"Não consigo fazer mais quase nada, uma brisa bate e começa a doer", diz jovem com pior dor do mundo
Kleber Leão, de 29 anos, desenvolveu a neuralgia do trigêmeo após uma lesão durante um treino há oito anos
Kleber Leão tinha 21 anos quando foi atingido no queixo por um golpe durante um treino de jiu-jítsu.
Na hora, foi para casa e não pensou que algo mais grave pudesse ter acontecido.
No entanto, a lesão levou à deformação de um nervo da face que desencadeou a doença chamada de neuralgia do trigêmeo, conhecida como “a pior dor do mundo”.
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Oito anos depois, o morador de Macapá, capital do Amapá, já passou por uma cirurgia e diversos protocolos de tratamento com medicação, mas que não solucionaram o problema.
Ele chegou a ir para Belo Horizonte, capital mineira, para realizar a operação que não teve sucesso.
— Hoje não consigo fazer mais quase nada. Porque o frio incomoda, uma brisa bate e já começa a doer. Escovar os dentes doí, falar muito doí, sorrir muito doí, comer algo mais denso doí, fazer esforço doí. Os medicamentos são fortes, a gente fica um pouco dopado, aí descansa, acorda e fica nessa vida parada — conta.
A neuralgia do trigêmeo ganhou destaque recentemente com o caso da estudante de Medicina Veterinária Carolina Arruda, de 27 anos, que viralizou ao compartilhar seu desejo de buscar a eutanásia na Suíça após mais de 10 anos lidando com a dor.
Após a repercussão, a Clínica da Dor da Santa Casa de Alfenas, no Sul de Minas, buscou a jovem para oferecer novas opções de tratamento.
Carolina já foi submetida a uma série de cirurgias, porém todas sem sucesso. Mesmo assim, um protocolo com novas tentativas foi estabelecido.
O diagnóstico é caracterizado por dores incapacitantes e crônicas ao longo do nervo trigêmeo, que é responsável pela sensibilidade tátil, térmica e dolorosa da face. O paciente sente dores agudas, intensas, tipo choques ou pontadas, que são consideradas “as piores do mundo”.
— Nós temos um nervo trigêmeo de cada lado na face. Geralmente ela acomete somente um dos ramos do nervo e apenas um dos dois nervos da face — explicou ao Globo o médico especialista em dor Carlos Marcelo de Barros, presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED). Em Kleber, foi afetado o chamado V2, ramo que liga o nervo ao maxilar.
Vinícius Boaratti Ciarlariello, neurologista do Departamento de Pacientes Graves do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, diz que a dor é causada principalmente devido à compressão do nervo por vasos e artérias que ficam ao seu redor, o levando a "disparar" como se fosse um curto-circuito.
Isso pode acontecer por uma alteração anatômica ou em decorrência de problemas de saúde, como doenças inflamatórias de meninges e nervos, herpes-zóster, infecções virais, tumores, aneurismas, esclerose múltipla, ou lesões como o caso de Kleber.
O morador de Macapá conta que a dor teve início logo no dia da lesão: — Na hora, senti um zumbido e uma dor e fui para casa. Mas na mesma noite começou muita dor.
Fiquei mais de 15 dias internado para verificar o que era, se tinha atingido algum osso ou músculo, mas não tinha nada, até que foram para o nervo.
Eu fiz uma angioressonância e descobriram o nervo encostado na artéria — diz.
Ele, que é educador físico, conta que, em 2021, os médicos decidiram esperar para recomendar a cirurgia por conta de ele ser muito novo na época.
— E aí foram opioides e mais opioides, endovenosos, aquele efeito sanfona, de o corpo inchar e depois secar. Até que chegou num ponto em que os médicos orientaram a cirurgia — diz.
No entanto, sua cidade não tinha estrutura para oferecer o procedimento, o que o levou a passar quatro meses em Belo Horizonte.
A cirurgia, de descompressão do nervo, foi realizada em janeiro de 2021.
A intervenção, que é delicada por envolver o sistema nervoso, não solucionou as queixas, conta:
— Quando acordei da anestesia, parecia que eu estava sem dor. Mas conforme foram passando os dias da internação ela foi voltando. Toda hora eu precisava pedir um opioide para conseguir relaxar até conseguir me recuperar do procedimento. Foi uma recuperação bastante dolorosa até conseguir estabilizar a pressão intracraniana para poder viajar novamente para a minha cidade. E depois, além da dor da neuralgia, ficou a dor da cicatriz, da incisão da cirurgia. Aí minha vida parou. Passou a ser medicação em cima de medicação, internação de internação. Agora está um pouco mais estável, mas o médico diz que estabiliza um pouco e depois volta.
Ele diz que outros procedimentos cirúrgicos, como um que tenta inativar o nervo o comprimindo com um balão, não foram indicados porque o médico disse que não seriam úteis para o seu caso.
Agora ele vai começar um tratamento novo com outras medicações, inclusive óleo de cannabis, para avaliar se consegue um controle melhor da dor.
Enquanto isso, o dia a dia é difícil. Kleber conta que passa 80% do tempo em casa sob efeito dos fortes analgésicos para lidar com as dores diárias. Por não conseguir mais trabalhar formalmente, ele atua como motorista de aplicativo, mas após algumas horas as dores já o fazem interromper as corridas, conta:
— Eu tentei voltar a trabalhar mas infelizmente precisava faltar muito por causa da dor.
Hoje na minha rotina eu forço muito para não aceitar a doença, não deixar de viver por causa da dor, mas é difícil.
Às vezes eu rodo algumas horas de aplicativo, mas depois não consigo mais e preciso ficar deitado sob medicação.
Minha rotina é acordar, tomar a medicação e tentar fazer algo para não deixar a dor me vencer.
Um dos desafios é arcar com os custos das medicações e conseguir acessar a aposentadoria por Incapacidade Permanente pelo INSS, diz o jovem:
— Tenho o apoio da minha família e da minha esposa que ajudam muito com os medicamentos, porque são caros. É tudo pago por nós, não consigo acessar pelo SUS nem pelo plano. É muita burocracia e são remédios controlados que eu não posso ficar sem. E psicológico também, porque é difícil, a mente fica confusa, (ficamos pensando) “por que não passa a dor”. Os médicos já me deram laudo para a aposentadoria, mas estamos na luta de fazer toda a burocracia do INSS para conseguir ter o acesso.
Ainda assim, ele diz ter esperança de que um dia haverá novas alternativas para curar ou ao menos minimizar a doença:
— Estamos na luta contra essa doença em busca de um jeito de ter um controle total ou quem sabe uma cura um dia se Deus quiser. Eu creio que isso pode acontecer um dia sim, o importante é não perder a fé, independente de qual ela seja. Às vezes perdemos a esperança, mas acordamos no outro dia e ainda estamos ali.