Novo tratamento revoluciona a luta contra a tuberculose "resistente"
Novo regime de medicamentos, chamado BPaL representou um grande avanço desde sua aprovação pela Food and Drug Administration dos Estados Unidos em 2019
O médico ucraniano Volodimir sempre se lembrará do dia em que tomou a última dose de um tratamento de tuberculose mais curto, mais eficaz e com menos efeitos colaterais, que é um ponto de virada na luta contra essa doença mortal.
Antes, Volodimir, de 25 anos, morador de Kiev que preferiu não revelar seu sobrenome, fez outro tratamento quase duas vezes menos eficaz, que envolvia tomar mais comprimidos e que causava efeitos colaterais neurológicos.
Estes desapareceram quando ele mudou para o novo tratamento, que durou apenas seis meses contra os dois anos do anterior.
"Foi muito fácil", comentou Volodimir à AFP.
No dia da última dose, um exame mostrou que não havia vestígios de tuberculose.
Na próxima semana ele quer voltar a trabalhar depois de oito meses de licença.
"Agora, posso começar a viver de novo", comemora.
A tuberculose era a principal causa infecciosa de morte antes da chegada da Covid-19, com 1,5 milhão de vítimas por ano.
Leia também
• Senado aprova obrigatoriedade de tratamento fora da cobertura da ANS
• Aneurisma cerebral: diagnóstico e tratamento; ouça
• Mulher consegue na Justiça direito de plantar cannabis; entenda
Cerca de 5% dos novos casos apresentam resistência aos antibióticos prescritos, dificultando o tratamento.
Mas um novo regime de medicamentos, chamado BPaL porque combina os antibióticos bedaquilina, pretomanida e linezolida, representou um grande avanço desde sua aprovação pela Food and Drug Administration dos Estados Unidos em 2019.
Doses reduzidas
Pesquisas em 2020 mostraram que o tratamento com BPaL curou mais de 90% dos pacientes, mas que havia uma alta taxa de efeitos colaterais ligados à linezolida, especialmente dores nos nervos ou depressão espinhal e diminuição na produção de células responsáveis pela imunidade.
Mas um estudo publicado na quarta-feira (31) no New England Journal of Medicine mostrou que a dose de linezolida pode ser cortada pela metade sem diminuir significativamente a eficácia do tratamento.
Os pesquisadores realizaram um ensaio com 181 pacientes com tuberculose resistente na Rússia, África do Sul, Geórgia e Moldávia, os países com as maiores taxas desta doença.
A conclusão é que se 1.200 miligramas de linezolida por seis meses é 93% eficaz, mantém-se em 91% com uma dose de 600 miligramas.
Neste estudo, o número de participantes sofrendo de neuropatia periférica (causando dor nos nervos) passou de 38% para 24% e aqueles com supressão da medula óssea de 22% para 2%.
"É o começo do fim da tuberculose resistente aos medicamentos", comentou à AFP a principal autora do estudo, Francesca Conradie, da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul.
"Quanto mais rápido você trata a tuberculose de uma pessoa, menos contagiosa ela é. É como a covid em muitos aspectos", aponta.
"Grande avanço"
Além disso, o tratamento é mais fácil para os pacientes: eles passam de ter que tomar até 23 comprimidos por dia e 14 mil em dois anos para apenas cinco comprimidos por dia e menos de 750 em seis meses.
Para Natalia Lytvynenko, que supervisionou o tratamento com BPaL na Ucrânia, esse número mais gerenciável de pílulas facilita o acompanhamento do tratamento de pacientes deslocados pela guerra.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou este ano que atualizará suas diretrizes para recomendar BPaL com 600 miligramas de linezolida para a maioria dos pacientes com tuberculose resistente.
É um "grande avanço", disseram dois especialistas na área não envolvidos no estudo.
O tratamento com BPaL "é um dos avanços que definem a pesquisa científica da tuberculose neste século", escreveram Guy Thwaites, da Universidade de Oxford, e Nguyen Viet Nhung, do Programa Nacional de Controle da Tuberculose do Vietnã, em um editorial do New England Journal of Medicine.