GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

ONU alerta para 'colapso da ordem pública' em Gaza enquanto advertências a Israel se intensificam

Situação é 'cada vez mais desesperadora', disse o secretário-geral da ONU, António Guterres

Tropas de Israel se reúnem perto da fronteira com Gaza antes de entrarem no enclave em 29 de outubro de 2023, no meio de batalhas contínuas contra o HamasTropas de Israel se reúnem perto da fronteira com Gaza antes de entrarem no enclave em 29 de outubro de 2023, no meio de batalhas contínuas contra o Hamas - Foto: Gil Cohen-Magen / AFP

Uma sequência de saques a armazéns e centros de distribuição de alimentos da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA na sigla em inglês) levou o órgão a alertar, neste domingo, sobre o "colapso da ordem pública" na Faixa de Gaza, ao passo que as Forças Armadas de Israel intensificam os bombardeios e ampliam sua ofensiva terrestre na região. A situação revela-se "cada vez mais desesperadora", alertou o secretário-geral da ONU, António Guterres, instando novamente por uma pausa humanitária no enclave palestino, e autoridades internacionais alertam para uma resposta "desproporcional" de Israel ao conflito.

"Milhares de pessoas entraram em vários armazéns e centros de distribuição da UNRWA no centro e no sul da Faixa de Gaza", afirmou a agência da ONU num comunicado. "É um sinal preocupante que a ordem pública esteja começando a ruir depois de três semanas de guerra e de um cerco rigoroso a Gaza", disse o chefe da UNRWA em Gaza, Thomas White, acrescentando que as "pessoas estão assustadas, frustradas e desesperadas".

O Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PMA), por sua vez, alertou que os saques representam a "fome e desespero crescentes" entre a população de Gaza, em comunicado divulgado neste domingo.

"Este é um sinal de que as pessoas perdem a esperança e ficam mais desesperadas a cada minuto. Estão com fome, isoladas e sofrem violência e imensa angústia há três semanas", disse Samer Abdeljaber, diretor do PMA para a região. "Precisamos de uma pausa humanitária para podermos chegar às pessoas necessitadas com alimentos, água e necessidades básicas de forma segura e eficaz.

— Estamos na fila desde as 5h30. (...) Não temos certeza [se conseguiremos alguma coisa] — disse à AFP Aisha Ibrahim, deslocado do norte de Gaza, na tentativa de conseguir pegar pão para a família se alimentar.

Em um dos armazéns da agência na cidade de Deir al-Balah, na região central da Faixa, estão guardados suprimentos humanitários que chegaram ao enclave palestino nos primeiros comboios que atravessaram do Egito pelo posto fronteiriço de Rafah, em 21 de outubro — quase três semanas após Israel impor bloqueio total ao fornecimento de alimentos, água, medicamentos e combustível a Gaza.

Desde então, 117 caminhões de ajuda chegaram ao território, contando com a nova (e a maior até então) remessa de 33 veículos enviada neste domingo, segundo Wael Abo Omar, porta-voz da passagem fronteiriça de Rafah. A ONU estima serem necessários ao menos 100 caminhões por dia para atender às necessidades dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza.

— Lamento que, em vez de uma pausa humanitária cruelmente necessária, apoiada pela comunidade internacional, Israel tenha intensificado as suas operações militares — declarou Guterres durante uma visita a Katmandu, capital do Nepal, neste domingo.

Israel faz bombardeio em meio à escuridão na Faixa de Gaza
Os saques e a intensificação dos bombardeios na Faixa de Gaza coincidiram com uma interrupção das comunicações e da Internet, o que complicou ainda mais os esforços de ajuda humanitária no sábado. Apenas neste domingo os sinais foram restaurados, segundo a organização de monitoramento de rede Netblocks, um dia após intensos ataques aéreos causarem o apagão na região, afetando a comunicação de agências da ONU (como o Unicef e a OMS) e suas equipes locais, além de ONGs, como a Médicos Sem Fronteiras (MSF).

O território também enfrenta uma escassez de medicamentos. Algumas operações cirúrgicas são realizadas sem que os pacientes estejam completamente sedados, devido à falta de produtos anestésicos, alertou a MSF no sábado. Segundo o Ministério da Saúde palestino, administrado pelo Hamas, 12 hospitais não funcionam mais na Faixa.

Conflito entra em 'segunda fase'
A guerra de Israel contra o grupo terrorista Hamas no enclave palestino, que governa a região, entrou em sua "segunda fase", de acordo com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, alertando, no sábado, que este será um conflito "longo e difícil". O objetivo, disse, é claro: "Destruir as capacidades militares e a liderança do Hamas e trazer os reféns para casa".

As operações do Exército de Israel, cujos soldados e tanques operam no terreno desde sexta-feira à noite, aumentaram desde então, levando a "confrontos violentos" com o Hamas na região norte de Gaza, segundo o braço armado do grupo, as Brigadas al-Qassam. "Nossos combatentes estão atualmente travando batalhas intensas com metralhadoras e armas antitanque contra as forças de ocupação inimigas no noroeste de Gaza", disseram em comunicado neste domingo.

