Israel

Netanyahu consegue vitória com aprovação de parte da proposta de reforma do judiciário em Israel

Com o avanço do controverso projeto, o premier aprofunda uma divisão na sociedade israelense e impulsiona o país para uma nova era incerta

Primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu preside a reunião semanal de Gabinete em JerusalémPrimeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu preside a reunião semanal de Gabinete em Jerusalém - Foto: Ronen ZVulun/AFP

Mais uma vez, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, de Israel, ultrapassou os limites, desafiando um histórico movimento de protestos em todo o país para obter novas restrições ao poder do Judiciário israelense de colocar um freio em seu governo de coalizão de extrema direita. Mas depois de anos de manipulação perigosa e caos por parte do líder israelense, isso parece diferente. Tal é o rancor e a ruptura causada por esta vitória particular de Netanyahu que muitos israelenses se perguntam se o dano à sociedade não pode ser consertado — e se o premier será capaz de administrar as consequências de um confronto que ele mesmo iniciou.

Nos momentos finais antes da votação desta segunda-feira, Netanyahu se sentou passivamente entre um par de colegas de Gabinete enquanto os dois homens brigavam entre si — aparentemente sobre se deveriam oferecer uma concessão de última hora —, gritando por cima do líder do partido, o Likud, como se alheio à sua presença.

Ao redor deles na Câmara, furiosos parlamentares da oposição gritavam insultos a Netanyahu e seus aliados, alertando-os de que eles estavam levando Israel à ruína.

— Você é o governo da destruição! — gritou um oponente. — Inimigos de Israel!

A aprovação da votação, minutos depois, proporcionou um raro momento de certeza, após um período de sete meses em que muitas vezes não ficou claro, mesmo até a tarde desta segunda-feira, se Netanyahu realmente ousaria levar adiante sua impopular proposta. Também levou Israel rumo ao desconhecido.

Em casa, deixou metade da sociedade se perguntando se seu país — sob o controle da aliança de Netanyahu de religiosos conservadores e ultranacionalistas — agora deslizaria lentamente para uma autocracia religiosa.

— Estes podem ser os últimos dias da democracia israelense — disse Yuval Noah Harari, autor israelense e historiador da Humanidade. — Podemos testemunhar o surgimento de uma ditadura supremacista judaica em Israel, que não será apenas uma coisa terrível para os cidadãos israelenses, mas também uma coisa terrível para os palestinos, para as tradições judaicas e, potencialmente, para todo o Oriente Médio.

Em um discurso no horário nobre televisionado horas após a votação, Netanyahu apresentou esses temores como alarmistas.

— Todos concordamos que nós, Israel, devemos permanecer uma democracia forte — disse ele. — Que continuará a proteger os direitos individuais de todos. Que não se torne um Estado religioso. Que o tribunal permanecerá independente.

Turbulência social
Contudo, tanto para os críticos quanto para os apoiadores, permanecem dúvidas sobre a estabilidade e a capacidade das Forças Armadas de Israel, após uma onda de protestos de milhares de reservistas militares.

Há também o espectro da turbulência social e econômica, depois que grandes distúrbios eclodiram durante a noite em cidades de todo o país, líderes trabalhistas alertaram sobre uma greve geral, um sindicato de médicos anunciou uma redução de um dia nos serviços médicos e empresas de alta tecnologia disseram que estavam considerando mudar para economias mais estáveis, de acordo com uma nova pesquisa.

No exterior, a votação gerou maior ambiguidade sobre o futuro da aliança de Israel com os Estados Unidos, após manifestações de crescente alarme por parte do governo Biden. Aumentou o desconforto entre os judeus americanos sobre a trajetória do Estado judeu.

E, entre os palestinos, levantou temores de assentamentos israelenses mais descarados na Cisjordânia ocupada, um projeto ao qual a Suprema Corte de Israel se opôs em alguns casos, e maiores restrições à minoria árabe em Israel.

Poder em xeque?
Durante anos, Netanyahu se colocou no centro de todos os confrontos políticos, às vezes insinuando que ele era tudo o que havia entre Israel e o desastre. E ele parecia resistir a tudo. Entretanto, agora a saúde e resistência do líder de 73 anos se tornaram uma questão nacional, depois de meses de intenso combate político e uma votação contenciosa que ocorreu pouco tempo depois de ele encerrar sua internação de 30 horas no hospital para implantar um marca-passo.

O espetáculo de parlamentares rivais discutindo ao lado dele desencadeou um debate sobre quanto controle esse veterano político ainda mantém sobre sua aliança de extrema direita. Apesar da pressão incomum do presidente Joe Biden e das acusações de 15 ex-chefes de segurança de que a lei põe em risco a segurança de Israel, Netanyahu avançou com a proposta a pedido de seus parceiros de coalizão mais extremistas.

Além disso, há o julgamento de corrupção de Netanyahu em andamento: os críticos temem que Netanyahu possa tentar anulá-lo agora que a Suprema Corte é menos capaz de se opor a ele, uma alegação que ele nega há muito tempo.

Por baixo de tudo isso, espreita a possibilidade de uma crise iminente e existencial para a governança israelense. Se a Suprema Corte nas próximas semanas usar as ferramentas restantes à sua disposição para bloquear a implementação da nova lei, poderá forçar as várias partes do Estado de Israel a decidir a qual braço do governo obedecer.

Alguns israelenses veem o Judiciário como um baluarte contra um sistema que tem relativamente poucos freios e contrapesos — o país não tem constituição e apenas uma casa do Parlamento. Mas Netanyahu e seus apoiadores argumentam que a nova lei, que impede a Corte de anular o governo por meio do padrão jurídico subjetivo de "razoabilidade", aprimora a democracia ao dar aos parlamentares eleitos maior autonomia em relação aos juízes não eleitos.

Para o movimento de protesto secular de Israel, foi outro golpe, mas que muitos viram como um chamado para continuar lutando. A luta de sete meses do movimento para atrasar a reforma, por meio de marchas e comícios semanais, ajudou a reenergizar um setor privilegiado da sociedade que às vezes era visto como apático ou complacente com a direção política de Israel.

Mas por trás desse rejuvenescimento está também uma sensação de medo. A coalizão de Netanyahu inclui um ministro das Finanças que se descreveu como um homofóbico orgulhoso, um ministro da Segurança condenado por incitamento racista e um partido ultraortodoxo que propôs multar mulheres por lerem a Torá no local mais sagrado do judaísmo.

Para a minoria árabe de Israel, que representa aproximadamente um quinto da população do país de 9 milhões, a lei parece o prenúncio de uma nova era perigosa.

Relação com os EUA abalada
A votação também faz com que o futuro do relacionamento de Israel com os EUA pareça mais difícil do que o normal. Washington fornece a Israel quase US$ 4 bilhões por ano em ajuda militar e dá a Israel cobertura diplomática crucial nas Nações Unidas. Mas a nova lei atraiu várias expressões de preocupação de Biden e, na preparação para sua aprovação, dois ex-embaixadores americanos em Israel sugeriram algo antes impensável: o fim da ajuda militar dos EUA.

Esta crise em particular é diferente porque não é sobre a política externa, mas sobre o caráter de Israel, minando a percepção de uma aliança entre duas democracias com ideias semelhantes, diz Aaron David Miller, ex-diplomata dos EUA e mediador no conflito israelense-palestino.

— A primeira coisa a fazer é quando você estiver em um buraco, pare de cavar — disse Miller. — O buraco de Netanyahu com Biden ficou muito mais profundo. Biden não está procurando uma briga com Netanyahu. Mas está claro que não haverá abraços, muito menos visitas à Casa Branca.

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