahyaoui, como supervisor do Ministro do Interior.
Em sua página no Facebook, o Ennahda, partido de orientação islâmica que comanda o Parlamento, escreveu que "o que Kais Saied está fazendo é um golpe de Estado contra a revolução e a Constituição, e os membros do Ennahda e o povo da Tunísia defenderão a revolução".
O líder do Ennahdha e presidente do Legislativo, Rashed Ghannouchi, tentou entrar com outros deputados na sede do Parlamento e foi impedido por militares, de acordo com um vídeo divulgado pelo partido na rede social.
"O exército deve proteger o país", disse Ghannouchi aos soldados, no vídeo. "Soldados, oficiais, pedimos que fiquem ao lado do povo", completou. "Somos militares, cumprimos ordens. Nos pediram para fechar o Parlamento", respondeu um dos soldados.
A vice-presidente da Assembleia, Samira Chaouachi, também pediu que os militares abrissem as portas. "Queremos entrar no Parlamento", gritou. "Somos os protetores da Constituição." Um dos soldados respondeu: "Nós somos os protetores da nação."
Em comunicado divulgado pelo Ennahdha, Ghannouchi afirmou que Saied tenta mudar o regime político do país, "transformando um regime democrático parlamentarista em um regime presidencial, individual e autoritário."
Além do Ennahdha, o movimento islâmico-nacionalista Karama também condenou a decisão de Saied. A Corrente Democrática, partido social-democrata que apoia Saied, também rechaçou o ato, mas creditou o problema à "tensão popular e à crise social, econômica e sanitária e à falta de horizontes da coalizão no poder comandada pelo Ennahdha."
A suspensão do Parlamento foi feita após milhares de tunisianos protestarem contra a classe política do país no domingo (25), especialmente contra o Ennahdha, força majoritária no Parlamento e de oposição ao presidente.
Entre os gritos ouvidos nos protestos, marcados por críticas ao primeiro-ministro Mechichi, os manifestantes bradavam "Vamos mudar de regime" e "O povo quer a dissolução do Parlamento".
Ghannouchi e Saied estão há seis meses em um conflito que paralisou o governo em meio à alta de contágios de Covid-19 que atinge o país desde o começo de julho.
Com quase 18 mil mortos pelo coronavírus, a Tunísia, que tem 12 milhões de habitantes, tem uma das piores taxas de mortalidade do mundo. As manifestações são reflexo da atual gestão da pandemia da Covid-19, bem como das contínuas crises econômicas sofridas pelo país desde a Primavera Árabe.
A suspensão do Parlamento ensejou reações de outros países. O governo da Turquia, próximo do Movimento Ennahdha, pediu a restauração da "legitimidade democrática no país."
Na União Europeia, uma porta-voz da Comissão Europeia pediu que os políticos turcos respeitem a Constituição e o Estado de Direito, e que "mantenham a calma e evitem usar a violência, para preservar a estabilidade do país". A Alemanha pediu "respeito às liberdades civis, um dos resultados mais importantes da revolução tunisiana" de 2011