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Pesquisa

Navegantes que colonizaram Caribe eram parentes de indígenas da Amazônia, indica DNA

Fernandes assina a pesquisa, publicada nesta semana na revista científica Nature, junto com a equipe do americano David Reich, da Universidade Harvard

Terra indígenaTerra indígena - Foto: Bárbara Dias/Cimi

Os navegantes que colonizaram as ilhas do Caribe em duas grandes ondas há milhares de anos eram parentes próximos de indígenas da Amazônia brasileira, mostra a mais ampla análise já feita do DNA dos nativos caribenhos. Embora quase todos esses povos tenham desaparecido após a chegada de invasores europeus às ilhas, o genoma de porto-riquenhos, cubanos e dominicanos de hoje ainda guarda resquícios de sua presença.

Segundo os dados genômicos, entre os grupos mais aparentados aos antigos caribenhos estão os palicures, uma etnia do norte do Amapá, bem como os piapocos, presentes na Venezuela e na Colômbia. Ambos falam idiomas da família linguística aruaque, uma das mais importantes da América do Sul, à qual pertencem também povos nativos do Alto Xingu e do Pantanal, por exemplo.

Ainda não é possível ter certeza sobre a rota seguida por esses argonautas pré-históricos, diz um dos coautores do estudo, o pesquisador português Daniel Fernandes, ligado à Universidade de Viena e à Universidade de Coimbra. "A explicação mais simples neste momento é apontar a região mais ampla do nordeste da América do Sul como o centro de origem deles", afirma.

Fernandes assina a pesquisa, publicada nesta semana na revista científica Nature, junto com a equipe do americano David Reich, da Universidade Harvard, que lidera um dos mais importantes centros de estudo de DNA antigo do mundo. O grupo conseguiu obter dados do genoma de 174 pessoas que viveram no Caribe entre 3.200 anos e 400 anos atrás; além disso, comparou tais informações com as que já estão disponíveis sobre o DNA de outras 89 pessoas que viveram nas Américas antes do contato com os europeus.

A primeira grande conclusão do estudo é que o povoamento das ilhas da América Central aconteceu em duas fases. Na primeira, grupos que usavam instrumentos de pedra e ainda não dominavam a fabricação de cerâmica chegaram ao território caribenho –segundo a arqueologia, há cerca de 6.000 anos. Essa migração inicial provavelmente antecede a formação dos atuais grupos étnicos indígenas, já que eles tinham parentesco igualmente próximo com tribos das mais variadas famílias linguísticas da América do Sul, como povos tupis, aruaques, caribes (apesar do nome, também presentes na Amazônia) e guaicurus.

A partir de 2.500 anos atrás, porém, essa onda original de povoamento começou a ser substituída por um novo grupo de navegantes, que dominavam a agricultura e a fabricação de cerâmica e substituíram quase totalmente os habitantes originais do Caribe. A exceção parece ter sido Cuba, onde a população arcaica, como os pesquisadores a chamam, subsistiu em quantidades consideráveis até perto de 1492, quando Cristóvão Colombo e seus marinheiros espanhóis desembarcaram na ilha pela primeira vez.

É a segunda onda, tomando conta de praticamente todo o Caribe, que tem conexões genômicas próximas com a Amazônia brasileira e com os povos falantes de idiomas aruaques. Embora a região tenha ganhado seu nome por causa da presença de etnias ligadas à família linguística caribe, que é bastante distinta, os pesquisadores não identificaram essa diferenciação no DNA. Mudanças nos estilos de cerâmica com o passar do tempo parecem ter surgido naturalmente a partir de subdivisões da mesma população original. "É possível que tanto aruaques quanto caribes tenham se originado a partir do mesmo conjunto genético. Estudos futuros certamente permitirão que os pesquisadores revisitem essa questão", diz Fernandes.

De qualquer maneira, a aparente predominância aruaque faz sentido quando se considera que esses povos eram o equivalente amazônico dos fenícios do Oriente Próximo antigo: uma sociedade voltada para o transporte de longa distância por meios aquáticos (originalmente em canoas nos grandes rios, antes de se aventurarem pelo mar), exímios comerciantes e diplomatas que forjaram alianças em boa parte da América do Sul.

O DNA também dá testemunho disso: em vários casos, os pesquisadores encontraram primos distantes que foram enterrados em diferentes ilhas caribenhas. O exemplo mais extremo é o de um homem sepultado nas Bahamas, enquanto seu parente morreu na República Dominicana, a quase 1.000 km dali. Jornadas de longa distância por mar, portanto, parecem ter sido parte importante da cultura deles.

O grupo calcula que cerca de 4% do DNA dos atuais cubanos e 14% dos porto-riquenhos de hoje deriva dessas populações.

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