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NÍSIA TRINDADE

Saúde não tem política pública para vício em jogos de apostas

Em ofício à Câmara, ministério admitiu que falta delinear ações para conter transtorno na população

Ministra Nísia Trindade concedeu entrevista coletiva no RecifeMinistra Nísia Trindade concedeu entrevista coletiva no Recife - Foto: Ricardo Fernandes/Folha de Pernambuco

Ao mesmo tempo que o governo traça medidas para reduzir o impacto negativo do endividamento e da dependência das apostas on-line no país, o Ministério da Saúde ainda não apresentou uma política pública específica para tratar da ludopatia — como é conhecido o vício em jogos — na rede pública. Em entrevista no Palácio do Planalto, a ministra Nísia Trindade admitiu não ter um plano fechado, mas disse que o foco será fortalecer campanhas de prevenção, com ações educativas e reforço do tema na abordagem dos profissionais.

"É um fenômeno novo, seria errado eu dizer que já está tudo feito. Temos que trabalhar na prevenção, cuidado e de forma integrada com todo governo", disse Nísia após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros ministros.


A titular da Saúde defendeu no encontro dar tratamento ao vício em jogos como o dado ao tabagismo. No caso do tabaco, contudo, o ministério possui uma política pública específica, contemplado no Programa Nacional de Controle do Tabagismo, que prevê protocolos para o tratamento adequado no SUS, além de campanhas e ações educativas.

Já no caso do vício em jogos, o próprio ministério admitiu, em ofício enviado à Câmara no fim de agosto, não possuir qualquer política pública voltada para o tema. No documento, o Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (Desmad) diz que o atendimento nesse tipo de caso é feito pela rede de Caps (Centro de Atenção Psicossocial), com 2.947 unidades no país. “As metodologias de cuidado em saúde mental não estão organizadas por patologias específicas, mas para atender as pessoas em situação de sofrimento mental associado a um amplo espectro de sofrimento e transtornos mentais”, diz o documento.


O ofício foi enviado pelo Ministério da Saúde após um requerimento de informações do deputado Delegado Fábio Costa (PP-AL) sobre “ações adotadas pela pasta em relação ao transtorno de jogos”. O parlamentar elencou 13 perguntas sobre o assunto em que pede esclarecimentos. “Quais são as campanhas de conscientização realizadas pelo Ministério da Saúde para informar a população sobre os riscos associados ao transtorno de jogos e os sinais de alerta para identificar este problema?”, questiona o congressista em um dos itens. A resposta do Ministério da Saúde foi que não existe: “No momento, não há campanhas de conscientização associadas aos transtornos de jogos e os sinais de alerta”.


Em outro trecho do documento, o chefe da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Felipe Proenço, cita a ausência de dados epidemiológicos sobre o vício em jogos como “desafio” na implementação de políticas e programas voltados ao transtorno de jogos. O Departamento de Saúde da pasta também informou na ocasião não haver treinamento específico para profissionais da saúde para tratar do tema.

Da resposta dada à Câmara em agosto até o início de outubro, porém, o governo passou a tratar o assunto como prioridade e formou um grupo de trabalho para discutir políticas públicas para prevenção e tratamento adequado da dependência patológica em jogos. “Entre as medidas adotadas diante do cenário desafiador referente aos jogos e consequente crescimento da dependência, destacam-se a qualificação e atualização dos profissionais que atuam na assistência e ações de promoção e prevenção”, afirmou a pasta, em nota.


Os números do ministério mostram que desde o ano passado a rede pública tem registrado aumento no número de pacientes que buscam ajuda. Os registros de atendimentos de pessoas com sintomas de jogo patológico foi de 841 em 2022 para 1.290 em 2023, alta de 53%. Até julho de 2024, já foram registrados 2.406 casos.


Estudos
Na reunião com Lula na quinta-feira, Nísia levou ao presidente estudos internacionais sobre medidas adotadas em outros países para reduzir acesso a jogos de apostas on-line, além de sugestões de medidas para o Ministério da Saúde adotar sobre o tema, que ainda não foram divulgadas.


Em uma dessas pesquisas, publicada na revista científica Lancet em agosto de 2022, especialistas citam como medidas efetivas o aumento de impostos sobre apostas e oferecer intervenções farmacológicas e psicossociais combinadas para os danos associados ao jogo. “Uma abordagem de saúde pública abrangente, bem dotada de recursos e bem coordenada é necessária para proteger as pessoas mais vulneráveis, reduzir a exposição a produtos de jogo e fornecer ajuda àqueles que sofrem danos associados com apostas em jogos de azar”, pontua o estudo.


A psiquiatra Analice Gigliotti, professora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), enxerga como necessário o governo contar com programas e ações específicas para combater o vício em apostas.


"Esse pessoal está à míngua. Tem pouco centro especializado em transtorno de jogo. Antes, a pessoa tinha que ir para Las Vegas para jogar. Agora, é na palma da mão. A dependência é muito mais clara. As pessoas se endividam, gastam dinheiro de todos. E aí que vem a ideia de suicídio", afirma.


A psiquiatra ressaltou que não basta ser especialista em dependência química para cuidar de um paciente com dependência em jogo. Conforme Analice, a patologia tem características próprias, o que exige tratamento e abordagem específicos.

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