Murais poéticos de Ariano Suassuna
A pedra tem uma importância seminal nas expressões artísticas concebidas por Ariano Suassuna (1927-2014), permeando toda a sua imensa obra como elemento indispensável e estruturante de sua poesia, dramaturgia, romances e iluminogravuras, tal e qual o Sol, por servirem, ambos, de referênciais do locus nordestino, tão enaltecido nas contextualizações geográficas e paisagísticas das muitas narrativas ricas de símbolos míticos e de personagens repletas de densa carga alegórica.
O artista plástico Guilherme da Fonte contribui para a perenidade do legado cultural de Ariano Suassuna ao veicular criativa linguagem escultórica através dos fragmentos de pedras utilizadas nos extensos murais em mosaico, levando ao grande público parte do inesgotável universo poético e imaginário pelo qual o imortal paraibano membro da Academia Brasileira de Letras reafirmou, na literatura e nas outras artes, as ricas raízes ibéricas e as tradições históricas da gente de todos os rincões do Nordeste, dos sertões ao litoral.
No mural de amplos formatos (2003), que ocupa uma das laterais da fachada frontal do aeroporto Presidente João Suassuna, em Campina Grande-PB, Guilherme da Fonte compôs arte mosaica reproduzindo iluminogravura da figura do genitor de Ariano, montado em cavalo negro e em meio à chuva de gotas de sangue, empunhando mastro com flâmula de brasão de onça, ladeado por trechos do dolente soneto “A Acauhan - A Malhada da Onça” (1980), título evocativo das fazendas da infância do poeta precocemente órfão e desterrado.
No lado esquerdo, tem-se: “Fazenda Acauhan: Aqui morava um Rei, quando eu menino: / vestia ouro e Castanho no gibão. / Pedra da sorte sobre o meu Destino, / pulsava, junto ao meu, seu Coração. // Para mim, seu Cantar era divino, / quando, ao som da Viola e do bordão, / cantava com voz rouca o Desatino, / o Sangue, o riso e as mortes do Sertão.” No lado direito: “Lembrança de meu Pai: Mas mataram meu Pai. Desde esse dia, / eu me vi, como um Cego, sem meu Guia, / que se foi para o Sol, transfigurado. // Sua Efígie me queima. Eu sou a Presa, / Ele, a Brasa que impele ao Fogo, acesa, / Espada de ouro em Pasto ensanguentado.”
Encontra-se edificado à entrada do centro de convenções do hotel Armação, onde outrora realizadas edições da Fliporto com a presença de Ariano Suassuna, na praia de Porto de Galinhas, em Ipojuca-PE, outro monumental mural assinado por G.F. (2009), em que visualizada a célebre “Mulher Vestida de Sol”, integrada a desenhos de peixes, embarcações e animais mitológicos, além de alguns versos do longo e magistral poema “Canto armorial ao Recife, capital do Reino do Nordeste”, 1961, igualmente grafados com letras do “alfabeto nordestino” - criado por A.S. -, baseado nos traços dos ferros de marcar bois: “Eu velava na pedra do Arrecife / e vi, nesse repente, uma Visagem: / a esmeralda do Mar se alumiava / e o Sertão lhe infundiu sua coragem. / O rubi resplandece na turquesa: / Mar e Sol, água e pedras da Pastagem. // Lá vem a frota-ibérica das Naus: / brancas velas, tosões, cruzes, bandeiras! / São Cavalos-marinhos, Bois-azuis, / Hipocampos-vermelhos de madeira / ferrados com a Cruz-do-Leopardo, / do Cachorro-de-Deus-e-da Roseira!
Tais murais representam a maravilhosa e enigmática iconografia poética armorial, como as várias ilustrações encontradas no piso do shopping Paço Alfândega, no centro histórico do Recife, em mosaicos que levam a marca de Guilherme da Fonte, e muito caras à obra de Suassuna, como “A Compadecida”, “A Rainha do Meio-Dia”, “Uma Mulher Vestida de Sol” e a “A Pedra do Reino”, em plena convergência de linguagens artísticas diferentes, mas derivadas da estética idealizada pelo inesquecível mestre do Nordeste.
*Pós.grad. em Direito. Superv. jurídico no TRF/5ª Região
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