Novo caso de violência policial abala a França
Quatro agentes foram suspensos após agredirem um produtor musical negro
Um novo caso de violência policial, em que quatro agentes foram suspensos após agredirem um produtor musical negro, numa ação registrada por câmeras de segurança, abala as mais altas instâncias do poder na França.
Em pleno debate sobre o polêmico projeto de lei Segurança Global, que reprime a divulgação de imagens de policiais durante suas operações, o ministro do Interior, Gérald Darmanin, anunciou que pedirá a suspensão dos agentes acusados nesse caso de violência, documentado em um vídeo publicado nas redes sociais.
As imagens, divulgadas pelo site Loopsider, mostram três policiais agredindo no último sábado o produtor musical Michel Zecler na entrada de um estúdio em Paris. "Eles me chamaram várias vezes de negro de m... enquanto me agrediam", denunciou a vítima à sede parisiense da Inspeção Geral da Polícia Nacional (IGPN). "Pessoas que devem me proteger me agridem. Não fiz nada para merecer isso. Só quero que a lei puna essas três pessoas", declarou à imprensa.
Inicialmente, três agentes foram suspensos. Um quarto, que chegou como reforço e é suspeito de ter lançado uma bomba de gás lacrimogêneo no interior do estúdio musical, também foi suspenso, informou à AFP uma fonte policial ligada ao caso.
O ministro Gérald Darmanin, que comparecerá na próxima segunda-feira à comissão de Leis da Assembleia Nacional (Parlamento), declarou na TV pública que os policiais "mancharam o uniforme da república". Já o ministro da Justiça, Eric Dupond-Moretti, disse ter ficado "escandalizado com essas imagens" e reconheceu que, se a cena não tivesse sido gravada, "não se saberia do ocorrido. Deve-se filmar."
O líder dos Insubmissos (oposição de esquerda), Jean-Luc Mélenchon, viu no ocorrido uma "prova terrível do caráter crucial do direito a filmar as ações policiais". Ele se referia ao artigo 24 do projeto de lei Segurança Global, que penaliza a divulgação maliciosa da imagem das forças de ordem. O texto, aprovado esta semana na Assembleia Nacional e que deve ser examinado pelo Senado, gerou polêmica nos últimos dias.
O projeto de lei de segurança inclui disposições sobre câmeras para pedestres e o uso de drones e tem levantado preocupações de associações de cidadãos ou ativistas de esquerda, mas foi o artigo 24 do texto que dividiu opiniões.
Para “proteger quem nos protege”, especialmente “nas redes sociais”, o partido presidencial quer punir com um ano de prisão e uma multa de 45.000 euros a divulgação de “imagem do rosto ou qualquer outro elemento de identificação" de membros da polícia, quando prejudicar "a sua" integridade física ou psicológica".
A medida foi bem recebida pelos sindicatos da polícia, mas gerou protestos entre partidos de esquerda e ativistas das liberdades civis, que a veem como um "ataque desproporcional" à liberdade de informar e um sinal de uma nova tendência autoritária do governo de Emmanuel Macron.
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O premier Jean Castex anunciou hoje a criação de uma "comissão independente que se encarregue de propor uma nova redação" do artigo, que pretende submeter ao veredito do Conselho Constitucional.
Segundo a ata consultada pela AFP, os três policiais chamaram a atenção de Zecler por ele não estar usando máscara. "Quando tentamos interceptá-lo, ele nos forçou a entrar no prédio", diz o texto.
As imagens das câmeras de segurança mostram os três policiais entrando no estúdio agarrando o homem e, depois, agredindo a vítima com socos, chutes e golpes, numa cena que dura cinco minutos. Em seguida, a polícia tenta forçar a porta e lança no interior do estúdio uma bomba de gás lacrimogêneo.
"Se não tivéssemos o vídeo, meu cliente talvez estivesse preso", declarou à AFP a advogada de Zecler. Ele recebeu uma licença médica de seis dias.
Astros do futebol, como Antoine Griezmann, Samuel Umtiti e Kylian Mbappé, reagiram com indignação ao vídeo. O caso aconteceu três dias depois da destruição violenta pela polícia de um acampamento de imigrantes localizado na Praça da República, centro de Paris.