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Mutum-de-alagoas: o regresso de um nordestino

Espécie rara foi reintroduzida na Mata Atlântica alagoana. Com o retorno, o bioma também é contemplado

MutumMutum - Foto: Divulgação

Se a destruição de uma espécie pode ocorrer em pouquíssimo tempo devido à caça e ao desmatamento, o mesmo não se pode dizer da reversão desse quadro. Reintroduzir um animal em seu habitat é um trabalho que leva décadas e cujo resultado completo, provavelmente, só poderá ser testemunhado pelos discípulos de seus idealizadores, por futuras gerações. É como uma ferida que demora a cicatrizar, mas que, a cada sinal de recuperação, mobiliza e inspira. Assim tem sido com o mutum-de-alagoas (Pauxi mitu).

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Quarenta anos após seu último registro no estado que lhe empresta o nome, a ave está de volta ao Nordeste. A reinserção em seu ambiente de origem está ocorrendo em uma área de meio hectare cedida pela Usina Utinga Leão, em Rio Largo (AL). A empresa integra o Grupo EQM, do qual também faz parte a Folha de Pernambuco.

A ave é a única no Brasil, junto com a ararinha-azul, a existir somente em cativeiro. Desde 2001, está oficialmente extinta na natureza. Estima-se que existam somente 320 exemplares em viveiros, o que faz desse um animal raríssimo. Tão raro que muitos brasileiros mais novos nunca ouviram falar dele.

O mutum tem o nome de Alagoas por ser endêmico de lá, ou seja, só ocorre naquela região. Sua ausência por tanto tempo tem custado caro à Mata Atlântica, já que, por ser considerada de médio porte, a ave consegue carregar sementes maiores, o que ajuda a dispersá-las e garantir a reprodução de algumas espécies de vegetais. Até mesmo a cadeia alimentar de seus predadores, como gaviões e outras aves de rapina, também ficou comprometida. Seu retorno ao habitat é visto como uma chance de recomeço não só para o mutum, mas para os elos que, outrora, sustentou.

Até a chegada a Rio Largo, na última segunda-feira, os espécimes que sobreviveram à devastação tiveram uma série de desafios a enfrentar. Quase desapareceram para sempre, mesmo depois de protegidos, devido à dificuldade de reverter o processo pelo qual passavam. Nos anos 70, apenas três chegaram vivos a Minas Gerais pelas mãos do ornitólogo Pedro Nardelli, que os resgatou em Roteiro (AL). Só mais uma espécie no mundo inteiro, a de um gavião que ocorre nas Ilhas Seychelles, na África, havia conseguido se reproduzir e escapar da ex-tinção a partir de menos de cinco indivíduos vivos. Com o mutum-de-alagoas, houve até um impasse genético, já que nem todos eram considerados “puros” por terem passado por miscigenações.

Apesar do longo período das aves em criatórios, o próprio Nardelli e o presidente do Instituto pela Preservação da Mata Atlântica (IPMA), Fernando Pinto, sempre alimentaram o sonho de levá-las a seu estado natal, o que está se tornando realidade. Em Rio Largo, já há um macho e uma fêmea de quatro anos na área cedida pela usina, mais precisamente onde foi construído o Centro de Educação Ambiental Pedro Nardelli.

A ideia é transportar para o local mais três casais nos próximos seis meses e, em um segundo momento, não deixar as aves em um viveiro, como estão agora, mas, sim, soltas na natureza, avançando no programa de reintrodução. “Vejo esse momento como um símbolo, como um marco. O mutum está aí, vivo, salvo, pronto para ser conhecido pelas pessoas”, declara Nardelli, após relatar seu feito de salvação da espécie na década de 1970.

Fernando Pinto, do IPMA, diz que conhecer é o primeiro passo para preservar. O instituto foi fundado há 21 anos com a participação da Utinga Leão e de outras usinas e ficará responsável pela área do novo centro que foi erguido. “Trazer o mutum-de-alagoas para cá foi um longo processo e que ainda terá muitas etapas pela frente. Nesse momento, colocá-lo diante das pessoas é trabalhar a educação ambiental, é fazer com que os alagoanos e os brasileiros o abracem. Sem dúvida, é um exemplo inspirador até para que outras espécies tenham a mesma oportunidade”, explica.

Celebração
O retorno do mutum à Mata Atlântica foi celebrado em solenidade realizada, na última sexta-feira, na Usina Utinga Leão. Prestigiado por 200 convidados, o evento teve a presença do presidente do Grupo EQM, Eduardo Monteiro, do diretor adjunto operacional da usina, Eduardo Cunha, do governador de Alagoas, Renan Filho, e de prefeitos, empresários, ambientalistas e representantes do Ministério Público Estadual e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Na ocasião, Monteiro oficializou um convênio de comodato com o IPMA, renovando por mais 20 anos a cessão da área da usina em que o instituto tem instalações, o que assegura a continuidade dos trabalhos de preservação e educação ambiental. Já Renan Filho assinou um decreto instituindo a ave como símbolo do estado. O ato integrou as comemorações dos 200 anos de emancipação política de Alagoas.
  
O presidente do Grupo EQM defendeu a conservação do meio ambiente como visão de futuro. “É muito gratificante uma usina centenária ter o privilégio de testemunhar um ato de largo alcance, que expressa a capacidade de resistência de uma ave que, a despeito de todas as agressões que sofreu, volta ao solo desse estado”, afirmou, emocionado. “O exemplo que vemos hoje aqui mostra como a atividade econômica e o meio ambiente podem andar juntos. Investir em meio ambiente é um ato de empreendedorismo”, completou Eduardo Monteiro.

O governador Renan Filho destacou a iniciativa do Grupo EQM e também o trabalho de Pedro Nardelli e Fernando Pinto, bastante aclamados na solenidade. “Houve ciência, houve preservação ambiental, mas o que salvou essa ave foi o amor dessas pessoas”, declarou, acrescentando que, agora, o Batalhão Ambiental da Polícia Militar terá a responsabilidade de trabalhar a proteção das aves que forem reintroduzidas à natureza.
Para isso, o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas vem fazendo o mapeamento das áreas da Mata do Cedro onde o mutum pode ser solto.

A partir disso, serão desenvolvidos trabalhos com comunidades do entorno para prevenir a caça a essa espécie, que é vulnerável por passar a maior parte do tempo no solo, ciscando. “Temos ciência que não adianta conscientizar pessoas de um município e não chegar até outros. Demos um passo importante. O desafio é manter o mutum-de-alagoas a salvo”, enfatizou Fernando Pinto.

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