Em comunicado anterior, as Brigadas afirmaram que os seus comandos tinham atacado dois tanques israelenses, que "ficaram envoltos em chamas". A informação não foi confirmada e nem negada pelo Exército de Israel até ao momento.

Por sua vez, as Forças Armadas de Israel afirmaram que os seus aviões, "guiados por tropas [no terreno], atingiram estruturas militares do Hamas no norte da Faixa de Gaza", acrescentando que foram disparados foguetes do território palestino em direção ao centro e ao sul de Israel. Ao todo, eles alegam ter atingido cerca de 450 alvos militares do Hamas na área. Entre sábado e este domingo.

Os militares israelenses disseram que também bombardearam alvos no Líbano, pertencentes ao Hezbollah, grupo xiita que tem procurado mostrar solidariedade ao Hamas. Ambos os grupos são apoiados pelo Irã, cujo presidente, Ebrahim Raisi, levantou novamente o espectro de um conflito regional mais amplo ao dizer, neste domingo em entrevista à al-Jazeera, que Israel tinha cruzado uma "linha vermelha que pode forçar todos a agir".

Segundo Raisi, "o Irã considera que é seu dever" apoiar "o eixo de resistência", que inclui grupos armados como o Hamas e o Hezbollah libanês. Afirmou ainda que estes grupos são "independentes nas suas opiniões, decisões e ações".

Resposta 'desproporcional'
O conflito foi desencadeado pelo ataque sangrento que o grupo terrorista realizou em território israelense em 7 de outubro, que deixou 1.400 mortos, a maioria civis, mais 230 reféns levados para Gaza, segundo as autoridades israelenses. Desde então, Israel, em resposta, realizou uma série de bombardeios no enclave de 362km², deixando, até agora, mais de 8 mil mortos — também na sua maioria civis, incluindo 3.342 menores, segundo último balanço do Ministério da Saúde palestino, que não pode ser verificado de forma independente.

Autoridades internacionais alertam, contudo, para uma resposta desproporcional de Israel em sua ofensiva contra o Hamas. Neste domingo, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, disse à rede americana CNN que "o governo israelense deveria tomar todas as medidas possíveis ao seu dispor para distinguir entre o Hamas — os terroristas que são alvos militares legítimos — e os civis, que não o são".

Uma declaração semelhante foi feita pelo primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Støre, que avalia a ofensiva de Israel como "amplamente excedida".

— O direito internacional exige que [a reação] seja proporcional. Os civis devem ser levados em conta, e o direito humanitário é muito claro sobre isso — disse em entrevista na rádio pública NRK.

'Eu estava errado', diz Netanyahu
Por sua vez, neste domingo, Netanyahu teve de recuar e desculpar-se após culpar o establishment militar e de segurança pelos fracassos que levaram ao ataque-surpresa do Hamas ao país. Em comentários na rede social X (antigo Twitter), ele disse que "sob nenhuma circunstância e em nenhum momento (...) foi avisado sobre as intenções de guerra por parte do Hamas".

E acrescentou: "Pelo contrário, a avaliação de todo o escalão de segurança, incluindo o chefe da Inteligência militar e o chefe do Shin Bet, foi que o Hamas foi dissuadido [de conduzir ataques a Israel] e procurava um acordo. Essa foi a avaliação apresentada repetidamente ao primeiro-ministro e ao Gabinete por todo o escalão de segurança e pela comunidade de Inteligência, inclusive até ao início da guerra."

As mensagens geraram uma resposta furiosa, inclusive de dentro de seu próprio Gabinete de Guerra. A postagem foi excluída e o premier israelense pediu desculpas em uma nova postagem, dizendo: "Eu estava errado".

Entre os primeiros a criticar os comentários de Netanyahu estava Benny Gantz, ex-ministro da Defesa e chefe militar centrista que, em prol da unidade nacional, deixou as fileiras da oposição parlamentar para se juntar ao Gabinete de Guerra de emergência de Netanyahu nos dias seguintes ao massacre de 7 de outubro.

"Quando estamos em guerra, liderança significa demonstrar responsabilidade, decidir fazer as coisas certas e fortalecer as forças para que sejam capazes de cumprir o que lhes exigimos", escreveu Gantz.

O líder centrista da oposição, Yair Lapid, disse que Netanyahu "ultrapassou a linha vermelha" e que "enquanto os soldados e comandantes estão lutando valentemente contra o Hamas e o Hezbollah, ele está tentando culpá-los, em vez de apoiá-los".

Enquanto isso, manifestações em apoio aos palestinos se espalham pelo mundo. Agitando bandeiras e faixas, milhares de manifestantes pró-Palestina marcharam pelas ruas de Madri, na Espanha, neste domingo para exigir um cessar-fogo imediato no conflito. Dezenas de milhares de pessoas também se manifestaram em Casablanca, Marrocos. Multidões também participaram de protestos em apoio aos palestinos em Londres, Paris e Zurique, no sábado.

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